ACSTJ de 0000-00-00
Acórdão da Relação Omissão de pronúncia Exame crítico das provas Competência do Supremo Tribunal de Justiça Vícios do art. 410.º do Código de Processo Penal Direito ao recurso Tráfico de estupefacientes Tráfico de menor gravidade
I -Não padece do vício de omissão de pronúncia a decisão do Tribunal da Relação que enunciou as questões que lhe foram colocadas pelo recorrente e emitiu pronúncia sobre elas, embora, no caso, com a particularidade de a decisão consistir na afirmação de que tais questões já se encontravam definitivamente decididas, pelo STJ, em momento processual anterior. II - Numa situação em que o STJ decidiu revogar o acórdão recorrido da Relação e ordenar que os autos baixassem à 1.ª instância, a fim de aí, pelos mesmos juízes, ser proferida outra decisão «que observe o que se deixa dito» – sendo que o que se deixou dito foi, em síntese, que «o exame crítico das provas há-de explicitar e permitir compreender o processo lógico-racional seguido pelo julgador em ordem a suportar aquele duplo convencimento; é a adução das razões fundantes do binómio atendibilidade-inatendibilidade das provas. (…) Na área da fundamentação, hão-de individualizar-se, se invocadas as escutas telefónicas, os segmentos concretos das gravações transcritas, integrando razões de facto, que, em conjugação com as de mais provas, legitimam o decidido» –, tratava-se de proferir decisão onde, «de forma ainda que sucinta, se narrassem os factos de que, através das escutas telefónicas efectuadas, as testemunhas FM e TU fossem conhecedoras, localizando-os nos documentos daquelas complementares – os autos de transcrição – e com interesse para o apuramento dos factos configurativos do grave crime de tráfico de estupefacientes». III - Foi bem cumprida tal injunção deste Supremo Tribunal se o tribunal de 1.ª instância reproduziu, ipsis verbis, o texto do anterior acórdão, apenas intercalando, na fundamentação da convicção da matéria de facto provada, os elementos cuja omissão tinha merecido a censura do STJ, sendo possível verificar que, além de se terem individualizado os segmentos concretos das gravações (transcritas) respeitantes à actuação do arguido BV, se procedeu à transcrição de uma das passagens em que o co-arguido HG informou o aqui recorrente que o “produto” era de “marca A-Z” e “melhor que o outro”, e se individualizou também o conteúdo das vigilâncias realizadas pelos agentes da PSP FM e TU que, a respeito delas, prestaram os correspondentes depoimentos, igualmente decisivos para a convicção do tribunal, anotando-se a “particular credibilidade” que ao colectivo mereceu o depoimento dos “agentes policiais na concatenação que fizeram entre o conteúdo das diversas intercepções telefónicas que acompanharam e os factos no terreno que tiveram ocasião de presenciar”, tendo ficado consignado que o agente da PSP TU «referiu terem-se iniciado as investigações por suspeita de tráfico de estupefaciente pelo B, tendo feito vigilâncias à residência do B, verificando movimentos de constante entrada e saída de pessoas, que se lhes afiguravam suspeitas, pelo que solicitaram intercepções telefónicas e o teor das conversações gravadas entre os intervenientes confirmou as suspeitas». IV - «O STJ conhece oficiosamente dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, não porque possam ser alegados em novo recurso que verse os mesmos depois de terem sido apreciados pela Relação, mas quando, num recurso restrito exclusivamente à matéria de direito, constate que, por força da inquinação da decisão recorrida por algum deles, não possa conhecer de direito sob o prisma das várias soluções jurídicas que se apresentem como plausíveis. Uma tal interpretação não colide com o direito ao recurso, enquanto parte integrante do direito de defesa consagrado no art. 32.º, n.º 1, da CRP, pois o referido direito alcança satisfatoriamente as exigências constitucionais com o asseguramento de um grau de recurso para um tribunal superior, neste caso a Relação» (cf., entre outros, Acs. de 15-10-03, Proc. n.º 1882/03 -3.ª; de 01-06-06, Proc. n.º 1427/06 -5.ª, de 22-06-06, Proc. n.º 1923/06 -5.ª, e de 03-05-2007, Proc. n.º 651/07 -5.ª, e Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2.ª edição, Editorial Verbo, 2000, pág. 371). V - Resultando de uma apreciação complexiva da situação, tal como retratada pela matéria de facto provada, que: -o recorrente – que já tem uma pesada condenação anterior, por tráfico de estupefacientes, e a quem foi proporcionada libertação condicional – se dedicou, durante um largo período de tempo (entre Maio e Dezembro de 2003), em concertação com outros co-arguidos (HG, AA e CB), à actividade de aquisição, posse, guarda, transporte e venda de haxixe; -era o recorrente que financiava, em parte, algumas aquisições de haxixe, nomeadamente na zona do Algarve, entregando dinheiro a H, que, em troca, depois entregava ao aqui recorrente BV a parte do haxixe por este encomendada, procedendo depois o BV à sua venda, em Lisboa; -que vários indivíduos, designadamente um tratado por P, telefonavam para o BV, solicitando-lhe haxixe e combinando encontros pessoais, dado este fornecer-lhes habitualmente tal produto estupefaciente; -aquela actividade ilícita, desenvolvida com outros arguidos, proporcionava «réditos consideráveis, bem patenteados na natureza e valia do apreendido»; o número de pessoas envolvidas, o modo de financiamento e a distribuição de tarefas na aquisição (em local relativamente distante), transporte e venda do estupefaciente, as quantias utilizadas nas operações e a persistência nelas, afastam – não obstante a menor perniciosidade do haxixe, em relação a outras drogas – a possibilidade de subsunção à previsão do art. 25.º do DL 15/93.
Proc. n.º 1023/07 -3.ª Secção
Soreto de Barros (relator)
Armindo Monteiro
Santos Cabral
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