ACSTJ de 0200-06-18
Inquérito Nulidade Juiz de instrução Competência Ministério Público Arquivamento do inquérito Interrogatório de arguido Obrigatoriedade Assistente Legitimidade Reabertura do inquérito
I -Em instrução, o juiz pode conhecer de vícios ocorridos a montante desta fase (nomeadamente decretando a nulidade por falta ou insuficiência de inquérito) – cf. arts. 286.º e ss. do CPP, maxime 288.º, 289.º e 290.º. II -Porém, em sede de inquérito, o juiz de instrução tem a sua competência reservada aos actos constantes dos arts. 268.º e ss. do CPP, ou seja, intervém como salvaguarda de direitos fundamentais. III -Daqui resulta claramente que as intervenções do MP e do juiz de instrução são independentes nas respectivas fases que cada um deles dirige. Assim, ao MP, em inquérito, compete efectuar todas as diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação (art. 262.º do CPP). E ao juiz de instrução, em instrução, cabe-lhe a prática dos actos que entenda levar a cabo com vista à com-provação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (arts. 286.º e 289.º do CPP). IV -Assim, só em instrução – fase cuja direcção lhe compete – é que o juiz de instrução pode (deve) sindicar o inquérito com vista a decidir da correcção da acusação ou do arquivamento. V -Numa situação em que: -após despacho de arquivamento do inquérito, o assistente reagiu através de reclamação hierárquica, que veio a ser indeferida por despacho do PGR; -então o assistente requereu a abertura de instrução, o que foi rejeitado por intempestividade; -deste despacho foi interposto recurso (para este STJ) que não obteve sucesso, pois que lhe foi negado provimento; -o assistente interpôs recurso para o TC que, porém, nem sequer dele conheceu; conclui-se que não foi sindicada a correcção do decretado arquivamento, nem as alegadas invalidades cometidas no inquérito, que, aliás, nem podiam sê-lo. VI -É que, como se disse, a intervenção do juiz de instrução (em instrução) terá que revestir uma dimensão útil. Ora, estando o inquérito arquivado, qualquer decisão correctiva sobre invalidades absolutas ou relativas ali alegadamente ocorridas terá de ter como objectivo ou finalidade a modificação da decisão tomada no mesmo inquérito. Sendo assim, não se vislumbra como, tendo sido rejeitada a instrução, poderia o juiz invadir a autonomia própria do titular do inquérito. VII -A entender-se de outra forma, estaria a criar-se uma terceira forma de reagir a um arquivamento de inquérito, que o legislador não consagrou, e de constitucionalidade altamente duvidosa: ao assistente que não tinha reclamado ou requerido a instrução – únicos meios legalmente previstos e ao seu dispor para reagir àquele arquivamento – ou, tendo lançado mão deles, não tinha obtido êxito nessas pretensões, bastava arguir a nulidade do inquérito (ou nulidade nele praticado) para obter uma intervenção judicial não prevista legalmente e desta forma conseguir obter uma decisão que, tão-pouco, era susceptível de modificar o arquivamento, assim se subvertendo por completo a actual estrutura do processo. VIII -Se a instrução não é admitida, o arquivamento mantém-se na sua plenitude (ainda que provisória, face à possibilidade de reabertura com novos elementos de prova), não havendo qualquer suporte legal que faça regredir para o juiz de instrução as competências que este só teria na mesma instrução. IX -Destinando-se – como se destina – o interrogatório do arguido a garantir a sua defesa/contraditório, só ele tem legitimidade para a arguição daquela nulidade – cf. Ac. do STJ de 16-04-2002, Proc. n.º 471/02 -5.ª. X -Não a pode ter o assistente que, por força da lei – art. 69.º do CPP –, tem «a posição de colaborador do Ministério Público, a cuja actividade subordina a sua intervenção no processo». XI -Ora, não tendo o participado/denunciado sido acusado, a falta de interrogatório de arguido nenhum prejuízo lhe causa. E, sob pena de adulteração absoluta da estrutura acusatória do processo penal, jamais se poderia aceitar que a função de garantia de defesa do interrogatório fosse transformada em meio de produção de prova capaz de conferir legitimidade ao assistente para a sua impugnação caso não fosse efectivada. XII -O Assento n.º 1/2006 não tratou da obrigatoriedade de interrogatório do participado como arguido, mas sim de caracterizar a natureza da invalidade (por omissão), quando tal interrogatório é obrigatório. XIII -Daí que, não havendo julgado explícito, nem oposição à jurisprudência fixada, não tivesse que haver – para o MP – o recurso extraordinário previsto no art. 446.º, n.ºs 1 e 2, do CPP. XIV -Aliás, a redacção actual do art. 272.º, n.º 1, do CPP, dada pela Lei 48/2007, de 29-08 (aplicável nos termos do art. 5.º do CPP), veio resolver tal questão, estatuindo que «ocorrendo o inquérito contra pessoa determinada, em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime, é obrigatório interrogá-la como arguido», o que significa que aquele interrogatório só é obrigatório quando «haja suspeita fundada da prática de crime», por banda do participado. XV -Essa nova redacção do art. 272.º, n.º 1 do CPP veio ao encontro do Parecer n.º 77/96 do Conselho Consultivo da PGR, seguido na jurisprudência deste STJ, embora sem unanimidade. XVI -Qualquer novo meio de prova que surja não constitui fundamento para reapreciação da decisão judicial (transitada) de rejeição da instrução. O que pode é ser adequado à reabertura do inquérito, competindo, porém, ao seu titular pronunciar-se sobre o requerimento que, para tal, lhe seja feito – art. 279.º do CPP.
Proc. n.º 1514/08 -3.ª Secção
Fernando Fróis (relator)
Henriques Gaspar
Armindo Monteiro
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