ACSTJ de 0000-00-00
Admissibilidade de recurso Acórdão da Relação Decisão que põe termo ao processo Direitos de defesa Sentença criminal Notificação Arguido ausente Prazo de interposição de recurso Contagem de prazo Direito ao recurso
I -De acordo com o art. 400.º, n.º 1, al. c), do CPP, na redacção introduzida pela Lei 59/98, de 25-08, não é admissível recurso «de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não ponham termo à causa», sendo que actualmente, com a redacção dada pela Lei 48/2007, a expressão foi substituída por «de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objecto do processo». II - A decisão da Relação que rejeita o recurso interposto pelo arguido, com a invocação do caso julgado, considerando o recurso inadmissível, e não conhecendo – por prejudicadas face à solução – as questões colocadas pelo arguido, põe termo ao processo, “reconfirmando” a pena de prisão aplicada, sendo, pois, admissível o recurso para o STJ. III - Como expendem Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 4.ª ed. revista, 2007, vol. I, pág. 523), «O n.º 6 [do art. 32.º da CRP], aditado pela Lei Constitucional n.º 1/97, pretende dar guarida constitucional à dispensa do arguido ou acusado em actos processuais, designadamente a audiência de julgamento, permitindo o julgamento na ausência do arguido». (…) «A Constituição condiciona a legitimidade destes actos à observância dos direitos de defesa. Entende-se por direito de defesa, nestes casos, o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência, o direito de requerer que seja ouvido em segunda data, o direito à notificação da sentença e o direito ao recurso, o direito de requerer e consentir que a audiência tenha lugar na sua ausência, o direito a defensor». IV - O TC já se pronunciou, por diversas vezes, sobre as exigências que devem rodear o acto de notificação do arguido da sentença/acórdão que o condena, ou do acórdão do Tribunal superior que reaprecia aquela decisão, nomeadamente quando confirma a decisão condenatória, tendo em conta, em particular, as exigências decorrentes da protecção constitucional do direito de defesa, incluindo o direito ao recurso, por forma a que seja salvaguardado o núcleo essencial do princípio da defesa proclamado no art. 32.º, n.º 1, da CRP – cf. Acs. n.ºs 59/99, de 02-02-1999, 109/99, de 10-02-1999, 433/2000, de 11-10-2000, 87/2003, de 14-02-2003, 274/2003, de 28-05-2003, 378/2003, de 15-07-2003, 429/2003, de 24-092003, 503/2003, de 28-10-2003, 545/2003, de 11-11-2003, 36/2004, de 14-01-2004, 476/2004, de 02-07-2004, 77/2005, de 15-02-2005, 312/2005, de 08-06-2005, 418/2005, de 04-08-2005, 422/2005, de 17-08-2005, 206/2006, de 22-03-2006, 275/2006, de 02-052006, e 111/2007, de 15-02-2007. V - Como se lê no Comentário do Código de Processo Penal, de Paulo Albuquerque (Universidade Católica Editora, 2007, pág. 1132), a interposição de recurso pelo sujeito interessado esgota o seu direito, não podendo interpor novo recurso em relação à mesma decisão. VI - Diz aquele autor (em anotação ao art. 333.º, nota 14, pág. 821): «Se o defensor interpuser recurso da sentença pronunciada contra arguido ausente na audiência antes de o arguido ser notificado nos termos do artigo 333.º, n.º 5, o recurso deve ser oficiosamente notificado aos restantes sujeitos processuais afectados pelo recurso e oportunamente objecto de despacho de admissão ou não admissão e, sendo admitido, conhecido pelo tribunal de recurso, porque o direito de recurso do arguido já foi exercido». VII - Opina que «a contagem do prazo de interposição de recurso inicia-se, em regra, da data da notificação da mesma ao MP, ao defensor e ao representante do assistente e das partes civis, quer na primeira instância quer na segunda instância» (pág. 1126). E, em anotação ao art. 373.º (págs. 920-922), a propósito da definição dos sujeitos e participantes processuais cuja notificação é requerida para que se inicie o prazo de interposição do recurso, destaca na jurisprudência do TC três teses: a minimalista, a compromissória e a maximalista, desenvolvendo o tema e enquadrando nessa perspectiva os acórdãos supracitados. VIII - Tendo em consideração que: -o arguido foi julgado na ausência, de acordo com o art. 333.º, n.º 2, do CPP, e interpôs recurso do acórdão que o havia condenado, sem contudo aquele lhe ter sido notificado, nos termos do n.º 5 daquele preceito; -o legislador pretendeu acabar com a total desresponsabilização do arguido em relação ao andamento do processo ou ao seu julgamento, daí que permita o julgamento na ausência, desde que sujeito a TIR, nos termos do art. 196.º do CPP; -os direitos do arguido ficam salvaguardados, sendo representado pelo defensor, mantendo o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência, podendo o defensor requerer a sua audição, nos termos do art. 333.º, n.º 3, do CPP; -as ausências do arguido às audiências de julgamento e leitura do acórdão são derivadas da sua própria vontade, tendo prescindido de estar presente e emigrado para a Suíça, sem lançar mão da faculdade prevista no n.º 2 do art. 334.º do CPP; -o estatuto processual do arguido é conformado pela conjunção de direitos e deveres, como decorre do art. 61.º do CPP; -o TIR prestado pelo arguido em 05-02-2001 estava em vigor aquando do julgamento, pois só se extingue com o trânsito em julgado da decisão (art. 214.º, n.º 1, al. e), do CPP), pelo que subsistia a obrigação jurídica de manutenção da residência declarada e da comunicação imediata da sua alteração; -o arguido exerceu efectivamente o seu direito ao recurso; -é entendimento uniforme deste STJ o de que em caso de recurso de acórdão proferido em recurso (art. 425.º do CPP) a notificação pode ser feita ao defensor, não carecendo de o ser igualmente ao próprio arguido; é de confirmar o acórdão da Relação que rejeitou o recurso, se bem que com diversa fundamentação.
Proc. n.º 2494/08 -3.ª Secção
Raul Borges (relator)
Fernando Fróis
|