ACSTJ de 14-05-2009
Medida concreta da pena Fundamentação Competência do Supremo Tribunal de Justiça Registo criminal Certidão Valor probatório Tráfico de estupefacientes Suspensão da execução da pena Prevenção especial Prevenção geral Regime de prova
I -Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena o juiz serve-se do critério global contido no art. 71.º do CP (preceito que a alteração introduzida pela Lei 59/2007, de 04-09, deixou intocado, como de resto aconteceu com o art. 40.º), estando vinculado aos módulos/critérios de escolha da pena constantes do preceito. II - Como se refere no Ac. do STJ de 28-09-2005 (CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 173), na dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do art. 71.º do CP têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores) como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente. III - Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar. IV - O dever jurídico-substantivo e processual de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo – total, no caso dos Tribunais da Relação, limitado às «questões de direito» no caso do STJ, ou mesmo das Relações quando se tenha renunciado ao recurso em matéria de facto – da decisão sobre a determinação da pena. V - A intervenção do STJ em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, sendo entendido de modo uniforme e reiterado que «no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras de experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada. VI - Como é sabido, a intervenção do STJ há-de, em princípio, confinar-se à matéria de direito, salvo se, a título excepcional, se tornar imperativo para uma boa decisão de direito a ampliação e melhor esclarecimento da matéria de facto, desejável e necessária, e ainda possível com os elementos disponíveis no processo, relativamente aos quais não foram aproveitadas todas as potencialidades de dação de factos importantes, de informações, de enquadramento da vida global do arguido, para a descoberta da verdade material, estando em causa aqui documentos juntos e indicados no texto da decisão como suporte probatório do que foi firmado em sede de matéria de facto. VII - O CRC, bem como as certidões extraídas de processos, são documentos autênticos, constituindo prova tarifada/legal/vinculada e fazendo prova plena dos factos neles atestados – arts. 362.º, 363.º, n.º 2, 369.º, 371.º, n.º 1, e 372.º do CC, e 169.º do CPP, este dando o valor probatório dos documentos autênticos por idêntico ao do direito probatório material condensado no CC. VIII - Estando em causa a prática pelo arguido de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, e tendo em consideração que: -o arguido foi condenado, com referência a conduta de 29-05-2003, por um crime de tráfico de estupefacientes, em pena de 13 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 18 meses, sujeita a acompanhamento, pena que veio a ser declarada extinta por decisão de 04-12-2007, e, com referência a conduta de 24-01-2003, por um crime de condução intitulada, em pena de multa, que pagou; -o arguido é jovem, pois à data da prática dos factos tinha 24 anos; -a qualidade do produto transportado é reveladora de média ilicitude dentro daquela que caracteriza o tipo legal, por se tratar de substância incluída na Tabela I-C anexa ao DL 15/93, considerada como droga leve; -a quantidade apreendida, pouco mais de 15 kg, releva para aferição de uma visão global do facto, na perspectiva da perigosidade que envolve, pois, caso chegasse ao destino e entrasse no mercado, era susceptível de ser distribuída por grande número de pessoas, permitindo a sua repartição por elevado número de doses individuais; -está em causa uma conduta única, um acto isolado de transporte; -o arguido funcionava como correio, no desempenho de uma actividade em que estava ausente o objectivo do lucro, procurando tão-só angariar 100 g de haxixe para seu consumo; -agiu com dolo directo e intenso, substanciado na relevante quantidade transportada; -as razões e necessidades de prevenção geral positiva ou de integração – que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação ou mesmo reforço da norma jurídica violada, dando corpo à vertente da protecção de bens jurídicos, finalidade primeira da punição – são muito elevadas, impostas pela frequência do fenómeno e do conhecido alarme social e insegurança que estes crimes em geral causam e das conhecidas consequências para a comunidade a nível de saúde pública e efeitos colaterais, justificando resposta punitiva firme; -no que concerne à conduta posterior, o arguido tem aproveitado o tempo de reclusão para frequentar a escola, o que tem feito com assiduidade e aproveitamento, mostrando empenho na aprendizagem, frequentando o 3.º ciclo, o que demonstra vontade de procurar a sua reinserção social, não sendo despiciendo anotar que na anterior experiência de contacto com o sistema de justiça deu resposta positiva no quadro de acompanhamento a que ficou subordinada a suspensão da anterior condenação; afigura-se adequado e proporcional fixar a pena próximo do limite mínimo legal, ou seja, em 4 anos e 6 meses de prisão. IX - O STJ tem vindo a entender, de forma pacífica, tratar-se a suspensão da execução da pena de um poder-dever, de um poder vinculado do julgador, tendo o tribunal sempre de fundamentar especificamente, quer a concessão quer a denegação da suspensão. X - O TC, no Ac. n.º 61/2006, de 18-01-2006 (in DR II Série, de 28-02-2006), julgou inconstitucionais, por violação do art. 205.º, n.º 1, da CRP, as normas dos arts. 50.º, n.º 1, do CP, 374.º, n.º 2, e 375.º, n.º 1, ambos do CPP, interpretados no sentido de não imporem a fundamentação da decisão de não suspensão da execução de pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos. XI - Esta pena de substituição só pode e deve ser aplicada quando a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, como decorre do art. 50.º do CP. XII - Circunscrevendo-se estas, a partir de 01-10-1995, de acordo com o art. 40.º do CP (intocado na revisão da Lei 59/2007), à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, é em função de considerações de natureza exclusivamente preventiva – de prevenção geral e especial – que o julgador tem de se orientar na opção em causa. XIII - Como refere Figueiredo Dias (in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, § 518), pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente; que a simples censura do facto e a ameaça da pena – acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta – «bastarão para afastar o delinquente da criminalidade». E acrescenta: para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto –, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto. Por outro lado, há que ter em conta que a lei torna claro que, na formulação do prognóstico, o tribunal se reporta ao momento da decisão, não ao da prática do facto. XIV - Adverte ainda o citado Professor – § 520 – que, apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável – à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização –, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime». «Estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto em causa». XV - Trata-se de uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, tendo na sua base uma prognose social favorável ao arguido, a esperança fundada e não uma certeza – assumida sem ausência de risco – de que a socialização em liberdade se consiga realizar, que o condenado sentirá a sua condenação como uma advertência solene e que, em função desta, não sucumbirá, não cometerá outro crime no futuro, que saberá compreender, e aceitará, a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, pautando a conduta posterior no sentido da fidelização ao direito. XVI - A suspensão da execução, acompanhada das medidas e das condições admitidas na lei que forem consideradas adequadas a cada situação, permite, além disso, manter as condições de sociabilidade próprias à condução da vida no respeito pelos valores do direito como factores de inclusão, evitando os riscos de fractura familiar, social, laboral e comportamental como factores de exclusão. XVII - Atendendo a que: -estamos perante um arguido que contava 24 anos de idade à data da prática dos factos; -o mesmo está inserido no respectivo agregado familiar, contando com o apoio da mãe e da namorada, com quem, segundo o relatório social e os factos provados, mantém uma relação afectiva há 7 anos, vivendo em comum; -a perspectiva de garantia de emprego é elemento de suma importância, podendo o arguido ter ao seu alcance um instrumento poderoso de afirmação no sentido da sua inserção social; -no âmbito do anterior cumprimento de pena de substituição, que teve lugar ao longo de 18 meses, o arguido teve resposta e avaliação positiva; -está preso há mais de 16 meses, tendo adoptado comportamento adequado às rotinas e regras institucionais, para além de ter reiniciado os estudos, o que faz com empenho e proveito; -a condenação anterior, só por si, não constituirá obstáculo à concessão de uma nova e eventualmente derradeira oportunidade de arrepiar caminho; mostram-se reunidas as condições para que seja decretada a suspensão da execução da pena aplicada, impondo-se como regra de conduta a obrigação de o arguido começar a trabalhar, aceitando a oferta que lhe foi feita, e de prosseguir a aprendizagem que vem exercendo, e sendo a suspensão acompanhada de regime de prova, de decretar obrigatoriamente, como decorre da parte final do n.º 3 do art. 53.º do CP.
Proc. n.º 19/08.3PSPRT.S1 -3.ª Secção
Raul Borges (relator)
Fernando Fróis
Pereira Madeira
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