Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 14-05-2009
 Omissão de pronúncia Regime penal especial para jovens Prevenção geral Prevenção especial Atenuação especial da pena Suspensão da execução da pena Regime concretamente mais favorável
I -Como uniformemente tem sido entendido neste Supremo Tribunal, a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes e que, como tal, tem de abordar e resolver, ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não as razões, no sentido de simples argumentos, opiniões, motivos, ou doutrinas expendidos pelos interessados na apresentação das respectivas posições, na defesa das teses em presença; a pronúncia cuja omissão conduz à nulidade é referida ao concreto objecto submetido à cognição do tribunal e não aos motivos ou às razões alegadas.
II - Tendo o tribunal a quo, no que respeita ao regime penal especial para jovens, equacionado a possibilidade de atenuação especial da pena e, tomando posição expressa no caso concreto, decidido não ter lugar a aplicação de tal regime, afastando, por isso, a hipótese de atenuação especial, é de concluir que o acórdão recorrido não padece de qualquer nulidade à luz do art. 379.º do CPP, designadamente de omissão de pronúncia.
III - A omissão de pronúncia, vício sancionado pela al. c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP, não pode confundir-se com incompletude de fundamentação, com incompleta abordagem, já não de meros argumentos, mas de parâmetros a ter em conta na análise global que se impõe.
IV - O regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, instituído pelo DL 401/82, de 23-09, surge em regulação do imperativo decorrente do art. 9.º do CP (aprovado pelo DL 400/82, da mesma data), sendo um regime datado, que entrou em vigor simultaneamente com o CP, com o qual foi articulado.
V - O regime em causa suscita, em alguns pontos, controvérsia na jurisprudência. Desde logo, a sua caracterização como especial ou geral não é pacífica: enquanto para uns, como resulta, por ex., dos Acs. do STJ de 27-10-2004 (Proc. n.º 1409/04 -3.ª, CJSTJ 2004, tomo 3, pág. 213) e de 28-06-2007 (Proc. n.º 1906/07 -5.ª), o regime penal aplicável a jovens adultos não constitui um regime especial, mas o regime-regra de sancionamento penal aplicável a esta categoria etária, ou, como se afirmou no Ac. do STJ de 07-11-2007 (Proc. n.º 3214/07 -3.ª), um regime específico e não um regime especial, para outros é considerado como regime especial que prevalece sobre o regime geral, subsidiariamente aplicável (cf. Ac. do STJ de 06-09-2006, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 181).
VI - O instituto previsto no DL 401/82, de 23-09, corresponde a um dos “casos expressamente previstos na lei”, a que alude o n.º 1 do art. 72.º do CP, sendo que a atenuação especial ao abrigo deste regime especial: -não é de aplicação necessária e obrigatória; -não opera de forma automática, sendo de apreciar casuisticamente; -é de conhecimento oficioso; -não constitui uma mera faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, sendo de concessão vinculada; -é de conceder sempre que procedam sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado, sendo em tais circunstâncias obrigatória e oficiosa; -não dispensa a ponderação da pertinência ou inconveniência da sua aplicação; -impõe se justifique a opção ainda que se considere inaplicável o regime, isto é, deve ser fundamentada a não aplicação.
VII - Desde 01-01-1999, com a entrada em vigor da reforma do processo penal operada pela Lei 59/98, de 25-08, que se passou a perspectivar a não consideração da aplicabilidade do regime penal especial para jovens como nulidade por omissão de pronúncia sobre questão de conhecimento oficioso – art. 379.º, n.ºs 1, al. c), e 2, do CPP. Mas, caso se entenda estar em causa a violação do dever de fundamentação, a falta desta constituirá violação da injunção constante do art. 374.º, n.º 2, do CPP, sendo então a nulidade a prevista na al. a) do n.º 1 do citado preceito.
VIII - Já quanto à consideração, ou não, na análise e ponderação a realizar, da natureza e gravidade do crime e seu modo de execução, ou seja, da prevalência ou não das exigências especiais sobre as exigências de prevenção geral de integração dos valores plasmados na ordem jurídico penal, a jurisprudência, mais uma vez, divide-se: -para uma certa corrente, as razões atinentes às necessidades de reprovação e de prevenção do crime poderão, tendo por base o que consta do ponto n.º 7 do preâmbulo do DL 401/82 ou fazendo uma chamada de atenção para a imposição de um limite às considerações de reinserção social, precludir a aplicação do regime, designadamente quando a ele se opuserem considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; -noutra linha jurisprudencial – que será de compromisso com a ponderação adequada das duas finalidades da pena –, entende-se que no juízo de prognose positiva imposto ao aplicar o art. 4.º do referido diploma há que considerar a globalidade da actuação e da situação pessoal e social do jovem, o que implica o conhecimento da sua personalidade, das suas condições pessoais, da sua conduta anterior e posterior ao crime, não se podendo atender de forma exclusiva (ou desproporcionada) à gravidade da ilicitude ou da culpa do arguido; -em sentido diverso, defende ainda alguma jurisprudência que a perspectiva da ressocialização deve ser a enfatizada, sendo que o fundamento legítimo para recusar a aplicação do regime especial é a inexistência de vantagens para a reinserção social.
IX - A ser deferida a atenuação especial prevista no art. 4.º do DL 401/82 terá a medida premial de ser concretizada e quantificada de harmonia com o disposto nos arts. 72.º e 73.º do CP, que constituem apoio subsidiário do regime ali previsto.
X - A diferença substancial entre a atenuação especial da pena prevista no regime penal especial para jovens e a constante do art. 72.º do CP está em que naquele, tal como estabelece o art. 4.º do DL 401/82, são razões de prevenção especial que fundamentam o regime, pelo que a finalidade ressocializadora se sobrepõe aos demais fins das penas; e na medida prevista no CP a aplicação de moldura mais benevolente assenta na existência de circunstâncias que tenham por efeito a diminuição por forma acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena.
XI - A atenuação especial da pena tem de emergir de um julgamento do caso concreto – impondo-se proceder a uma apreciação conjunta do circunstancialismo factual da prática do crime, das condições pessoais e da personalidade do jovem, bem como da sua conduta anterior e posterior ao facto, – que incuta na convicção do juiz a crença em sérias razões de que para o arguido resultam vantagens para a sua reinserção.
XII - O Supremo Tribunal tem vindo a entender, de forma pacífica, que a suspensão da execução da pena constitui um poder-dever, um poder vinculado do julgador, tendo o tribunal sempre de fundamentar especificamente quer a concessão quer a denegação da suspensão.
XIII - O TC, no Ac. n.º 61/2006, de 18-01-2006 (DR, II Série, de 28-02-2006), julgou inconstitucionais, por violação do art. 205.º, n.º 1, da CRP, as normas dos arts. 50.º, n.º 1, do CP e 374.º, n.º 2, e 375.º, n.º 1, do CPP, interpretadas no sentido de não imporem a fundamentação da decisão de não suspensão da execução de pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos.
XIV - À aplicação de tal pena de substituição não obsta o facto de ter ocorrido atenuação especial da pena, como decorre do n.º 2 do art. 73.º do CP.
XV - Com a 23.ª alteração ao CP, introduzida pela Lei 59/2007, de 04-09, alargou-se o campo de aplicação daquela pena de substituição a penas de prisão até 5 anos (anteriormente o limite era a pena de prisão até 3 anos) e alterou-se o tempo de suspensão, estabelecendo agora o n.º 5 do art. 50.º do CP que o período de suspensão – contado do trânsito em julgado da decisão – tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano. Esta nova versão é, pois, indubitavelmente mais favorável ao arguido.
XVI - A suspensão da execução da pena de prisão constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, tendo na sua base uma prognose social favorável ao arguido: a esperança fundada – e não uma certeza – de que a socialização em liberdade será possível, que o arguido sentirá a sua condenação como uma advertência solene e que, em função desta, não sucumbirá, não cometerá outro crime no futuro, que saberá compreender, e aceitará, a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, pautando a conduta posterior no sentido da fidelização ao direito.
XVII - Para aplicação da pena em causa necessário se torna que o julgador se convença de que o facto cometido não está de acordo com a personalidade do arguido e que foi caso acidental, esporádico, ocasional na sua vida, que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de condutas delitivas e ainda que a pena de substituição não coloca em causa de forma irremediável a necessária tutela dos bens jurídicos.
Proc. n.º 96/09 -3.ª Secção Raul Borges (relator) Fernando Fróis