Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 14-05-2009
 Intenção do arguido Matéria de facto Competência da Relação Homicídio Agravante Especial censurabilidade Especial perversidade Arma de fogo Ofensa à integridade física grave Ofensa à integridade física agravada pelo resultado Morte Ofensa à int
I -Os elementos respeitantes à intenção do arguido integram matéria de facto.
II - Daí que tal matéria só possa ser alterada pelo Tribunal da Relação se o recorrente lançar mão do disposto no art. 412.º, n.º 3, do CPP ou invocar a existência de qualquer dos vícios referidos no art. 410.º, n.º 2, do CPP.
III - A jurisprudência vem sustentando que só há lugar ao preenchimento de uma circunstância qualificativa agravante prevista no art. 132.º do CP caso as ocorrências revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente.
IV - Sendo assim, quando estamos perante crime de homicídio, compreende-se e aceita-se que a simples utilização de um objecto adequado a matar alguém (por ex., uma pistola) não seja elemento bastante para, por si só, se poder concluir pela existência de especial perversidade ou censurabilidade, pois que, nesse caso, a censura e o desvalor da conduta – tirar a vida de outrem – já estão previstos na norma incriminadora base (homicídio simples).
V - Estando provado, para além do mais, que: -o arguido dirigiu-se ao Bairro …, na B…, com o intuito de levar pelo menos o JM para uma determinada casa, contra a vontade deste e com recurso à força física, com a ajuda dos demais arguidos;-para isso, o arguido fez-se acompanhar de um número indeterminado de indivíduos, mas superior a três; -e com o intuito de imobilizar pelo menos o JM e transportá-lo para a referida casa, o arguido efectuou vários disparos de arma de fogo na direcção do JM, e um desses disparos atingiu o JM, em consequência do que sofreu vários ferimentos, que foram a causa necessária da sua morte; -o arguido levou consigo uma arma de fogo, que utilizou, disparando vários tiros na direcção do JM, tendo representado como possível que algum dos projécteis pudesse atingir este, mas, ainda assim, quis agir dessa forma, conformando-se com tal possibilidade, tendo consciência de que ao agir pela forma descrita, disparando uma arma de fogo na direcção do JM, algum dos projécteis disparados podia atingir zona do corpo deste e causar lesões que pusessem em perigo a sua vida, mas conformou-se com essa possibilidade, tendo representado como possível que, em consequência dos disparos de arma de fogo por si efectuados, o JM pudesse morrer, mas actuou confiando que a morte deste não sobreviria, como sobreveio, em consequência da agressão por si produzida; esta factualidade integra a prática, pelo arguido, de um crime de ofensas à integridade física grave agravado pelo resultado (morte), p. e p. pelos arts. 144.º, n.º 1, al. d), e 145.º, n.º 1, al. b), ambos do CP, na redacção vigente à data dos factos.
VI - Ora, como se refere no acórdão recorrido, «o uso de uma arma de fogo aparece não como um instrumento adequado e proporcional ao objectivo do arguido (pois não se mostra provado que este tivesse intenção de matar a vítima), mas sim como um meio completamente desajustado ao propósito inicial do recorrente. A sua utilização, dentro do contexto do demais que se deixa dito, é passível de um acrescido juízo de censura, de um significativo aumento de desvalor da actuação, que integra o conceito acima enunciado e constante do n.º 1 do art. 132.º do C. Penal…».
VII - Por isso, a qualificação jurídica que julgou verificada a agravante qualificativa do ilícito, «por a conjuntura que levou à morte da vítima, em conjugação com o meio usado pelo arguido/recorrente, revelar especial censurabilidade» deste, não merece censura.
VIII - Daí que o crime em causa seja o de ofensa à integridade física grave, agravado pelo resultado e qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 144.º, al. d), 145.º, n.º 1, al. b), e 146.º, n.ºs 1 e 2, com referência ao art. 132.º, n.º 2, al. g), do CP vigente à data dos factos (ou dos arts. 144.º, al. d), 145.º, n.ºs 1, al. b), e 2, com referência ao art. 132.º, n.º 2, al. h), e 147.º, n.º 1, todos do CP com a sua actual redacção, introduzida pela Lei 59/2007, de 04-09, que, porém, manteve o tipo legal, quer ao nível da culpa, quer ao nível da moldura penal abstracta da pena aplicável).
IX - Quanto à questão de saber se, sendo o desígnio ou objectivo principal do agente/arguido o de deter e manter presa a vítima JM (sequestro), implica que o crime de ofensa à integridade física agravado pelo resultado morte deve ficar consumido por aquele crime de sequestro, a resposta não pode deixar de ser negativa.
X - No crime de sequestro protege-se a liberdade pessoal, a liberdade de movimentos, de locomoção, a liberdade de se deslocar de um lugar para outro ou, na forma mais simplista mas também mais densa e incisiva, a liberdade de andar na rua – Acs. do STJ de 05-042000, Proc. n.º 71/2000 -3.ª, e de 22-09-2004, Proc. n.º 2243/04 -3.ª.
XI - No crime de ofensas à integridade física agravado pela morte protege-se o corpo e/ou a saúde da pessoa e a vida humana.
XII - Porque, no caso em apreço, as ofensas à integridade física são agravadas pelo resultado morte, as mesmas não caiem na previsão do art. 158.º, n.º 2, al. b), do CP.
XIII - Por outro lado, dos factos provados não resulta que a morte tenha decorrido da privação da liberdade, isto é, que a detenção tenha sido a causa directa da morte da vítima (antes, a morte foi resultado de uma hemorragia derivada das lesões corporais causadas àquela, em momento anterior ao sequestro), o que exclui, desde logo, a subsunção dos factos assentes à previsão do art. 158.º, n.º 3, do CP.
XIV - Sendo assim, e porque o bem jurídico protegido no crime de sequestro é diferente do protegido no crime de ofensas à integridade física, não há consumpção entre os dois crimes, mas sim concurso real.
XV - Correspondendo ao crime de ofensa à integridade física grave, agravado pelo resultado (morte) e qualificada, a moldura penal abstracta de prisão de 4 a 16 anos, e tendo, no acórdão recorrido, sido considerados sinteticamente em relação a ambos os crimes (o referido, de ofensa à integridade física, e o de sequestro): -o grau de ilicitude – elevado – e a intensidade (mediana) do dolo (eventual quanto ao crime de ofensa à integridade física grave, agravado pelo resultado e qualificado; e directo quanto ao sequestro); -as condições pessoais e a situação económica que ficaram provadas; -a falta de antecedentes criminais do arguido; -a conduta anterior e posterior ao facto; -a culpa (situada acima do nível das necessidades de prevenção geral); -as necessidades de prevenção especial; tudo ponderado, considera-se um pouco excessiva a pena parcelar aplicada, de 9 anos de prisão, quanto ao crime de ofensa à integridade física, afigurando-se justa e adequada a pena de 7 anos e 6 meses de prisão (mantendo-se a de 2 anos de prisão pelo crime de sequestro).
XVI - Considerando tudo o que se deixou dito, e tendo ainda em conta não só a gravidade da conduta do arguido/recorrente, o número e o tipo de crimes cometidos, o facto de não ter manifestado arrependimento, que, no caso, a matéria apurada é insuficiente para formular um juízo de prognose social favorável e que a pena não pode em caso algum ultrapassar a medida da culpa (cf. art. 40.º, n.º 2, do CP), temos por adequada e justa a pena unitária de 8 anos e 6 meses de prisão.
Proc. n.º 221/08.8TCLSB.S1 -3.ª Secção Fernando Fróis (relator) Henriques Gaspar