Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 14-05-2009
 Vícios do art. 410.º do Código de Processo Penal Fundamentação Indemnização Danos futuros Equidade Danos não patrimoniaisão patrimoniais
I -O CPP87 trata os vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, como vícios da decisão, e não de julgamento. Tais vícios da decisão estão umbilicalmente ligados aos requisitos da sentença previstos no art. 374.º, n.º 2, daquele diploma legal, concretamente à exigência de fundamentação, que, de acordo com tal preceito, consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que alicerçam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal.
II - Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que se verificaria se não tivesse ocorrido o evento que obriga à reparação, fixável em dinheiro no caso de inviabilidade de reconstituição em espécie (arts. 562.º e 566.º, n.º 1, do CC).
III - A indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado à data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não tivesse ocorrido o dano; não podendo ser avaliado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (art. 566.º, n.ºs 2 e 3, do CC).
IV - Estando em causa a fixação de indemnização decorrente de danos futuros, abrangendo um longo período de previsão, a solução mais correcta é a de conseguir a sua quantificação no momento da avaliação, tentando compensar a inerente dificuldade de cálculo com o apelo a juízos de equidade.
V - Em sede jurisprudencial tem obtido consagração na prática quotidiana a utilização de fórmulas e tabelas financeiras de variada índole, na tentativa de se conseguir um critério mais ou menos uniforme, o que se não coaduna com a própria realidade das coisas, avessa nesta matéria a operações matemáticas, impondo-se, antes, e essencialmente, a valorização do critério da equidade.
VI - O principal eixo de tal definição fundamenta-se no pressuposto de que a indemnização a pagar quanto a danos futuros por frustração de ganhos deve representar um capital produtor de um rendimento que se extinga no fim do previsível período de vida activa da vítima e que garanta as prestações periódicas correspondentes à respectiva perda de ganho.
VII - Nesse quadro de cálculo sob juízos de equidade devem ponderar-se, entre outros, factores como a idade da vítima, as suas condições de saúde ao tempo do decesso, o tempo provável da sua vida activa, a natureza do trabalho que realizava, o salário auferido, deduzidos os impostos e as contribuições para a segurança social, o dispêndio relativo a necessidades próprias, a depreciação da moeda, a evolução dos salários, as taxas de juros do mercado financeiro, a perenidade ou transitoriedade de emprego, a progressão na carreira profissional, o desenvolvimento tecnológico e os índices de produtividade.
VIII - Uma vez que a previsão assenta sobre danos verificáveis no futuro, relevam sobremaneira os critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que, em concreto, poderá vir a acontecer segundo o curso normal das coisas.
IX - Essencialmente, o que está em causa é o prudente arbítrio do tribunal, nos termos do art. 566.º, n.º 2, do CC, tendo em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida.
X - Num caso em que a vítima do acidente de viação tinha, à data, 38 anos e era motociclista profissional, actividade que lhe proporcionava um rendimento anual de PTE 3 000 000$00, dedicando-se, ainda, à reparação de veículos automóveis ligeiros e motociclos, com o que auferia cerca de PTE 90 000$00 por mês, é manifestamente inviável ficcionar que o mesmo conservaria as condições para a competição profissional até aos 65 anos, sendo adequado e razoável considerar, relativamente a esta específica actividade, como limite os 50 anos.
XI - Assim, o valor da indemnização decorrente de danos futuros resultantes da perda da capacidade de ganho deve ser fixado em € 264 500, sendo € 149 310 (PTE 3 000 000$00, ou seja, € 15 000 x 9,95400 – factor de capitalização de 12 anos [38 – 50 anos]) relativos à actividade como motorista profissional e € 115 517 (€ 6284,85 x 18,32703 – factor de capitalização de 27 anos [38 – 65 anos]) resultantes da demais actividade.
XII - Aquele valor global de € 264 500 deve ser assumido como isento de qualquer ónus fiscal, na medida em que não ficou definido em termos probatórios se os montantes eram líquidos ou brutos e a indefinição não deverá reverter em desfavor da vítima.
XIII - Por outro lado, não será de proceder a qualquer redução que tenha como base um apelo vago, e sem concretização, à possibilidade de desempenhar outras tarefas remuneradas ou receber subsídios estatais, pois ao dano proveniente de uma concreta incapacidade de trabalho para o futuro não se pode contrapor, como factor de redução, uma especulativa possibilidade de outros desempenhos, sem cuidar se efectivamente a vítima detém essa capacidade e em que termos a possui ou se tais subsídios são uma realidade concreta ou uma mera especulação.
XIV - A indemnização por danos não patrimoniais deverá constituir uma efectiva e adequada compensação, tendo em vista o quantum doloris causado, oferecendo ao lesado uma justa contrapartida que contrabalance o mal sofrido, pelo que não pode assumir feição meramente simbólica. O respectivo montante será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo-se em atenção a extensão e a gravidade dos prejuízos, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e a do lesado, bem como as demais circunstâncias do caso (n.º 3 do art. 496.º do CC).
XV - Vindo demonstrado que sobre a vítima recaiu um abalo intenso em termos fisiológicos – ablação de um importante órgão (baço) e parte de outro (70 cm do intestino delgado) – e um dano psicológico em que avultam as dores que sofreu e a percepção, que o acompanhará ao longo da vida, da transformação que as consequências do acidente provocaram no seu futuro – ficou ainda com dificuldades ao nível cognitivo, tendências depressivas, desinteresse anímico, tendência ao isolamento e diminuição da capacidade de adaptação afectiva e social –, em relação às quais a indemnização constitui um fraco sucedâneo, mostra-se ajustado o montante de € 50 000 fixado pelo tribunal recorrido a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Proc. n.º 271/09.7YFLSB -3.ª Secção Santos Cabral (relator) Oliveira Mendes