ACSTJ de 14-05-2009
Habeas corpus Reexame dos pressupostos da prisão preventiva Imparcialidade Impedimentos Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
I -A providência de habeas corpus assume uma natureza excepcional, a ser utilizada quando falham as demais garantias defensivas do direito de liberdade, para estancar casos de detenção ou de prisão ilegais. Por isso, a medida não pode ser utilizada para impugnar outras irregularidades ou para conhecer da bondade de decisões judiciais, que têm o recurso como sede própria para a sua reapreciação. II - Como afirmou este Supremo Tribunal no seu acórdão de 16-12-2003 (Proc. n.º 4393/03 5.ª), trata-se aqui de «um processo que não é um recurso mas uma providência excepcional destinada a pôr um fim expedito a situações de ilegalidade grosseira, aparente, ostensiva, indiscutível, fora de toda a dúvida, da prisão, e não a toda a ilegalidade, essa sim possível objecto de recurso ordinário ou extraordinário. Processo excepcional de habeas corpus este que, pelas impostas celeridade e simplicidade que o caracterizam, mais não pode almejar, pois, que a aplicação da lei a circunstâncias de facto já tornadas seguras e indiscutíveis (…)». III - O art. 40.º do CPP integra uma específica dimensão processual que tem por objectivo essencial assegurar uma das finalidades últimas do processo penal que é a da garantia da imparcialidade que caracteriza o processo justo a que qualquer arguido tem direito. IV - A alteração legal na conformação desse normativo teve em atenção orientação jurisprudencial apontada pelo TC, bem como a oriunda do TEDH. V - A Lei 48/2007, de 29-08, ao acrescentar também o impedimento do juiz que participou em qualquer recurso ou pedido de revisão anterior, tem justificação material em alguns casos, como por exemplo relativamente à intervenção dos mesmos juízes do tribunal de recurso que anularam uma decisão de arquivamento no julgamento do recurso sobre a condenação do arguido (Ac. do TEDH Oberschlick v. Áustria, de 23-05-1991). VI - Todavia, a suspeita legal não parece objectivamente fundada em muitos outros casos, como, por exemplo, quando o juiz do tribunal superior que conhece o recurso interposto do despacho do tribunal de 1.ª instância de rejeição de constituição como assistente não pode intervir no recurso interposto no mesmo processo de uma decisão do tribunal de 1.ª instância que não admite a intervenção de parte civil. A este propósito é de sublinhar que o TEDH admite que o juiz do tribunal de recurso que manteve a decisão de prolongamento da prisão preventiva com isolamento solitário do arguido intervenha no julgamento do recurso interposto da decisão final (Ac. do TEDH Hauschildt v. Dinamarca (Plenário), de 24-05-1989), como admite mesmo que os mesmos juízes do tribunal de recurso que decidiram o recurso interposto contra o despacho que pronunciou o arguido intervenham no julgamento do recurso interposto contra a condenação do arguido se este recurso estava confinado a questões de direito e vícios de forma (Ac. do TEDH Depiets v. França, de 1002-2004). VII - Quanto à questão de saber se, no caso de reexame dos pressupostos de prisão preventiva pelo juiz de julgamento, não fica por igual forma afectada a imparcialidade deste, levando a uma interpretação analógica da al. a) do art. 40.º do CPP [a qual se refere ao juiz que aplicou uma das medidas referidas nos arts. 200.º a 202.º do CPP], a resposta é negativa, pois que o reexame dos pressupostos de aplicação da medida mais gravosa não tem a densidade qualitativa da decisão que aplica a medida. O juiz que procede ao reexame não estabelece o silogismo judiciário entre os indícios existentes e a medida aplicável, mas limita-se a verificar se tal silogismo se elabora da mesma forma ou se, em face do preexistente, existiu algum elemento factual superveniente que leva à sua alteração. VIII - Por isso, a opção do legislador de afastar do campo de aplicação do art. 40.º do CPP o caso de reexame está devidamente justificado pelo facto de uma menor intensidade qualitativa da intervenção não colocar em causa a imparcialidade do juiz de julgamento. IX - Assim, não se verificam os fundamentos da providência de habeas corpus numa situação em que a magistrada que procedeu ao reexame da medida de prisão preventiva do requerente foi a mesma que presidiu ao seu julgamento.
Proc. n.º 628/07.8SSLSB-D.S1 -3.ª Secção
Santos Cabral (relator)
Oliveira Mendes
Pereira Madeira
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