Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 21-05-2009
 Recurso penal Repetição da motivação Rejeição de recurso Medida concreta da pena Fins das penas Princípio da proibição do excesso Culpa Prevenção especial Prevenção geral Roubo agravado Ilicitude
I -A repetição da motivação no recurso para o STJ não funciona como causa legal de rejeição do recurso, embora a finalidade deste seja lograr remédio para um suposto erro cometido pelo tribunal recorrido, através da reapreciação da questão por tribunal superior, pugnando o recorrente, contra-argumentando e apresentando razões em apoio do ponto de vista em busca da solução mais justa, bem podendo suceder que o recorrente não disponha de uma base argumentativa nova para convencer da bondade da sua pretensão, pelo que pode representar-se excessivo e desproporcionado consequenciar a rejeição em caso de reprodução de razões.
II - A fixação da concreta pena é tarefa compósita, de pura aplicação do direito, confluindo nela as notas de discricionariedade e de vinculação, tal como sucede com qualquer operação comum de aplicação de direito, na qual relevam regras de direito escritas e não escritas, elementos descritivos e normativos, actos cognitivos e puras valorações – cf. Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, § 251.
III - As penas visam a protecção dos bens jurídicos (fim público) e a reinserção do agente no tecido social que lesou, por forma a impedir que o ostracize, de futuro (fim particular) – art. 40.º, n.º 1, do CP; a maior ou menor necessidade de protecção dos bens jurídicos é aferida em função da sua importância, decalcada, de resto, na amplitude da moldura penal abstracta para o tipo legal, por razões de prevenção do crime, de defesa da ordem jurídica – cf. Claus Roxin, in Culpabilidad y Prevencion, pág. 115.
IV - E, na medida em que representa uma intromissão na esfera do cidadão, a compressão dela derivada deve reduzir-se ao mínimo essencial à realização daquela teleologia (art. 18.º da CRP), defrontando-se o julgador, nessa tarefa de determinação judicial, com regras nucleares de direito, aquele art. 40.º, n.º 1, do CP e o art. 71.º do mesmo diploma, não podendo ignorar-se que o acto decisório comporta, ainda, uma “componente individual” que não é controlável plenamente de modo racional, já que se trata, segundo Jescheck (Derecho Penal, Parte General, II, pág. 1192), de converter justamente a quantidade de culpabilidade em magnitudes penais e os princípios que regem a determinação da pena não comportam a mesma concisão que os elementos do tipo.
V - Essa discricionariedade na tarefa de fixação da medida concreta da pena é balizada por aquilo que não se mostra positivado na lei, fora disso o direito penal moderno fornece regras centrais para a determinação da pena, funcionando a culpa como seu limite inultrapassável, devendo tomar-se em conta os seus efeitos sobre a pessoa do delinquente (prevenção especial) e sobre a sociedade em geral (prevenção geral).
VI - Tendo em consideração que: -o crime de roubo praticado pelo arguido, juntamente com outros, evidencia um muito elevado grau de desvalor, desde logo porque o seu valor patrimonial o é, atingindo € 150 000;-a forma de proceder, de abordagem do condutor da viatura, colocando-o, pela exibição de armas, na impossibilidade de reagir, pelo receio de que a sua integridade e até a sua vida corressem perigo, actualiza nesse facto comum, em comparticipação com outros, sob a forma de co-autoria, uma das vertentes do elemento pessoal do crime complexo de roubo, de ataque à pessoa da vítima; -o assalto era planeado há cerca de um mês pelos arguidos em conjunto, sendo que o produto do roubo foi distribuído por todos; -o objectivo desse assalto consistia na subtracção de enormes quantidades de produtos, principalmente roupas de marca T…, que posteriormente eram escoados para terceiros, sendo vendidos, por preços mais baixos do que os de venda ao público em geral, a outros vendedores ambulantes que os procurassem para o efeito; -o produto do assalto foi escondido em moradas diversas, próprias e de familiares, e na residência do arguido J; -a arguida MR ocultou os produtos do assalto, com a intenção de os vender, como o fez a arguida MV a fim de facilitar a posse dos bens pela arguida MR, sua filha; -este leque de factos, nomeadamente a preparação meticulosa, põe em destaque que a vontade de consumar o crime, ou seja o dolo, perdurante no tempo, é muito intensa, e que o seu modo de execução, através da intercepção da marcha do veículo onde se transportavam os produtos, uso de várias viaturas para seu transporte e dos produtos roubados, ocultação do produto do roubo nas suas residências, recurso a terceiros para quem eram escoados, com o mesmo objectivo (a venda ao público a baixo preço), manifestam um grau elevado de profissionalismo, organização e até arrojo, não situados ao nível de uns meros coiniciados, como põe também a descoberto – visto o propósito de subtracção de grandes quantidades de vestuário – o profundo desprezo para com o património alheio e até para com o ser humano, revelado pela circunstância de, após se apoderarem do veículo, forçarem o seu condutor a seguir os co-autores no roubo, a colocar uma camisola na cabeça e a afastar-se do local, sempre acompanhado de um dos co-autores do crime – tudo a denotar que a ilicitude atinge um grau elevado e que a intenção lucrativa, de largo espectro, à custa alheia, sem esforço, não pode deixar de ser motivo que interfere na medida da censurabilidade da sua conduta; -o arguido já antes havia sido condenado, em 14-07-2005, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos e 2 meses de prisão, pela prática de crimes de roubo, homicídio qualificado na forma tentada e detenção de arma proibida, e o crime de roubo ora em causa teve lugar achando-se em situação de ausência ilegítima após saída precária prolongada do EP, comprometendo qualquer juízo de prognose em seu favor; -no Natal de 2007 o arguido fez parte de uma rebelião no interior do EP, e tem manifestado desrespeito pelos valores ético-jurídicos mesmo dentro do sistema judicial penal, no qual assume comportamentos contrários às ordens institucionais, o que vale por dizer que a sua personalidade, a sua “atitude interna”, se distancia a olhos vistos das qualidades supostas para o “homem fiel ao direito”, o que releva em termos de culpa, mais grave, constituinte de índice visível daquela desconformação da personalidade, dificuldade em manter conduta lícita, presente, desde logo, na desatenção ao aviso ínsito nas condenações anteriores; -tal significa que o arguido revela forte necessidade de ressocialização, de emenda cívica, ao nível da prevenção especial, não consentindo, também, a defesa do ordenamento jurídico, em nome da prevenção geral – afirmação da eficácia da lei e da crença nas entidades que a aplicam, e dissuasão de potenciais delinquentes –, que se altere, abrandando, a medida da pena; tem-se por justa e equitativa, numa moldura penal de 3 a 15 anos de prisão, a pena de 8 anos e 6 meses de prisão, pouco acima do ponto médio da moldura.
Proc. n.º 828/06.8GALSD.S1 -3.ª Secção Armindo Monteiro (relator) Santos Cabral