Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 21-05-2009
 Constituição de assistente Recurso penal Interesse em agir Legitimidade Assistente Advogado Representação em juízo Caso julgado material Caso julgado formal
I -O interesse em agir é definido, em termos de processo civil, como a necessidade do processo para o demandante, em virtude de o seu direito estar carecido de tutela judicial. Há um interesse do demandante não já no objecto do processo (legitimidade) mas no próprio processo. Em termos de recurso em processo penal, tem interesse em agir quem tiver necessidade deste meio de impugnação para defender o seu direito. O interesse em agir consiste na necessidade de apelo aos tribunais para acautelamento de um direito ameaçado que precisa de tutela e só por essa via logra obtê-la.
II - Tem legitimidade para recorrer aquele que é afectado ou cujos direitos foram ou podem vir a ser prejudicados pela decisão. A legitimidade consubstancia-se na posição de um sujeito processual face a determinada decisão proferida no processo, justificativa da possibilidade de a impugnar através de um dos recursos tipificados na lei. Trata-se de uma posição subjectiva perante o processo, que é avaliada a priori.
III - Tendo havido decisão no processo a admitir o participante como assistente, o arguido tem legitimidade para, através do recurso, impugnar essa decisão que o poderá vir a prejudicar ou afectar, face à posição processual do assistente e aos direitos que a lei lhe confere, podendo tornar mais difícil a prova, do seu ponto de vista jurídico, sobre o destino da causa penal ou mesmo de certos factos que considere fundamentais à sua defesa. Por outro lado, só através do recurso é que o arguido pode impugnar aquela decisão.
IV - Sobre a natureza jurídica do despacho de admissão como assistente (da competência exclusiva do juiz de instrução ou do juiz de julgamento) têm sido sustentadas duas teses: uma primeira segundo a qual aquela decisão faz sempre caso julgado formal, independentemente do momento em que é tomada (cf. Acs. do STJ de 11-07-1991, CJ, XVI, tomo 4, pág. 21, e de 31-10-1991, CJ, XVI, tomo 5, pág. 51); e uma segunda que defende o contrário, ou seja, que o despacho de admissão como assistente nunca faz caso julgado formal, podendo, por isso, ser modificado até à decisão final (cf. Acs. da RP de 0907-1997, CJ, XXII, tomo 4, pág. 230, da RL de 01-10-1997, CJ, XXII, tomo 4, pág. 146, e da RC de 06-12-2000, CJ, XXVII, tomo 1, pág. 143).
V - O caso julgado material respeita à decisão que incide sobre o mérito da causa, isto é, à decisão proferida sobre a relação jurídica substancial; o caso julgado formal reporta-se à decisão proferida sobre a relação processual.
VI - Limitando-se o despacho que admitiu a constituição de assistente a referir: “Porque para tanto tem legitimidade, pagou o imposto de justiça devido e é advogado, admito AN a intervir como assistente”, não tendo havido pronúncia sobre a necessidade ou desnecessidade de o requerente se fazer representar por advogado e tendo o despacho sido impugnado, não se formou caso julgado formal sobre essa concreta questão [é evidente que a referência expressa feita no despacho recorrido à qualidade de advogado do requerente tem subentendido ou subjacente o entendimento de que, sendo o requerente advogado, como assistente, pode autopatrocinar-se no processo, e, nesta perspectiva, é razoável aceitar-se que o despacho recorrido pudesse constituir caso julgado formal].
VII - O queixoso, advogado, que pretenda constituir-se assistente no processo não precisa de estar representado por mandatário, isto é, por (outro) advogado.
VIII - Com efeito, a posição de assistente – em processo penal – não é idêntica à de arguido, quer no inquérito, quer na instrução, quer, ainda, no julgamento (a imposição legal feita no art. 64.º do CPP, de que o arguido seja assistido por defensor, impede, obviamente, que aquele, mesmo que seja advogado, possa assumir a posição de defensor de si próprio).
IX - Mas as razões pelas quais a lei processual penal obriga ou impõe que o arguido seja assistido por defensor constituído no processo por mandato ou nomeado oficiosamente têm a ver com as garantias de defesa em processo criminal (cf. arts. 32.º, n.º 3, da CRP, e arts. 62.º e 67.º do CPP). O mesmo não se poderá dizer do assistente relativamente ao MP (entidade assistida), de quem é colaborador e a quem subordina a sua intervenção no processo (art. 69.º, n.º 1, do CPP), por isso o assistente em processo penal não assume a plenitude dos direitos de parte processual.
X - Ou seja, no que respeita ao assistente em processo penal, há uma distinção, quer pessoal, quer funcional, entre assistente e assistido (MP), nada impedindo que o assistente, sendo advogado, intervenha nessa qualidade em seu próprio patrocínio, sendo certo que a intervenção como advogado em causa própria, na posição de assistente, não prejudica o bom funcionamento ou a imagem (pública) da justiça.
XI - Aliás, esta interpretação, que se acolhe – da qual se conclui que o participante/queixoso advogado, para se constituir assistente, não necessita de se fazer representar por outro advogado – vai “ao encontro da decisão do Comité des Droits de l’Homme das Nações Unidas (…), no sentido de que o Estado Português deveria «modificar a sua legislação a fim de assegurar a conformidade com o artigo 14.º, alínea d), do n.º 3 do Pacto de Nova York sobre os Direitos Civis e Políticos, em ordem a que ao requerente» (advogado) «assistisse o direito absoluto de se defender a si próprio em todos os estádios do procedimento penal”.
XII - Em sentido contrário podem ver-se os Acs. das Relações de Lisboa, de 20-05-1998, e de Coimbra, in CJ, 1995, tomo 1, pág. 57.
Proc. n.º 105/09.2YFLSB -3.ª Secção Fernando Fróis (relator) Henriques Gaspar