ACSTJ de 21-05-2009
Admissibilidade de recurso Direito ao recurso Duplo grau de jurisdição Acórdão do tribunal colectivo Absolvição crime Acórdão da Relação Condenação
I -O regime de recursos é um regime unitário, que tem subjacente uma filosofia e um objectivo determinados. Daí que se não possa interpretar isoladamente cada uma das respectivas normas, esquecendo a visão sistémica do legislador. II - Como diz o Prof. Oliveira Ascensão (O Direito – Introdução e Teoria Geral, 2.ª ed., pág. 342 e ss.), na interpretação da lei devem considerar-se, para além do elemento gramatical ou literal, os elementos lógicos, que são: o sistemático – que tem em conta a unidade do sistema jurídico –, o histórico – constituído por precedentes normativos, trabalhos preparatórios e occasio legis – e o teleológico – que é a justificação social da lei. III - O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regula a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o «lugar sistemático» que compete à norma interpretada no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico (cf. Parecer da PGR n.º 61/91 de 14-05-1992, citado no Parecer n.º 62/93, de 12-05-1994, in DR II Série, de 19-10-1994, pág. 10587). IV - O direito ao recurso em processo penal é um elemento integrador das garantias de defesa do arguido (arts. 32.º, n.º 1, da CRP, e 2.º do Protocolo n.º 7 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais), daí decorrendo que o arguido tem de ter a possibilidade/faculdade de recorrer das sentenças condenatórias e/ou de quaisquer actos judiciais que privem ou restrinjam a sua liberdade ou quaisquer outros dos seus direitos fundamentais. V - E dos arts. 20.º, n.º 2, 215.º, n.ºs 2 e 3, e 32.º, n.º 1, da CRP resulta que se deve salvaguardar sempre a existência de um duplo grau de jurisdição, isto é, a existência de recurso – mas já não decorre a garantia de um triplo grau de jurisdição (duplo grau de recurso). VI - Na verdade, em processo penal, constituindo a faculdade de recorrer uma expressão do direito de defesa, a CRP não obriga o legislador ordinário a permitir que se recorra de toda e qualquer decisão; antes deve entender-se que aquela faculdade (de recorrer) pode ser limitada a certas decisões. Daí que deva aceitar-se que o recurso possa não existir relativamente a certos actos/decisões do juiz (se dessa forma não for atingido o núcleo essencial do direito de defesa) e também que não tenha de haver necessariamente um triplo grau de jurisdição, isto é, um duplo grau de recurso. VII - E o TC tem vindo a afirmar que o núcleo essencial de garantias de defesa abrange o direito a ver o caso examinado em via de recurso, mas já não o direito a nova reapreciação de uma questão já reexaminada por uma instância superior (cf. Ac. n.º 565/2007, DR II Série, de 03-10-2008). VIII - Por outro lado, a intenção do(s) legislador(es) – quer com a Lei 59/98, de 25-08, quer com a Lei 48/2007, de 29-08 – foi (tem sido) a de reservar o recurso para o STJ para os casos ou situações mais graves, isto é, para os casos de relevante complexidade ou de elevado valor. IX - Assim, não incumbe ao STJ, por não se circunscrever no âmbito dos seus poderes de cognição, apreciar e julgar recurso interposto de decisão final de tribunal colectivo que condene em pena não superior a 5 anos de prisão (art. 432.º, n.º 1, al. c), do CPP na redacção introduzida pela Lei 48/2007, de 29-08). X - Já no âmbito do CPP na redacção anterior à reforma da 2007 não era admissível recurso (para o STJ) de acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, em processo por crime a que fosse aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções, ou em que o MP tivesse usado da faculdade prevista no art. 16.º, n.º 3. XI - Assim, num caso em que a Relação revogou a decisão do colectivo da 1.ª instância, que absolvera o arguido, e condenou este numa pena de prisão inferior a 5 anos, não é admissível recurso para o STJ.
Proc. n.º 17/07.4SFPRT.S1 -3.ª Secção
Fernando Fróis (relator)
Henriques Gaspar
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