ACSTJ de 27-05-2009
Recurso de revisão Sentença Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Inconciliabilidade de decisões Caso julgado Interpretação Violação de segredo
I -O fundamento de revisão de sentença previsto na al. g) do n.º 1 do art. 449.º do CPP foi introduzido no nosso ordenamento jurídico-penal pelas alterações processuais operadas em 2007, concretamente pela Lei 48/2007, de 29-08, fundamento que o legislador estendeu, também, ao processo civil (art. 771.º, al. f), do CPC, na redacção dada pelo art. 1.º do DL 303/2007, de 24-08). II - O legislador de 2007, na estrita literalidade da lei, foi bem mais longe do que a Recomendação R (2000) 2 [adoptada na reunião do Comité de Ministros do Conselho da Europa ocorrida em 19-01-2000] dirigida aos Estados membros, relativa ao reexame e reabertura de determinados processos ao nível interno na sequência de acórdãos do TEDH. III - Não só considerou admissível a revisão de sentença (condenatória) perante sentença proveniente de qualquer instância internacional, obviamente desde que vinculativa do Estado Português, como se limitou a exigir, como seu único pressuposto, a ocorrência de inconciliabilidade entre as duas decisões ou de graves dúvidas sobre a justiça da condenação. IV - Verdadeiramente, o legislador de 2007, ao permitir a revisão de sentença em termos tão latos, instituiu, indirectamente, um novo grau de recurso, quer em matéria criminal, quer em matéria civil, grau de recurso manifestamente inconstitucional, por notoriamente violador do caso julgado. Tenha-se em vista que a própria CEDH prevê como excepções ao caso julgado, em processo penal, a descoberta de factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior. V - Por isso, é mister proceder a uma interpretação restritiva da lei no que concerne ao fundamento de revisão recentemente criado, interpretação que deverá ser claramente assumida pela jurisprudência deste Supremo Tribunal designadamente nos casos em que se revele intoleravelmente postergado o princípio non bis in idem, obviamente na sua dimensão objectiva, ou outros direitos e princípios de matriz constitucional. VI - Tal interpretação restritiva deve orientar-se no sentido dos princípios consignados na referida Recomendação, concretamente do princípio segundo o qual a reabertura de processos só se revela indispensável perante sentenças em que o TEDH constate que a decisão interna que suscitou o recurso é, quanto ao mérito, contrária à Convenção, ou quando constate a ocorrência de uma violação da Convenção em virtude de erros ou falhas processuais de uma gravidade tal que suscite fortes dúvidas sobre a decisão e, simultaneamente, a parte lesada continue a sofrer consequências particularmente graves na sequência da decisão nacional, que não podem ser compensadas com a reparação razoável arbitrada pelo TEDH e que apenas podem ser alteradas com o reexame ou a reabertura do processo, isto é, mediante a restitutio in integrum. VII - É esta, aliás, a solução legislativa consagrada na lei processual penal francesa que permite, também, a revisão de sentença penal condenatória perante decisão proferida pelo TEDH. VIII - Trata-se de limitações razoáveis que visam a harmonização entre o princípio non bis in idem, na sua dimensão objectiva (exceptio judicati), princípio inerente ao Estado de Direito, e a necessidade de reposição da verdade e da justiça, designadamente quando estão em causa direitos fundamentais do cidadão, limitações impostas, também, pela necessidade de garantir, minimamente, a soberania nacional em matéria judicial. IX - Para além destas limitações, decorrentes da própria Recomendação, há que ter em consideração, ainda, a partir de uma interpretação histórica e teleológica, o desejo e a intenção do Comité de Ministros do CE que aprovou a Recomendação, desejo e intenção expressos na respectiva exposição de motivos, através da indicação das situações em que se justifica a revisão, quais sejam: a) pessoas condenadas a longas penas de prisão e que continuam presas quando o seu caso é examinado pelo TEDH; b) pessoas injustamente privadas dos seus direitos civis e políticos; c) pessoas expulsas com violação do seu direito ao respeito da sua vida familiar; d) crianças interditas injustamente de todo o contacto com os pais; e) condenações penais que violem os arts. 10.º ou 9.º, porque as declarações que as autoridades nacionais qualificam de criminais constituem o exercício legítimo da liberdade de expressão da parte lesada ou exercício legítimo da sua liberdade religiosa; f) nos casos em que a parte não teve tempo ou as facilidades para preparar a sua defesa nos processos penais; g) nos casos em que a condenação se baseia em declarações extorquidas sob tortura ou sobre meios que a parte lesada nunca teve a possibilidade de verificar; h) nos processos civis, nos casos em que as partes não foram tratadas com o respeito do princípio da igualdade de armas. X - No caso vertente estamos perante decisão do TEDH condenatória do Estado Português, na qual se considerou que a sentença condenatória proferida pelas instâncias nacionais contra o recorrente violou o art. 10.º da CEDH, por se haver entendido que a sua condenação não correspondia a uma necessidade social imperiosa, atenta a necessidade de tutela do segredo de justiça no caso concreto, constituindo uma ingerência desproporcionada no direito à liberdade de expressão, razão pela qual foi decidido condenar o Estado Português a pagar ao recorrente a quantia pedida de € 1750, a título de danos materiais, acrescida de € 7500, a título de reembolso de custas e outras despesas, e considerar que a confirmação da violação ocorrida por parte do TEDH constitui por si reparação equitativa suficiente pelos danos morais sofridos, nos termos do art. 41.º da CEDH. XI - Tendo o TEDH considerado violado o art. 10.º da CEDH há que conceder provimento ao recurso, autorizando a revisão de sentença. XII - Já a peticionada revogação da sentença terá de improceder, consabido que o ordenamento jurídico nacional permite, apenas, a revisão de sentença e não também recurso de revogação ou anulação.
Proc. n.º 55/01.0TBEPS-A.S1 -3.ª Secção
Oliveira Mendes (relator)
Maia Costa (tem declaração de voto)
Pereira Madeira
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