ACSTJ de 27-05-2009
Recurso penal Tribunal do júri Competência do Supremo Tribunal de Justiça Competência da Relação Vícios do art. 410.º do Código de Processo Penal Aplicação da lei processual penal no tempo Direito ao recurso
I -O quadro legal da dicotomia entre recurso de decisão final do tribunal colectivo e recurso de decisão final do tribunal do júri modificou-se substancialmente com a Reforma do CPP introduzida pela Lei 48/2007, vigente a partir de 15-09-2007. II - Face à mesma, o art. 432.º do CPP foi objecto de uma alteração substancial por forma a consagrar o recurso para o STJ de acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri, ou pelo tribunal colectivo, que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito. III - Desta nova redacção do normativo legal é possível extrair a ilação de que, para efeito de recurso, são equiparadas as decisões do tribunal de júri e do tribunal colectivo, e que tal equiparação se concretiza, por um lado, na admissibilidade de recurso para o STJ, circunscrita à decisão sobre a matéria de direito, e, por outro, na admissibilidade de recurso da decisão sobre a matéria de facto, mas dirigida ao Tribunal da Relação (cf. Ac. deste Supremo Tribunal de 17-10-2007, Proc. n.º 3233/07 -3.ª). IV - Assim, actualmente, o STJ, em recurso interposto de acórdãos finais do tribunal do júri, apenas tem competência para reexame exclusivo de matéria de direito, em condenações que apliquem pena superior a 5 anos de prisão. V - Há, pois, uma clarificação do regime do recurso de acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri, submetidos ao mesmo regime dos recursos interpostos de acórdãos finais do tribunal colectivo, sem prejuízo da regra geral do art. 434.º do CPP. VI - A interpretação deste art. 434.º do CPP, no tocante ao disposto no art. 410.º do CPP, e referente à competência do STJ para o conhecimento dos vícios constantes das alíneas do n.º 2 do art. 410.º do CPP, significa que o Supremo, como tribunal de revista, apenas conhece oficiosa e subsidiariamente de tais vícios, ou seja, constituindo tais vícios matéria de facto, não podem ser atendidos como fundamento de recurso para o STJ, que reexamina exclusivamente matéria de direito, sem prejuízo de funcionar como tribunal de revista alargada se entender procederem os aludidos vícios que se lhe deparem oficiosamente ao reexaminar a aplicação do direito aos factos objecto do processo, fixados na decisão recorrida. VII - Da hermenêutica do corpo do art. 5.º do CPP, o qual estabelece a regra tempus regit actum, decorre que a lei processual penal é de aplicação imediata, ou seja, é aplicada a todos os actos praticados a partir da sua entrada em vigor, salvaguardando-se, obviamente, os actos já processados, os quais são plenamente válidos. VIII - A lei (nova) não será imediatamente aplicável, porém (als. a) e b) do n.º 2), sempre que daí resulte sacrifício da posição processual do arguido, em particular do seu direito de defesa, bem como quando tal ocasione conflitualidade entre os diversos actos processuais. IX - A alteração da competência do STJ para a do Tribunal da Relação no que respeita à decisão proferida pelo tribunal colectivo, ou pelo tribunal do júri, não determina nem implica qualquer desarmonia processual ou incongruência sistémica. X - Com efeito, a coordenação da sequência de actos processuais não é minimamente afectada pela aplicabilidade da lei nova, vista a relativa autonomia da instância e da fase de recurso, E o facto de o recurso ter sido admitido com uma determinada conformação formal, dirigido ao, e admitido para, o STJ, não tem qualquer relevância para afirmação de desadequação na coerência do processo. XI - A aplicação da lei nova não tem qualquer consequência em termos de passado, ou em termos de futuro, em relação à harmonia e regularidade dos actos processuais que integram um processo penal. E também não afecta a posição processual, maxime no que respeita ao exercício do direito de defesa do arguido. Não está inscrito no catálogo dos direitos de defesa e no estatuto processual do arguido o direito ao recurso com determinada conformação e sobretudo para um tribunal de determinado grau na hierarquia. XII - Consagrado o direito ao recurso como integrante da garantia constitucional do direito de defesa (art. 32.º, n.º 1, da CRP), em um grau, cabe à margem de apreciação do legislador, segundo critérios de racionalidade de meios e organização, a escolha do tribunal de recurso que considere melhor adequado para a reapreciação de decisões em função da gravidade das consequências para os interessados, na harmonia do sistema e, naturalmente, com critérios de realização da igualdade. XIII - A aplicação imediata da lei processual nova com a transferência de competência para o Tribunal da Relação não coloca, assim, em causa o exercício do direito ao recurso na dimensão constitucional do exercício do direito de defesa – cf., neste sentido, Decisões Sumárias proferidas, respectivamente, em 06-12-2007, 03-10-2007, e 26-11-2007, nos Procs. n.ºs 4552/07 -3.ª, 3197/07 -5.ª, e 4459/07 -5.ª.
Proc. n.º 462/04.7GAPRD.S1 -3.ª Secção
Pires da Graça (relator)
Raul Borges
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