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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 27-05-2009
 Mandado de Detenção Europeu Princípio do reconhecimento mútuo Recusa facultativa de execução Cumprimento de pena Prestação de garantias pelo Estado requerente
I -Nos termos do disposto no art. 1.º da Lei 65/2003, de 23-08, o mandado de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado membro com vista à detenção e entrega por outro Estado membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade.
II - Trata-se de um instrumento destinado a reforçar a cooperação entre as autoridades judiciárias dos Estados membros, suprimindo o recurso à extradição, e é executado com base no princípio do reconhecimento mútuo, em conformidade com o estatuído na citada Lei 65/2003 e na Decisão Quadro 2002/584/JAI do Conselho Europeu, de 13-06-2002.
III - Aquele princípio impõe às autoridades de um Estado que aceitem reconhecer os mesmos efeitos às decisões estrangeiras que às decisões nacionais, apesar das diferenças que oponham as respectivas ordens jurídicas, e assenta na confiança recíproca entre os Estados membros, designadamente no que respeita à conformação das decisões judiciais com as normas vigentes nos respectivos sistemas legais.
IV - O art. 12.º, n.º 1, al. g), da Lei 65/2003, de 23-08 – referindo as causas de recusa facultativa de execução do MDE –, estatui que «A execução do mandado de detenção pode ser recusada quando a pessoa procurada se encontrar em território nacional … ou residir em Portugal, desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena … e o Estado Português se comprometa a executar aquela pena … de acordo com a lei portuguesa».
V - Deixa-se, portanto, a decisão ao critério do Estado da execução, que – através do respectivo tribunal – satisfará as suas vinculações europeias executando a pena (aplicada a um seu nacional ou a pessoas que tenham residência nesse Estado) em lugar de dar execução ao mandado entregando a pessoa procurada ao Estado de emissão.
VI - Por outro lado, como se refere nos Acs. deste Supremo Tribunal de 17-03-2005 e de 22-062006 (Procs. n.ºs 1135/05 e 2326/06, ambos da 5.ª Secção), a recusa facultativa « … não pode ser concebida como um acto gratuito ou arbitrário do tribunal. Há-de, decerto, assentar em argumentos e elementos de facto adicionais aportados ao processo,susceptíveis de adequada ponderação, nomeadamente invocados pelo interessado, que, devidamente equacionados, levem o tribunal a dar justificada prevalência ao processo nacional sobre o do Estado requerente».
VII - Numa situação, como a presente, em que: -o MDE foi emitido pelas autoridades romenas para que o requerente cumpra uma pena de 3 anos e 6 meses de prisão; -o requerente se encontra em território nacional e reside em Portugal com uma companheira desde há menos de um ano, tendo contrato a termo certo com início em 0102-2009 e termo em 01-08-2009, pelo que a sua ligação ao nosso país é precária; -a sua conexão familiar com Portugal é igualmente precária, pois que, aqui, o requerente apenas tem a companheira, de nacionalidade romena e, também ela, com ligação recente ao nosso país; -os factos que determinaram a condenação do requerente (furto em supermercado de Bucareste) não têm qualquer relação com Portugal que permita encontrar razões de política criminal ou relativas às finalidades das penas que justifiquem o cumprimento da pena neste país; não se verifica a existência de qualquer motivo que justifique a recusa facultativa da execução do mandado ou o cumprimento da pena em Portugal.
VIII - E, neste processo, não é questionável o mérito da decisão proferida pelo Estado de emissão, pois não se pode confundir a execução de um MDE com o julgamento de mérito da questão de facto e de direito que lhe está subjacente, que se realiza perante a jurisdição e sob a responsabilidade do Estado emissor.
IX - O art. 13.º, al. a), da Lei 65/2003, de 23-08, estatui que a execução do MDE só terá lugar se o Estado membro prestar uma das seguintes garantias: quando o MDE tiver sido emitido para efeitos de cumprimento de uma pena imposta por uma decisão proferida na ausência do arguido e se a pessoa em causa não tiver sido notificada pessoalmente ou de outro modo informada da data e local da audiência que determinou a decisão proferida na sua ausência, só será proferida decisão de entrega se a autoridade judiciária de emissão fornecer garantias consideradas suficientes de que é assegurada à pessoa procurada a possibilidade de interpor recurso ou de requerer novo julgamento no Estado membro de emissão e de estar presente no julgamento.
X - Tendo em conta que, no caso, embora o julgamento e a decisão respectiva tenham tido lugar na ausência do ora requerente, o Estado romeno garante a possibilidade de a pessoa procurada requerer novo julgamento e de interpor recurso, tanto basta para se concluir que não se verifica a causa facultativa de recusa de cumprimento do MDE prevista no art. 13.º, al. a), da Lei 65/2003, de 23-08.
Proc. n.º 1043/09.4YRLSB.S1 -3.ª Secção Fernando Fróis (relator) Henriques Gaspar