ACSTJ de 14-05-2009
Tráfico de estupefacientes Tráfico de menor gravidade Medida da pena Medida concreta da pena
I -O privilegiamento do crime de tráfico de menor gravidade dá-se, não em função da considerável diminuição da culpa, mas em homenagem à considerável diminuição da ilicitude da conduta, que se pode espelhar, designadamente: (i) – nos meios utilizados; (ii) – na modalidade ou nas circunstâncias da acção; (iii) – na qualidade ou na quantidade das plantas, substâncias ou preparações. II - Não ocorre essa considerável diminuição da ilicitude da conduta, quanto à qualidade das substâncias, que se tratava de cocaína (substância entendida como “droga dura” e que não constitui seguramente um índice com efeito diminuidor da ilicitude); quanto às quantidades das substâncias em causa, que envolviam um esquema de venda com telemóveis para facilitar as transacções e dificultar a detecção pela polícia, com a parafernália comum ao “corte” de droga (balança de precisão e moinho eléctrico) na posse do recorrente, tendo sido apreendida ao recorrente no dia da intervenção policial cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 133,708 g, destinada a tal venda, e € 615 provenientes da venda de cocaína; quanto ao período de tempo em que se desenrolou a actividade em causa (desde data não apurada, mas pelo menos compreendida entre 21-12-2007 e 21-03-2008), de compra e venda de cocaína, fazendo dela a sua forma de vida, da qual retirava vantagens económicas e sendo com tais proventos que vivia, o que tudo traça uma imagem global de uma ilicitude própria do tipo de tráfico simples do art. 21.º e já não a de tráfico de menor gravidade, do art. 25.º do DL 15/93, de 22-01. III - Entende-se hoje que a determinação das consequências do facto punível, ou seja, a escolha e a medida da pena, é realizada pelo juiz conforme a sua natureza, gravidade e forma de execução daquele, escolhendo uma das várias possibilidades legalmente previstas, num processo que se traduz numa autêntica aplicação do direito (arts. 70.º a 82.º do CP): aliás, esse procedimento foi regulado pelo CPP, de algum modo autonomizando-o da determinação da culpabilidade (cf. arts. 369.º a 371.º), e também o n.º 3 do art. 71.º do CP dispõe que «na sentença devem ser expressamente referidos os fundamentos da medida da pena», alargando a sindicabilidade, tornando possível o controlo dos tribunais superiores sobre a decisão de determinação da medida da pena. IV - Mas a controlabilidade da determinação da pena sofre limites no recurso de revista, cabendo então apreciar a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação. E o mesmo entendimento deve ser estendido à valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade, bem como a questão do limite ou da moldura da culpa, que estaria plenamente sujeita a revista, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção. V - Já tem considerado, por outro lado, este STJ e a doutrina que a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, não caberia no controlo proporcionado pelo recurso de revista, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada. VI - No âmbito da moldura abstracta correspondente ao crime em causa (4 a 12 anos de prisão), atendendo: -ao grau de ilicitude do facto (pelo menos entre 21-12-2007 e 21-03-2008 dedicou-se à actividade de compra e venda de cocaína, com o intuito de obter lucros, foi detectado em 21-03-2008 com 102,004 g líquidos de cocaína (cloridrato) e detinha na sua casa 31,704 g líquidos de cocaína (cloridrato) e a quantia de € 615 proveniente da venda de cocaína; na sua residência detinha uma balança de precisão e um moinho eléctrico que apresentavam, ambos, resíduos de cocaína; utilizava telefones móveis para a concretização da actividade de compra e venda de produtos estupefacientes, combinando locais de encontro para onde se deslocava a fim de concretizar as vendas; vendia a revendedores); -a intensidade do dolo ou negligência (o dolo foi directo e reiterado); -os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (o arguido dedicou-se de modo regular, durante o período de tempo mencionado, à actividade de compra e venda de cocaína, fazendo dela a sua forma de vida, da qual retirava vantagens económicas e sendo com tais proventos que vivia; quis comprar e deter o mencionado produto estupefaciente, cujas características conhecia, com o objectivo de proceder à sua venda a terceiros, como efectivamente o vinha fazendo; apresenta juízo crítico, mas revela dificuldade na avaliação de alternativas para resolução dos problemas); -as condições pessoais do agente e a sua situação económica (vive em Portugal desde 2005, começando a viver em casa do irmão e passando depois a viver com uma companheira, com quem tem uma filha com 1 ano; durante o ano de 2007 viu-se confrontado com uma situação económica precária devido ao facto de não dispor de trabalho; nesta data trabalha como pedreiro numa empresa de construção civil e aufere mensalmente cerca de € 600; apresenta uma rotina marcada pelo trabalho); -a conduta anterior ao facto e posterior a este (não tem antecedentes criminais); afigura-se adequada a pena de 4 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes.
Proc. n.º 34/07.4PESXL.L1.S1 -5.ª Secção
Simas Santos (relator) **
Santos Carvalho
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