Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 18-06-2009
 Medida concreta da pena Culpa Prevenção geral Prevenção especial Violência depois da subtracção Evasão Cúmulo jurídico Pena única
I -«A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento de pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas – sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização. A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é, por outras palavras, a de estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar» – cf. Figueiredo Dias, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, pág. 109 e ss..
II - O critério e as circunstâncias do art. 71.º do CP são contributo quer para a determinação da medida concreta proporcionalmente compatível com a prevenção geral (que depende da natureza e do grau de ilicitude do facto face ao maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), quer para identificar as exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), fornecendo ainda indicações exógenas objectivas para a apreciação e definição da culpa do agente.
III - As exigências de prevenção geral são determinantes de primeira referência na fixação da medida da pena, face à necessidade de reafirmação da validade das normas, defendendo o ordenamento jurídico e assegurando segurança à comunidade, para que esta sinta confiança e protecção pela norma, apesar de violada.
IV - Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com as exigências de prevenção especial, quer no sentido de evitar a reincidência, quer na socialização do agente com vista a respeitar os valores comunitários fundamentais tutelados pelos bens jurídico-criminais.
V - Estando em causa a prática, em concurso real, de um crime de violência depois da subtracção, p. e p. pelo art. 211.º, com referência aos arts. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), e 204.º, n.º 2, al. e), todos do CP, e de um crime de evasão, p. e p. pelo art. 352.º, n.º 1, do mesmo Código, e tendo em consideração: -o grau de ilicitude do facto – bastante elevado em ambos os crimes, atenta a violação do domicílio alheio e as características da acção agressora a um dos seus habitantes quanto ao crime de violência depois da subtracção e o ostensivo desprezo por decisão judicial proferida e comunicada em tribunal directamente pelo juiz, quanto ao crime de evasão; -o modo de execução – através de uma janela do 1.º andar, o arguido introduziu-se na vivenda, agarrou num bibelot de madeira e com ele agrediu, na cabeça, ER, bem como lhe desferiu diversos socos na face, que também lhe atingiram o olho esquerdo, e ainda uma dentada na mão direita; quanto ao crime de evasão, o arguido encetou fuga, a correr, pelas instalações do edifício do tribunal, escapando para a via pública através da janela de um gabinete adstrito a um magistrado do MP, e correndo em direcção à estação dos comboios da P…, em cujas imediações veio a ser interceptado por elementos da PSP; -a gravidade das consequências – das agressões sofridas resultaram para o ER escoriações na face, cicatriz ao nível da face dorsal do segundo dedo da mão direita, humor depressivo (choro fácil), cefaleias, sindroma fóbico face à permanência no lar, reverberação do facto, o que consubstancia síndroma de stress pós-traumático, lesões que também lhe determinaram doença por um período de 30 dias, com igual tempo de afectação da capacidade de trabalho; -o grau de violação dos deveres impostos ao arguido – intenso, tendo em conta, por um lado, o desprezo por um direito fundamental de consagração constitucional (a inviolabilidade do domicílio, prevista no art. 34.º da CRP), ao entrar ilicitamente e de forma furtiva em casa alheia habitada na altura pelos seus moradores; e, por outro, o desrespeito pelo ordenamento jurídico ao não acatar decisão de autoridade judiciária que directamente lhe foi comunicada e que poderia impugnar no modo legalmente permitido; -a intensidade do dolo – específico em ambas as ilicitudes, pois que agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as condutas que praticou eram proibidas e penalmente puníveis (sabia que o monitor de que se quis apoderar não lhe pertencia e que actuava contra a vontade dos respectivos donos; contava também que estes estivessem no imóvel e, quando foi surpreendido, quis agredir o ER; e fugiu do tribunal sabendo que estava detido e que iria ser conduzido a estabelecimento prisional); -os sentimentos manifestados no cometimento dos crimes e os fins ou motivos determinantes – ao agredir visava, designadamente, manter consigo o monitor, eliminar a previsível oposição do dono da casa e encetar a fuga para a rua; fugiu do tribunal com o objectivo de se eximir à detenção; -as condições pessoais do arguido e a sua situação económica – à data da sua detenção e desde há pelo menos cerca de 4 meses o arguido não exercia qualquer actividade profissional; tinha 24 anos na data dos factos, vivia com uma companheira e 2 filhos de ambos, com as idades de 1 e 4 anos, numa casa pertencente aos pais da companheira, trabalhando esta como empregada doméstica; -a conduta anterior ao facto e a posterior a este – pela prática de um crime de roubo, em 03-09-2002, por acórdão de 29-05-2003 foi condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; pela prática de 3 crimes de sequestro e de um crime de detenção ilegal de arma de defesa, em 04-10-2005, por acórdão de 03-11-2006 foi condenado na pena única de 2 anos de prisão, cujo cumprimento teve o seu termo em 04-10-2007; -a falta de preparação para manter conduta lícita, manifestada no facto – o arguido, apesar de ter estado preso, continuou a desrespeitar os bens jurídico-criminais, persistindo na senda do crime; as penas aplicadas, de 6 anos e 1 ano de prisão, respectivamente, pela prática dos referidos ilícitos, não se revelam excessivas, injustas ou desproporcionais, sendo, pois, de manter.
VI - E, valorando o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto os factos concretizados na natureza e intensa gravidade dos crimes e a personalidade neles manifestada e por eles projectada, donde resulta que a prática dos factos ilícitos advém de tendência criminosa do arguido, que persistiu em não manter conduta lícita, e atento o efeito previsível da pena no seu comportamento futuro, conclui-se que a pena única de 6 anos e 6 meses de prisão, resultante do cúmulo, não se revela excessiva, sendo adequada e, por isso, de confirmar.
Proc. n.º 1246/08.9PASNT.L1.S1 -3.ª Secção Pires da Graça (relator) Raul Borges