ACSTJ de 18-06-2009
Responsabilidade civil emergente de crime Princípio da adesão Indemnização Danos não patrimoniais Equidade Direito à vida
I -Nos casos em que uma situação de incapacidade parcial permanente tem reflexos na capacidade aquisitiva do lesado, em que resulta prejudicada a sua produtividade, em que ocorre uma perda ou diminuição de capacidade laboral e consequente ganho do lesado, com perda de rendimentos do trabalho, está em causa a indemnização por dano patrimonial, pressupondo-se que o lesado esteja no activo, e daí que se tenha em conta o limite da vida activa e a perda anual do rendimento que se procura reparar através do recurso a tabelas financeiras ou outros instrumentos de cálculo. II - Pretende-se em tais situações encontrar o capital que permita realizar a pensão anual correspondente à perda de vencimento sofrida pelo lesado, a atribuição de uma quantia que produza, no período que houver de ser considerado, o rendimento correspondente à perda económica que aquele sofreu, mas de tal modo que, no fim desse período, essa quantia se ache esgotada. III - Se, à data do acidente, a lesada tinha 75 anos de idade e se encontrava reformada, da incapacidade permanente parcial por ela contraída não resultaram consequências sobre os seus proventos profissionais. IV - Mas os danos futuros não se restringem aos correspondentes à perda da capacidade aquisitiva de ganho, ou seja, ao plano da actividade estritamente profissional e à frustração de ganhos por afectação da capacidade para o trabalho. V - Da incapacidade permanente podem resultar duas formas de afectação funcional: por um lado, a susceptibilidade de diminuição definitiva ou temporária da potencialidade de ganho, por via da perda ou diminuição da remuneração ou, ainda neste aspecto, por implicar para o lesado um grau de esforço acrescido para manter os mesmos níveis de ganho; e uma outra vertente, não relacionada directamente com proventos profissionais, mas antes com dificuldades acrescidas para o exercício das várias tarefas e actividades gerais do dia-a-dia, fora do contexto profissional e da perda de rendimento de trabalho, relevando aqui a incapacidade funcional do corpo humano ou de um seu órgão como dano corporal em si, despido da sua ligação à vertente patrimonial. VI - O dano não patrimonial não se reconduz a uma única figura, tendo vários componentes assumindo variados modos de expressão, abrangendo o chamado quantum (pretium) doloris, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária; o “dano estético”, que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima; o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica); o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”, em que avultam o dano da dor e o défice de bem-estar e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima; o pretium juventutis, que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida – cf. Acs. do STJ de 06-07-2000, Revista n.º 1861/00, CJSTJ, 2000, tomo 2, pág. 144, e de 19-10-2004, Revista n.º 2897/04 -6.ª. VII - O rebate da incapacidade permanente parcial de que ficou a padecer a recorrente na sua pessoa, afectando-lhe direitos de personalidade, como a sua saúde geral, na sequência das lesões emergentes do acidente, não sendo de configurar como dano futuro na perspectiva patrimonial, é de ter em consideração como uma das expressões de dano não patrimonial. VIII - É consensual a ideia de que só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral, medindo-se a gravidade do dano por um padrão objectivo, embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, mas afastando-se os factores subjectivos, susceptíveis de sensibilidade exacerbada, particularmente embotada ou especialmente fria, aguçada, requintada, e apreciando-se a gravidade em função da tutela do direito; o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado – Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 7.ª ed., vol. I, pág. 600, Vaz Serra, RLJ, ano 109.º, pág. 115, e Dário Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, Almedina, 1980, pág. 268. IX - Estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais com apelo a um julgamento segundo a equidade, em que os critérios que «os tribunais devem seguir não são fixos» (Antunes Varela/Henrique Mesquita, Código Civil Anotado, 1.º vol., anotação ao art. 494.º), «devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”, só se justificando uma intervenção correctiva se a indemnização se mostrar exagerada por desconforme a esses elementos». X - Por outro lado, há que ter em conta, como é entendimento praticamente unânime, que a indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de “compensação”, não se compadecendo com atribuição de valores meramente simbólicos, nem com miserabilismos indemnizatórios. XI - Ponderando: -todo o conjunto das dores sofridas pela recorrente, a sobrevinda embolia pulmonar, a necessidade de tomar medicamentos até ao fim da vida, tendo durante meses tido a necessidade de uma pessoa a ajudar a locomover-se, passando a fazer a lide doméstica com limitações, não podendo estar de pé muito tempo, tendo padecido das várias incapacidades ao longo de seis meses, quer geral temporária absoluta e parcial, quer temporária, absoluta e parcial para a actividade habitual, e sendo portadora de sequelas anátomo-funcionais que conferem uma incapacidade geral parcial permanente de 5%, sendo que tais sequelas com o aumentar da idade – a recorrente actualmente conta 84 anos – terão tendência para se agravar e afectar a recorrente de forma mais sensível, havendo que ter em conta angústias futuras; -a incapacidade parcial permanente, não tendo no futuro reflexos económicos, demanda compensação pela situação de debilidade física resultante do acidente, do qual resultaram para a recorrente as sequelas descritas nos factos provados, tratando-se de quadro duradouro, que perdura, que se projecta no futuro da vida da lesada; -o acidente ocorreu há mais de 8 anos; mostra-se equitativo fixar a reparação pelos danos não patrimoniais sofridos pela demandante em € 20 000.
Proc. n.º 1632/01.5SILSB.S1 -3.ª Secção
Raul Borges (relator)
Fernando Fróis
|