Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 18-06-2009
 Despacho que designa dia para a audiência Alteração da qualificação jurídica Pena acessória Comunicação ao arguido Princípio do contraditório Decisão contra jurisprudência fixada
I-A vexata quaestio da alteração do enquadramento jurídico da conduta imputada ao arguido em figura criminal mais grave e da consequente necessidade ou não de lhe dar conhecimento de tal modificação culminou, em termos jurisprudenciais, com a prolação do “Assento” n.º 3/2000, de 15-12-1999 (Proc. n.º 43073, DR I-A, n.º 35, de 11-02-2000), que reformulou o “Assento” n.º 2/93, de 27-01-92, fixando a seguinte doutrina: «Na vigência do regime dos Códigos de Processo Penal de 1987 e de 1995, o tribunal, ao enquadrar juridicamente os factos constantes da acusação ou da pronúncia, quando esta existisse, podia proceder a uma alteração do respectivo enquadramento, ainda que em figura criminal mais grave, desde que previamente desse conhecimento e, se requerido, prazo ao arguido da possibilidade de tal ocorrência, para o que o mesmo pudesse organizar a respectiva defesa».
II - É nesta linha que se situa a alteração introduzida ao processo penal pela Lei 48/2007, de 29-08, estabelecendo o n.º 3 do art. 424.º do CPP que «Sempre que se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na decisão recorrida ou da respectiva qualificação jurídica não conhecida do arguido, este é notificado para, querendo, se pronunciar no prazo de 10 dias».
III - Este normativo tem aplicação no caso de o tribunal verificar, por iniciativa própria, que, face aos factos provados, o enquadramento jurídico-criminal se deve fazer por modo diverso, integrando a conduta em outro preceito incriminador e face a essa alteração, não prevista, desconhecida do arguido, a fim de se evitar uma decisão surpresa – a exemplo do que ocorre no processo civil com o art. 3.º do CPC, mas aqui com raízes e razões mais ponderosas e visando a salvaguarda de interesses mais profundos e de garantias de defesa constitucionalmente acauteladas –, haverá a necessidade de dar a conhecer a possível alteração de qualificação.
IV - Da necessidade de conciliar a possibilidade de procurar o correcto enquadramento jurídico-criminal dos factos com o respeito pelas garantias de defesa emerge um dever de prevenção, de comunicação ao arguido da possível nova qualificação, de modo a propiciar o exercício do contraditório.
V - Mas, como esclarece Paulo Pinto de Albuquerque (em anotação ao art. 424.º, n.º 3, do CPP, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, pág. 1164), o dever adicional de notificação é limitado aos casos de alteração “não conhecida do arguido”, tendo a limitação o propósito de subtrair do âmbito do dever de notificação no tribunal de recurso as situações em que a alteração já é conhecida do arguido.
VI - Assim, se, no despacho que marcou dia para julgamento, for corrigida deficiência de que enfermava a acusação e, consequentemente, alterada a qualificação dos factos – possibilidade de ao arguido ser também aplicada determinada pena acessória –, notificando-se o arguido e o seu mandatário desse despacho, e concedendo-se, por isso, a possibilidade de aquele, em 20 dias, contestar não só a acusação mas ainda a referência ao acréscimo de punição, mostra-se cumprido o dever de comunicação, não ocorrendo qualquer violação da doutrina consagrada no acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/2008.
Proc. n.º 106/09.0YFLSB -3.ª Secção Raul Borges (relator) Fernando Fróis Pereira Madeira