Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 25-06-2009
 Erro notório na apreciação da prova Livre apreciação da prova Vícios do art. 410.º do Código de Processo Penal Acto sexual de relevo Absolvição
I -Conforme tem sido decidido, de forma pacífica, por este Tribunal, os vícios previstos no n.º 2 do art. 410.º do CPP devem resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência, e têm de ser de tal modo evidentes que uma pessoa de mediana compreensão os possa descortinar.
II - O vício a que se refere a al. c) do n.º 2 do art. 410.°, do CPP, constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável e incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio.
III - O vício tem de resultar, como se referiu, do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, isto é, sem a utilização de elementos externos à decisão, salvo se os factos forem contraditados por documento que faça prova plena, não sendo, por isso, admissível recorrer a declarações ou a quaisquer outros elementos que eventualmente constem do processo ou até da audiência.
IV - O erro notório implica um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidente a partir da simples leitura da decisão, sem necessidade de qualquer esforço mental; as provas revelam claramente um sentido decisório e a decisão recorrida firmou uma conclusão à margem da lógica, concluindo matéria de facto essencial ou afastando-a, de modo absolutamente inaceitável – Ac. do STJ de 12-01-05, Proc. n.º 3281/04 -3.ª.
V - Os vícios do art. 410.°, n.º 2, do CPP, nomeadamente o erro notório na apreciação da prova não podem, por outro lado, ser confundidos com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida ou com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, questões essas que se prefiguram e pertencem ao âmbito da livre apreciação da prova inscrito no art. 127.° do CPP.
VI - Neste aspecto, o que releva, necessariamente, é essa convicção formada pelo tribunal, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função de controlo ínsita na identificação dos vícios do art. 410.°, n.º 2, do CPP, a convicção pessoalmente alcançada pelo recorrente sobre os factos.
VII - Acto sexual de relevo será aquele que, objectivamente relacionado com a sexualidade, assuma gravidade, intensidade objectiva, e concretize intuitos e desígnios sexuais visivelmente atentatórios da autodeterminação sexual, sendo perante o caso concreto que esse relevo terá de recortar-se, como se afirma no Ac. do STJ de 25-09-08.
VIII - Assim, a relevância do acto sexual não pode abstrair das realidades sociais, das concepções sociais reinantes, da própria evolução dos costumes, só autorizando a concluir que o é quando ofenda o normal sentimento de pudor da vítima, se e na medida em que é sustentada naquelas envolventes e tem que comportar um peso de censura, extraído do sentimento comunitariamente reinante, por ser havido como grave e relevante; se a censura for epidérmica e não bulir com sentimentos de feição dominante não atingirá patamar de reprovação penal, possa embora atingir outros de menor dignidade, designadamente o da desadequação social, com a inerente reprovação de parte da comunidade.
IX - Afastada, em sede factual, a intenção libidinosa, e não se tendo logrado concretizar o tipo de beijos trocados entre arguido e ofendida e as zonas acariciadas, apesar de sobre tal matéria ter sido produzida prova em audiência de julgamento, impossível se mostra concluir, com alguma segurança, pela conotação sexual desses actos, nem sendo sequer de colocar a questão de os mesmos terem relevo tal, que justifique a intervenção do direito penal, não podendo deixar de se concluir pela absolvição do arguido.
Proc. n.º 4262/06 -3.ª Secção Soreto de Barros (relator) Armindo Monteiro 5.ª Secção