ACSTJ de 03-06-2009
Difamação Injúria Bem jurídico protegido Crimes de perigo Abuso de liberdade de imprensa Liberdade de expressão Direito de crítica
I -O crime de difamação, tendo como objecto o mesmo bem jurídico do crime de injúria – a honra e consideração –, distingue-se desta por a imputação de factos ou utilização de expressões ser feita por intermediação de um terceiro, com quem o agente comunica porqualquer forma verbal ou escrita, imputando ao ofendido ausente factos ou formulando juízos ofensivos da sua honra e consideração, ao passo que, na injúria, a imputação ou juízo ofensivos da honra são dirigidos directamente ao titular desse bem jurídico (arts. 180.º, n.º 1, e 181.º, n.º 1, do CP). II - Não é necessário que tais expressões atinjam efectivamente a honra e consideração da pessoa visada, produzindo um dano de resultado, bastando a susceptibilidade dessas expressões para ofender. É que o crime em causa é um crime de perigo, bastando a idoneidade da ofensa para produzir o dano. III - Se as expressões utilizadas pelo demandado no seu escrito constituem um ataque directo à pessoa do demandante, nada têm a ver com uma crítica da sua actuação, pois esta, por muito contundente que seja, exige sempre uma relação com o objecto criticado, e uma relação lógica, racionalmente fundada, o que não exclui a ironia, o humor, mesmo corrosivo, e o tom sarcástico. IV - Criticar é tomar o objecto da crítica e julgá-lo, pois a crítica tem uma vertente judicativa. Não se exigindo que a actividade judicatória seja necessariamente sisuda e circunspecta, sendo compatível com uma multiplicidade de registos, desde o sério ao cómico, o que é certo é que ela tem de manter uma relação lógica com o objecto criticado e não descambar para o ataque pessoal, sobretudo quando tal ataque entre no domínio da ofensa à honra e consideração das pessoas. Se é verdade que o exercício da liberdade de expressão e de comunicação exigem, muitas vezes, um recuo da tutela da honra, esse recuo há-de ser justificado como meio necessário, adequado e proporcional para o exercício eficaz daquele direito. V - O mesmo se diga em relação ao direito de emitir opinião num artigo opinativo. Sendo a opinião de tónica subjectiva, a verdade é que ela tem de partir de um substrato objectivo e manter com ele uma ligação lógica. Podendo expender-se uma opinião, tanto sobre um facto, um acontecimento, como sobre uma pessoa, esta última é sempre mais difícil de aceitar, sobretudo quando se traduz numa opinião desfavorável, porque aí é mais fácil o resvalamento para o domínio do ilícito. VI - Uma tradição longamente firmada no seio das democracias admite com largueza a crítica e a opinião em certos domínios sociais e sobretudo políticos, aqui envolvendo mesmo os protagonistas. Todavia, a crítica e a opinião não podem ter como único sustentáculo, mesmo aí, o ataque pessoal, sobretudo quando esse ataque é imotivado, cego, ditado pela paixão ideológica ou por um espírito de vindicta ou de ajuste de contas.
Proc. n.º 617/09 -5.ª Secção
Rodrigues da Costa (relator)
Arménio Sottomayor
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