ACSTJ de 18-06-2009
Recurso para fixação de jurisprudência Questão prévia Processo abreviado Aplicação da lei processual penal no tempo Interesse em agir Inutilidade superveniente da lide
I -Tendo a conferência decidido que havia oposição de julgados entre dois acórdãos da Relação de Lisboa sobre a questão de saber se, nos termos do n.º 1 do art. 391.º-D, do CPP, na vigência da versão introduzida pela Lei 59/98, de 25-08, é recorrível o despacho do juiz que, em processo abreviado, conhece das questões a que se refere o art. 311.°, n.º 1, do CPP, designadamente quando esse despacho declara nula a acusação, por força do disposto no art. 119.°, als. d) e f), do CPP, põe-se agora ao Pleno das Secções Criminais do STJ o problema de saber se, neste momento, apesar dessa evidente oposição, a fixação de jurisprudência tem algum interesse prático, quer para o caso ponderado no acórdão recorrido, quer para processos pendentes, quer para futuras situações similares que venham a ocorrer, ou se o interesse em jogo já só é meramente académico e, portanto, estranho aos objectivos da actividade judicial. II - O art. 391.º-D do CPP foi alterado pela nova redacção do CPP conferida através da Lei 48/2007, de 29-08, que entrou em vigor no dia 15-09-2007. Tem hoje um único número e diz respeito ao prazo de marcação da audiência em processo especial abreviado que “tem início no prazo de 90 dias a contar da dedução da acusação”. III - Por outro lado, o regime dos recursos em processo especial abreviado também já é outro – ou, pelo menos, apresenta uma outra formulação – pois o art. 391.º-F veio determinar que “é correspondentemente aplicável ao processo abreviado o disposto no artigo 391.º” e este último, inserido nas normas que respeitam ao processo sumário, indica que “só é admissível recurso da sentença ou de despacho que puser termo ao processo”. Quer isso dizer que, face à lei ora vigente, é perfeitamente claro que não é recorrível o despacho que, em processo abreviado, ao conhecer das questões a que se refere o art. 311.º, n.º 1, declara nula a acusação, pois não se trata de despacho que ponha termo ao processo. IV - A norma a interpretar pelo Pleno não se aplica aos processos iniciados após a entrada em vigor do novo regime processual. E, conforme decorre do citado art. 5.º do CPP, só se aplicará aos processos pendentes à data da entrada em vigor do novo regime, caso este viesse a provocar um agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa, ou quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo. V - Ora, a nova lei, ao inviabilizar o recurso do despacho preliminar do juiz que, em processo especial abreviado, anula a acusação e devolve os autos ao MP, não só favorece a defesa do arguido, que, assim, vê o seu caso prosseguir em processo comum, onde terá outros meios de defesa que não os do processo abreviado (v. g. a possibilidade de requerer instrução), como não quebra a harmonia e unidade dos vários actos de processo, pois fá-lo prosseguir sem a intervenção (anómala) de outra instância. VI - Quer isto dizer que a todos os processos abreviados que estavam pendentes em 15-09-2007, data da entrada em vigor do novo regime processual, deve ser aplicado o disposto nos arts. 391.º-F e 391.º do CPP, na versão de Lei 48/2007, de 29-08, pois é uma decorrência da aplicação imediata da nova lei processual, não diminui as garantias de defesa e mantém a harmonia do processo. VII - Dir-se-á que poderia vir a ser aplicada, ao menos no processo onde foi lavrado o acórdão recorrido, caso o Pleno das Secções Criminais viesse a alterar a decisão recorrida como consequência da jurisprudência fixada [pois se a confirmasse, não haveria nova aplicação da mesma lei]. VIII - Mas, para essa hipótese – a da revogação da decisão recorrida – o processo teria de baixar à Relação de Lisboa para aí se lavrar decisão de acordo com a jurisprudência fixada. Na Relação, contudo, ter-se-ia de ponderar, como questão prévia, se ao caso seria de aplicar a lei «antiga» ou a lei «nova», dada a mudança operada na lei e, nessa ponderação, não poderia deixar de se aplicar a lei hoje vigente, pelas razões já referidas, pelo que a legislação interpretada pelo STJ não viria a ser efectivamente aplicada. IX - Acresce que para a hipótese, altamente improvável, de ainda estar pendente de decisão final algum processo especial abreviado iniciado antes de 15-09-2007, não faria qualquer sentido estar agora, mais de ano e meio depois, a marcar julgamento nessa forma processual, pois estaria vedada agora a marcação de julgamento nessa forma processual, já que estaria entretanto esgotado o prazo máximo de 90 dias entre a acusação e a audiência, determinado no actual art. 391.º-D do CPP. X - De tudo o exposto, resulta que a requerida fixação de jurisprudência não tem já qualquer utilidade prática e deve, portanto, declarar-se a falta de interesse em agir por parte do recorrente e a inutilidade da lide.
Proc. n.º 235/09 -5.ª Secção
Santos Carvalho (relator) *
Henriques Gaspar
Rodrigues da Costa
Armindo Monteiro
Arménio Sottomayor
Santos Cabral
Oliveira Mendes
Souto Moura
Maia Costa
Pires da Graça
Raul Borges
S
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