Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 25-06-2009
 Roubo agravado Morte Admissibilidade de recurso Acórdão da Relação Dupla conforme Competência do Supremo Tribunal de Justiça Medida da pena Medida concreta da pena Princípio da proibição da dupla valoração Fins das penas Culpa Prevenção geral
I -Tem entendido o STJ, pelo menos maioritariamente, em jurisprudência firmada desde longa data, que para efeitos de verificação da chamada dupla conforme, é confirmativo o acórdão da Relação que corrobora a condenação da 1.ª instância, embora alterando a pena aplicada por redução do seu quantum. Isso acontece em situações em que a qualificação jurídica dos factos se mantém, mas a pena, por aplicação dos respectivos critérios de determinação concreta, é menor. Chama-se a essa operação 'confirmação in mellius'. Em consequência dessa confirmação, se a pena aplicável ao respectivo crime não fosse superior a 8 anos de prisão (redacção anterior da al. f) do n.º 1 do art. 400.° do CPP) ou a pena aplicada não exceder 8 anos de prisão (redacção actual, proveniente das alterações introduzidas pela Lei 48/2007, de 29-08), não era, naquela redacção, e não é, na redacção vigente, admissível recurso para o STJ.
II - Não existe confirmação da decisão ou dupla conforme se, na 1.ª instância, o recorrente foi condenado por um crime de roubo agravado de que resultou a morte da vítima (art. 210.°, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao art. 204.°, n.ºs 2, al. a), e 3, do CP) e, na Relação, foi condenado por um crime de roubo agravado, mas sem a especial agravante da morte da vítima, ou seja, sem ocorrência da situação prevista no n.º 3 do art. 210.° do CP. Uma alteração de tomo, implicando a substancial redução da moldura penal aplicável: para o primeiro caso, 8 a 16 anos de prisão e, para o segundo, 3 a 15 anos de prisão. Só isso explica a tão grande disparidade das penas aplicadas ao recorrente na 1.ª instância e na Relação. Com efeito, a Relação passou de 13 anos e 6 meses de prisão para a pena de 6 anos e 6 meses de prisão, que foi a pena aplicada ao recorrente na 2.ª instância.
III - No caso sub judice, sendo embora a pena aplicada inferior a 8 anos de prisão – 6 anos e 6 meses – e tendo-se confirmado a condenação, a verdade é que não se pode falar de confirmação da decisão da 1.ª instância. Na verdade, o recorrente continuou a ser condenado por um crime de roubo agravado, mas com substancial alteração da qualificação. Não existe a substancial identidade entre as decisões da 1.ª instância e da Relação, considerando-se esta última confirmativa da primeira, como o exige a al. f) do n.º 1 do art. 400.° do CPP, pelo que o recurso é admissível, por não se verificar o princípio da dupla conforme.
IV - A determinação da pena concreta obedece a parâmetros rigorosos, que têm como elementos nucleares de referência a prevenção e a culpa, tudo nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 71.º do CP.
V - Ao elemento prevenção, no sentido de prevenção geral positiva ou de integração, vai-se buscar o objectivo de tutela dos bens jurídicos, erigido como finalidade primeira da aplicação de qualquer pena, na esteira de opções hoje prevalecentes a nível de política criminal e plasmadas na lei, mas sem esquecer também a vertente da prevenção especial ou de socialização ou, segundo os termos legais: a reintegração do agente na sociedade (art. 40.º, n.º 1, do CP).
VI - Ao elemento culpa, enquanto traduzindo a vertente pessoal do crime, a marca, documentada no facto, da singela personalidade do agente (com a sua autonomia volitiva e a sua radical liberdade de fazer opções e de escolher determinados caminhos) pede-se que imponha um limite às exigências, porventura expansivas em demasia, de prevenção geral, sob pena de o condenado servir de instrumento a tais exigências.
VII - A medida da tutela dos bens jurídicos, como finalidade primeira da aplicação da pena, é referenciada por um ponto óptimo, consentido pela culpa, e por um ponto mínimo que ainda seja suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma ou a valência dos bens jurídicos violados com a prática do crime. Entre esses limites devem satisfazer-se, quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.
VIII - Quer isto dizer que as exigências de prevenção traçam, entre aqueles limites óptimo e mínimo, uma submoldura que se inscreve na moldura abstracta correspondente ao tipo legal de crime e que é definida a partir das circunstâncias relevantes para tal efeito e encontrando na culpa uma função limitadora do máximo de pena. Entre tais limites é que vão actuar, justamente, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização, cabendo a esta «determinar em último termo a medida da pena», evitando, «em toda a extensão possível (…) a quebra da inserção social do agente» e dando azo à «sua integração na sociedade» (cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 231).
IX - Os factores a que a lei manda atender para a determinação concreta da pena são os que vêm indicados no n.º 2 do art. 71.º do CP e (visto que tal enumeração não é exaustiva) outros que sejam relevantes do ponto de vista da prevenção e da culpa, mas que não façam parte do tipo legal de crime, sob pena de infracção do princípio da proibição da dupla valoração.
X - Considerando a moldura penal correspondente ao crime de roubo p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência à al. a) do n.º 2 do art. 204.º, do CP – 3 a 15 anos de prisão – e tendo em conta que: -o facto praticado pelo recorrente reveste acentuada gravidade do ponto de vista da lesão do bem jurídico violado, tendo actuado sob a égide de um plano prévio, concertado entre ele e os demais arguidos, todos tendo participado na execução do crime, em colaboração uns com os outros e em conjugação de esforços, sendo, por isso, de salientar o grau de desvalor da acção e também o de resultado, em que releva, quanto ao primeiro, o ardil concebido pelos arguidos para levarem a vítima a confiarem na proposta por eles engendrada, embora com fim ilícito, e quanto ao segundo, as consequências a que deu lugar a prática do crime, se bem que não seja de valorar aqui, autonomamente, a elevada quantia de que se apropriaram, dado fazer parte do tipo de crime, nem a morte da vítima, que não pode ser imputada ao recorrente; -no capítulo da culpa, não é a mesma de qualificar como diminuta, mas como acentuada, tendo revestido a modalidade de dolo directo, em que ressalta a intensidade desse dolo, pela forma planeada como foi levado a cabo o facto típico; -releva ainda a aparente indiferença com que todos, incluindo o arguido, se comportaram após o cometimento do crime, sendo certo que deixaram para trás uma vítima mortal, embora a morte não seja imputável ao recorrente; o que é certo é que essa morte é um facto incontornável que parece ter pesado pouco na consciência dos arguidos (o directamente responsável por ela, em primeiro lugar, mas também os restantes); -como factores negativos, são ainda de levar em conta as condenações sofridas pelo arguido, se bem que em domínios que não têm similitude com o crime dos autos, nem a mesma natureza de violência contra as pessoas, o facto de ter sido declarado contumaz em 6 processos, onde lhe são imputados crimes de condução sem carta e ofensa à integridade física grave, bem como um processo pendente por crime de desobediência; -os factos foram cometidos há muito tempo [no ano 2000] e o recorrente não esteve preso preventivamente, mas tais circunstâncias não podem fazer esbater, para além de certos limites, as necessidades de prevenção geral, que são muito elevadas neste tipo de crime, sob pena de se fazerem gorar as expectativas comunitárias na validação e reafirmação do ordenamento jurídico em geral e da norma violada, em particular; -por outro lado, também as necessidades de prevenção especial têm aqui algum relevo, não só por todo o comportamento relacionado com a prática do crime, mas também por outros factos, já julgados ou pendentes, que indiciam a necessidade de reinserção social; a pena aplicada – 6 anos e 6 meses de prisão – mostra-se bastante benévola, o que deve levar-se à conta de terem relevado acentuadamente alguns dos factores indicados pelo recorrente, nomeadamente o tempo decorrido e outras circunstâncias relacionadas com a vida sócio-familiar do recorrente.
Proc. n.º 726/00.9SPLSB.S1 -5.ª Secção Rodrigues da Costa (relator) Arménio Sottomayor * Sumário elaborado pelo relator ** Sumário revisto pelo relator