Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 07-07-2009
 Tráfico de estupefacientes agravado Estabelecimento prisional Qualificação jurídica Detenção de estupefacientes Tráfico de menor gravidade Imagem global do facto Medida concreta da pena Suspensão da execução da pena
I -A razão de ser da agravação por via da al. h) do art. 24.º do DL 15/93, por efeito da conduta integrante haver tido lugar em estabelecimento prisional reside na perturbação do processo de ressocialização dos reclusos e no grave transtorno da ordem e organização das cadeias que o tráfico comporta. Os estabelecimentos prisionais face aos inevitáveis problemas e questões que a clausura gera, estados de depressão e inactividade dos reclusos, concentração e massificação das pessoas, conflitos pessoais, carências afectivas, sentimentos de frustração, perda de auto-estima, são particularmente propícios ao consumo de estupefacientes e, consequentemente, constituem um dos alvos prioritários dos traficantes.
II - Sendo essa a razão de ser daquela agravante modificativa, e não o desrespeito pela autoridade do Estado, a mesma só deverá funcionar perante comportamentos através dos quais se haja processado a difusão de substâncias estupefacientes pelos estabelecimentos prisionais ou, pelo menos, face a condutas potenciadoras desse perigo.
III - No caso de mera detenção, por parte de recluso, de pequenas quantidades de heroína e de canabis, sendo o arguido consumidor de substâncias estupefacientes, não se pode configurar a existência de difusão ou perigo de difusão da droga pelos reclusos, havendo que afastar a aplicabilidade da al. h) do art. 24.º do DL 15/93.
IV - O crime de tráfico de menor gravidade, previsto no art. 25.º do DL 15/93, como a sua própria denominação legal sugere, caracteriza-se por constituir um minus relativamente ao crime matricial, ou seja, ao crime do art. 21.º do DL 15/93.
V - Trata-se de um facto típico cujo elemento distintivo do crime tipo reside, apenas, na diminuição da ilicitude do facto, redução que o legislador impõe seja considerável, indicando como factores aferidores de menorização da ilicitude do facto, a título meramente exemplificativo, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção e a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações.
VI - É a partir do tipo fundamental, concretamente da ilicitude nele pressuposta, que se deve aferir se uma qualquer situação de tráfico se deve ou não qualificar como de menor gravidade.
VII - Para além das circunstâncias atinentes aos factores de aferição da ilicitude indicados no texto do art. 25.º do DL 15/93, há que ter em conta todas as demais circunstâncias susceptíveis de interferir na graduação da gravidade do facto, designadamente as que traduzam uma menor perigosidade da acção e/ou desvalor do resultado, em que a ofensa ou o perigo de ofensa aos bens jurídicos protegidos se mostre significativamente atenuado, sendo certo que para a subsunção de um comportamento delituoso (tráfico) ao tipo privilegiado do art. 25.º do DL 15/93, torna-se necessária a valorização global do facto, tendo presente que o legislador quis aqui incluir os casos de menor gravidade, ou seja, aqueles casos que ficam aquém da gravidade justificativa do crime tipo, o que tanto pode decorrer da verificação de circunstâncias que, global e conjuntamente sopesadas, se tenham por consideravelmente diminuidoras da ilicitude do facto, como da não ocorrência (ausência) daquelas circunstâncias que o legislador pressupôs se verificarem habitualmente nos comportamentos e actividades contempladas no crime tipo, isto é, que aumentam a quantidade do ilícito colocando-o ao nível ou grau exigível para integração da norma que prevê e pune o crime tipo.
VIII - No caso concreto, face à mera detenção dos estupefacientes, a pequena quantidade detida e o facto de o arguido ser consumidor, entende-se qualificar os factos como tráfico de menor gravidade.
IX - A culpa como expressão da responsabilidade individual do agente pelo facto e como realidade da consciência social e moral, fundada na existência de liberdade de decisão do ser humano e na vinculação da pessoa aos valores juridicamente protegidos (dever de observância da norma jurídica), é o fundamento ético da pena e, como tal, seu limite inultrapassável.
X - Dentro deste limite a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.
XI - Considerando que: -o arguido tem 29 anos de idade; -abandonou a escola com 16 anos, com o 9.º ano de escolaridade; -trabalhou como pedreiro, estabelecendo-se em oficina própria; -casou com 23 anos de idade; -em Setembro de 2005 separou-se em resultado da sua situação de consumidor de substâncias estupefacientes; -tem uma filha menor, que vive com a mãe; -à data dos factos era consumidor de estupefacientes; -já foi condenado por dez vezes, fixa-se a pena em 3 anos e 6 meses de prisão.
XII - São considerações de natureza exclusivamente preventiva, de prevenção geral e de prevenção especial, que justificam e impõem a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação.
XIII - Quanto à função e ao papel a desempenhar por aquelas exigências preventivas, há que atribuir prevalência às considerações de prevenção especial, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão. Desde que impostas ou aconselhadas à luz das exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam irremediavelmente postas em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.
XIV - Atento o passado criminal do arguido, com dez condenações, algumas sancionadas com pena privativa da liberdade, é evidente a necessidade daquele cumprir em clausura a pena cominada de 3 anos e 6 meses de prisão.
Proc. n.º 52/07.2PEPDL.S1 -3.ª Secção Oliveira Mendes (relator) Maia Costa