ACSTJ de 27-08-2009
Habeas corpus Tráfico de estupefacientes Prazo da prisão preventiva Aplicação da lei penal no tempo Excepcional complexidade
I -A previsão e, precisão, da providência de habeas corpus, como garantia constitucional, não exclui, porém, o seu carácter excepcional, vocacionado para casos graves, anómalos, de privação de liberdade, de fundamento constitucionalmente delimitado. II - A providência de habeas corpus, enquanto medida excepcional e remédio de urgência perante ofensas graves à liberdade, que se traduzam em abuso de poder, ou por serem ofensas sem lei ou por serem grosseiramente contra a lei, não constitui no sistema nacional um recurso dos recursos e muito menos um recurso contra os recursos. III - A excepcionalidade da providência não se refere à sua subsidiariedade em relação aos meios de impugnação ordinários das decisões judiciais, mas antes e apenas à circunstância de se tratar de «providência vocacionada a responder a situações de gravidade extrema ou excepcional», com uma celeridade incompatível com a prévia exaustação dos recursos ordinários e com a sua própria tramitação. IV - A providência de habeas corpus tem, pois, como resulta da lei, carácter excepcional, não no sentido de constituir expediente processual de ordem meramente residual, mas por se tratar de providência vocacionada a responder a situações de gravidade extrema ou excepcional. V - Face à revogação do art. 54.º do DL 15/93, de 22-01, pelo art. 5.º da Lei 48/07, de 29-08, aplica-se agora ao crime de tráfico de estupefacientes o regime geral, devendo a especial complexidade ser declarada por despacho judicial, devidamente fundamentado. VI - No caso em apreço, o arguido foi detido em 24-02-07, data em que estava em vigor o citado art. 54.º do DL 15/93, de 22-01, sendo que, de acordo com o regime processual penal então vigente, o prazo máximo da medida de coacção de prisão preventiva a que o peticionante foi sujeito, era de 4 anos – art. 215.º, n.ºs 1, al. d), 2, al. a), e 3, do CPP –, mas tendo a Lei 48/07, de 29-08, revogado aquele art. 54.º e entrado em vigor em 15-09-07, à data da entrada em vigor desta Lei não tinha ainda ocorrido (no domínio da lei anterior, isto é, do DL 15/93, designadamente do seu art. 54.º) qualquer prorrogação do prazo da prisão preventiva por força da referida especial complexidade sem despacho que a declarasse. VII - Assim, ao caso em apreço é aplicável o estatuído no art. 215.º, n.ºs 1, al. c), e 2, do CPP, na redacção dada pela citada Lei 48/07, de 29-08, pelo que o prazo da prisão preventiva, in casu, é de 2 anos, face ao crime em causa (tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º do citado DL 15/93, de 22-01) e porque não foi declarada a especial complexidade do processo por despacho judicial, como deveria ter sido, mercê da aplicação do regime geral face à revogação do art. 54.º do DL 15/93, o qual já se mostra decorrido, devendo, por isso, ser ordenada a imediata libertação do peticionante.
Proc. n.º 497/09.3YFLSB -3.ª Secção
Fernando Fróis (relator)
Rodrigues dos Santos
Sousa Leite
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