ACSTJ de 10-09-2009
Nulidade Acta Audiência de julgamento Alteração não substancial dos factos Qualificação jurídica Roubo agravado Sequestro Julgamento Direitos de defesa Auto Reconhecimento Irregularidade Sanação Concurso aparente Consumpção Burla informática
I -Não enferma de nulidade o acórdão da 1.ª instância que condenou o recorrente, pela prática de um crime de burla informática, p. e p. pelo art. 221.°, n.º 1, do CP, pelo qual não havia sido acusado, se da acta de julgamento consta ter sido o arguido notificado, nos termos do art. 358.°, n.ºs 1 e 3, do CPP, de que os factos descritos na acusação, a provarem-se, integrariam a prática daquele crime (além de um crime de sequestro agravado, pelo qual viria também a ser condenado em julgamento e não o crime de sequestro simples, que lhe era imputado na acusação), e lhe foi dada a oportunidade de se defender da nova imputação, nos termos da disposição legal supra citada. II - A infracção do formalismo referido no art. 147.º do CPP, no que respeita ao auto de reconhecimento, configura nulidade (se não mesmo mera irregularidade) processual, que não é de conhecimento oficioso, ficando sanada se não for arguida até ao final do inquérito -art. 120.°, n.º 3, al. c), do CPP. III - Existe concurso aparente, na modalidade de consumpção, quando a protecção concedida por um tipo legal abrange ou abarca (consome) a que é concedida por outro tipo legal de crime. Exemplo típico é a relação que se estabelece entre os crimes de roubo e de sequestro, já que o roubo, que é simultaneamente um crime contra as pessoas e contra a propriedade, frequentemente envolve a privação parcial ou total do ofendido como meio indispensável à sua consumação. Todavia, sempre que ela exceda o que é necessário e proporcional à consumação do roubo, a privação da liberdade do ofendido exige e adquire protecção autónoma, através da protecção do crime de sequestro. IV - O crime de burla informática é um crime especial de burla, cuja especificidade reside no processo vinculado de execução, que assenta na manipulação do sistema informático por uma das seguintes formas: interferência no resultado ou estruturação incorrecta de programa, utilização incorrecta ou incompleta de dados, utilização de dados sem autorização ou qualquer intervenção não autorizada de processamento. V - A burla informática, tal como a burla geral, assenta necessariamente num artifício, engano ou erro consciente, mas, contrariamente ao tipo geral, esse expediente não se dirige à manipulação da vontade de uma pessoa, antes pela utilização (obrigatoriamente) de um daqueles procedimentos, que se traduz no uso abusivo do sistema de dados ou de tratamento informático, e consequentemente, na manipulação do funcionamento do sistema informático, em ordem à obtenção de um enriquecimento patrimonial ilícito. VI - O levantamento de quantias em dinheiro através da utilização dos cartões, obtidos com os respectivos códigos, por meio de violência, constitui simplesmente a consumação da apropriação violenta, ou seja, a consumação do crime de roubo.
Proc. n.º 586/05.3PBBRR.S1 -3.ª Secção
Maia Costa (relator) **
Pires da Graça
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