ACSTJ de 06-11-2002
Gravação da prova Acidente de trabalho Caso julgado Contrato de trabalho temporário Violação das regras de segurança Culpa da empresa utilizadora Responsabilidade
I - A força obrigatória do despacho da 1ªnstância que deferiu o pedido de gravação da prova, esgota-se em tal decisão de gravação da prova, não se impondo ao Tribunal da Relação, no sentido de ter que proceder à reapreciação da prova só porque houve lugar à gravação, impedindo-o de ajuizar da admissibilidade dessa reapreciação da prova. II - Numa acção de acidente de trabalho, em que o trabalhador prestava o seu trabalho à empresa utilizadora, no âmbito de um contrato de utilização de trabalho temporário, o litígio quanto a apurar da responsabilidade pela reparação do acidente de trabalho, não se limita a contrapor o titular do direito aos demandados enquanto responsáveis pela satisfação dele: oferece uma outra dimensão, um sublitígio, envolvendo os demandados, em que cada um, não questionando decisivamente o direito do autor, defende que não responde pela satisfação dele, por essa responsabilidade caber a outro ou aos outros demandados. III - Assim, a absolvição em 1ªnstância da empresa de trabalho temporário e da seguradora, com a consequente responsabilização da empresa utilizadora, não fica coberta pelo caso julgado se esta recorreu da decisão; e, se o recurso interposto pela empresa utilizadora - no qual é rejeitada a responsabilidade da mesma -, procede, e a recorrente é absolvida do pedido, mantém-se pendente a questão de saber quem responde pela reparação do acidente, pelo que deve em tal recurso ser reapreciada a responsabilidade da seguradora e da empresa de trabalho temporário, que anteriormente haviam sido absolvidas do pedido. IV - É válido o contrato de trabalho temporário, no qual se consigna que 'ao ACE foi adjudicada a Empreitada Projecto e Construção das Linhas Restauradores-Baixa/Chiado e Rossio-Baixa/Chiado-Cais do Sodré do Metropolitano de Lisboa, EP' e que 'a execução da empreitada exige, nas várias fases em que se desdobra, a utilização de mão-de-obra para o desempenho de tarefas temporárias e definidas', sendo que 'o número dos trabalhadores necessários, bem como a natureza das suas funções, é determinado pelas necessidades de mão-de-obra sentidas em cada fase de execução da empreitada' e 'a cedente obriga-se a pôr à disposição do ACE trabalhadores (...) para prestarem a sua actividade no âmbito da empreitada'. V - Tendo um encarregado da empresa utilizadora ordenado a um trabalhador, marteleiro - que se encontrava a derrubar com um martelo pneumático algumas pedras e terras, para chegar mais facilmente junto do tecto do túnel -, que subisse para cima do braço articulado de uma escavadora, tendo, então, o trabalhador subido para a cabeça da fresa, montado no braço articulado da máquina escavadora e começado a trabalhar com o martelo pneumático, para derrubar algumas pedras salientes, enquanto foi ordenado, também por um encarregado da empresa utilizadora, a descida à retaguarda do trabalhador, através da grua, de um contentor de recolha de pedras e terras, o qual veio a embater na máquina escavadora, em razão do que a cabeça da fresa se movimentou, rodando, apertando o trabalhador contra a parede do túnel, atingindo os dentes da fresa as pernas daquele, tal acidente é devido a actuação grosseiramente violadora das mais elementares regras de prudência e segurança por parte da empresa utilizadora. VI - Sendo válido o contrato de trabalho temporário, não integrando o trabalhador temporário, por isso, os quadros da empresa utilizadora, a ligação do trabalhador a esta empresa, para efeitos reparatórios do acidente de trabalho, processa-se através de uma figura que integra o contrato de trabalho, ou que a ele é de equiparar, em termos de se poder afirmar que era trabalhador por conta da empresa utilizadora e, nessa medida, tem direito a ser por ela reparado dos danos emergentes do acidente que sofreu, conforme previsto nas Bases, n.º 1, eI, da LAT, na dimensão reconhecida no n.º 2, da Base XVII, da mesma lei. VII - Em tal situação, a empresa utilizadora responde, em via principal, pela totalidade das pensões e indemnizações. VIII - Por sua vez, a seguradora, com quem a empresa de trabalho temporário havia contratado o seguro de acidentes de trabalho, responde, conforme previsto no n.º 4, da Base XLIII, da LAT, subsidiariamente e limitada às prestações previstas na lei, tendo em conta o salário do trabalhador declarado e transferido para a mesma seguradora. IX - A empresa de trabalho temporário responde, também subsidiariamente, em relação ao devido para além do salário declarado do trabalhador, e transferido para a seguradora, quando este for inferior ao real, conforme previsto na Base L, da LAT.
Revista n.º 877/02 - 4.ª Secção Manuel Pereira (Relator) Azambuja Fonseca Diniz Nunes
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