ACSTJ de 06-07-2005
Categoria profissional Comissão de serviço Cargo de direcção Princípio da irreversibilidade Dever de ocupação efectiva Justa causa de rescisão Liquidação em execução de sentença Danos não patrimoniais Juros de mora
I - Através do regime da comissão de serviço, que teve consagração legal no âmbito do contrato individual de trabalho através do DL n.º 404/91 de 16-10, a correlação estabelecida pela lei entre o exercício continuado de certas funções e a “aquisição” da categoria profissional a que elas se reportam, sofre um importante desvio, possibilitando a atribuição ao trabalhador de certas funções a título reversível, ou seja, sem que se produza o efeito estabilizador da aquisição da categoria em conformidade com o chamado princípio da irreversibilidade. II - Depois da vigência do DL n.º 404/91, que estabeleceu o regime jurídico da comissão de serviço, vg. com vista a subtrair à regra da irreversibilidade do estatuto profissional os cargos de direcção e de chefia, não é defensável a tese de que o exercício das funções de direcção e de chefia é sempre precário e unilateralmente revogável à semelhança do mandato, apenas com base na consideração de que através deles o trabalhador dirigente exerce poderes cujo titular originário é a entidade patronal e que implicam um especial suporte de confiança. III - Não se compatibiliza com aquela a tese a previsão expressa do regime da comissão de serviço precisamente para este tipo de cargos (que implicam uma especial relação de confiança no trabalhador dirigente que, por definição, exerce sobre outros trabalhadores poderes de direcção que são próprios da entidade patronal e que esta lhes delegou), os objectivos que o legislador claramente visou prosseguir, a natureza marcadamente excepcional do regime, as rigorosas exigências materiais e formais nele estabelecidas e, designadamente, a cominação prescrita no mesmo de que o cargo se considera exercido com carácter permanente se faltar a menção expressa da comissão de serviço no acordo respectivo. IV - Pretendendo a entidade empregadora que as funções de “director geral” que o autor passou a desempenhar a partir de Junho de 1996 e durante mais de um ano, beneficiando do correspondente estatuto remuneratório e profissional, fossem exercidas em regime que possibilitasse a reversibilidade daquelas funções em virtude da especial relação de confiança inerente ao seu desempenho, e uma vez que as mesmas se enquadram na hipótese do art. 1.º do DL n.º 404/91, teria que celebrar com o autor, validamente, um acordo de comissão de serviço. V - Não tendo sido celebrado entre as partes o acordo de comissão de serviço, viola o princípio da irreversibilidade do direito à categoria o comportamento da ré que, em Novembro de 1999, altera unilateralmente ao autor a classificação profissional, atribuindo-lhe a categoria profissional de director na área de marketing, nega-lhe o exercício das correspondentes funções, veda-lhe o uso para serviço particular de uma viatura automóvel com todas as despesas inerentes a essa utilização por conta da ré a que tinha direito como “director geral”, bem como a possibilidade que tinha anteriormente de parquear a sua viatura no parque de estacionamento da ré, retirando-lhe o respectivo cartão de acesso e, bem assim, a elimina ao autor a possibilidade de efectivação de chamadas telefónicas de foro particular através de telemóvel atribuído pela ré, a que também tinha direito como “director geral”. VI - Em face deste factualismo apurado, deve concluir-se que a concreta posição funcional do autor na organização técnico-laboral da ré foi manifestamente alterada com a atitude desta posterior a 11 de Novembro de 1999, uma vez que baixou o seu enquadramento hierárquico no seio da estrutura da organização laboral em que se inseria o autor e alterou as contrapartidas remuneratórias, designadamente em espécie, de que este beneficiava. VII - O dever de ocupação efectiva que impende sobre a entidade patronal traduz-se no dever de proporcionar ao trabalhador a oportunidade de exercer de forma efectiva a actividade para a qual foi contratado, ou que tem direito a exercer de acordo com as alterações decorrentes da dinâmica do contrato, na medida em que a permanência numa situação de inactividade constitui um factor de desvalorização pessoal por poder afectar a sua dignidade social, o seu bom nome e reputação. VIII - Integra justa causa de rescisão pelo trabalhador o comportamento da entidade empregadora descri-to em V e VI, num condicionalismo em que o autor reclamou diversas vezes verbalmente e por escrito perante a Administração da ré, persistindo esta na sua atitude ilícita de violação do direito à ocupação efectiva do autor e de total alteração da posição laboral do mesmo na sua organização empresarial até 5 de Maio de 2000. IX - Não é possível condenar a entidade empregadora a pagar certas contrapartidas remuneratórias na quantia que se liquidar em execução de sentença nos termos do art. 661.º, n.º 2 do CPC quando, apesar de o trabalhador ter alegado na sua petição inicial os valores concretos em que se traduziam estas prestações, e de ter incidido prova sobre esses factos – vertidos na base instrutória -, não logrou provar qualquer deles. X - Se o autor não provou na acção declarativa os factos relativos aos valores das prestações de que beneficiou por inerência às funções de “director geral”, nada justifica que se lhe conceda nova oportunidade para o fazer em enxerto igualmente declarativo, a processar em ulterior acção executiva, com desrespeito manifesto pelas regras que estabelecem os momentos e lugares próprios para as diferentes fases processuais. XI - Sofrendo o autor danos não patrimoniais de relevo (humilhação no brio e imagem profissional e danos no equilíbrio emocional), por contenderem com a profissionalidade como valor inerente à realização da pessoa humana, deve atribuir-se-lhe uma indemnização por danos não patrimoniais. XII - Na fixação desta indemnização há a ter em linha de conta o contexto global dos factos descritos e a impossibilidade de se estabelecer um exclusivo nexo causal entre os danos indemnizáveis e a actuação ilícita da ré. XIII - Os juros de mora sobre a quantia indemnizatória por danos não patrimoniais, dada a natureza ilíquida do “quantum” indemnizatório até ao momento da sua fixação, são devidos desde a prolação da decisão que os fixa até integral pagamento.
Recurso n.º 1169/05 - 4.ª Secção Paiva Gonçalves (Relator) Maria Laura Leonardo Sousa Peixoto
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