Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Laboral
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ACSTJ de 14-03-2007
 Arguição de nulidades Poderes do Supremo Tribunal de Justiça Fotografias Despacho de arquivamento do inquérito Acção emergente de acidente de trabalho Violação de regras de segurança Ónus da prova Culpa de terceiro Nexo de causalidade União de facto Direi
I - Não existe qualquer suporte legal para a intervenção correctora do juiz no sentido de suprir a falta de arguição de nulidade da sentença, no requerimento de interposição de recurso, em processo laboral – como impõe o artigo 77.º, n.º 2, do CPT –, sendo de considerar extemporânea, aquela arguição, quando deduzida, apenas, na alegação do recurso.
II - Não se inclui nos poderes do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de facto, previstos nos artigos 722.º e 729.º do CPC, o de sindicar o modo como as instâncias apreciaram fotografias juntas aos autos – valoradas pelas instâncias a par de outros meios de prova –, que não se revestem de força probatória plena quanto aos factos relativos ao local em que o sinistrado deveria exercer a sua tarefa e às características deste.
III - O despacho de arquivamento de inquérito não tem o valor de decisão judicial, nem faz caso julgado no âmbito da acção emergente de acidente de trabalho, sendo susceptível de ser alterado em sede de reclamação hierárquica ou por via do aparecimento de novos elementos de prova (artigo 279.º do CPP), pelo que as considerações nele formuladas não podem servir de base para dar como verificadas no tribunal de revista circunstâncias factuais que a recorrente alega na revista para fundamentar a sua afirmação de que agiu sem culpa.
IV - Para fazer responder de forma agravada a entidade empregadora, em virtude de o acidente de trabalho resultar de falta de cumprimento de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho (artigo 18.º da Lei n.º 100/97 de 13 de Setembro - LAT), é necessário que os beneficiários legais demonstrem: que sobre a entidade empregadora (ou seu representante) recaía o dever de observar determinadas regras de comportamento cuja observância, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação do evento danoso e que a entidade empregadora (ou seu representante) faltou à observância dessas regras, não tomando o cuidado exigível a um empregador normal; que entre essa sua conduta inadimplente e o acidente intercorre um nexo de causalidade adequada.
V - A eventual responsabilização da entidade exploradora das linhas eléctricas na eclosão do acidente, por violação da distância regulamentar prescrita no artigo 48.º do Regulamento de Segurança de Redes de Distribuição de Energia Eléctrica em Baixa Tensão, aprovado pelo Decreto Regulamentar n.º 90/84, de 26 de Dezembro, ao manter linhas de média tensão a cerca de 1,5 metros acima do telhado das instalações do empregador não liberta este, enquanto responsável directo perante os beneficiários legais, do dever de responder, em primeira linha, pelo pagamento das prestações previstas na LAT para a reparação do acidente, sem prejuízo do direito de regresso previsto no artigo 31.º, n.º 4 da mesma LAT.
VI - A conclusão pela verificação do nexo de causalidade entre a violação de regras de segurança por parte do empregador e o acidente tem que resultar com evidência dos concretos factos apurados na acção emergente de acidente de trabalho.
VII - A afirmação pela Relação do nexo de causalidade a partir da simples verificação do resultado danoso e da inobservância de regras de segurança no trabalho, sem que se estabeleça uma relação factual suficientemente caracterizadora daquele nexo entre a conduta do empregador e o resultado, constitui uma conclusão jurídica, por isso que cabe nos poderes do Supremo o de sindicar tal conclusão, confrontando a sequência cronológica dos factos apurados com as regras jurídicas que delimitam o conceito de causalidade adequada.
VIII - Não é possível estabelecer um nexo de causalidade adequada entre a constatada violação de regras de segurança no trabalho pelo empregador (quando deu a ordem de limpeza das caleiras que marginam o telhado sem cuidar de prevenir o risco de contacto com as linhas e sem instruir o sinistrado dos cuidados a ter ao efectuar o trabalho na proximidade das mesmas) e a morte por electrocussão que veio a verificar-se, em circunstâncias não apuradas, enquanto o sinistrado se deslocava pelo telhado.
IX - Neste contexto, fica sem se saber por que razão, em concreto, ocorreu aquela electrocussão (se porque o sinistrado tocou nos fios quando desempenhava o seu trabalho ou se preparava para o desempenhar, se porque o sinistrado se deslocou sem necessidade de o fazer ao local em que os fios passavam enquanto aguardava pelo seu colega de trabalho, ou se por qualquer outra razão).
X - O prémio de produtividade no valor mensal de € 133,93, pago ao sinistrado em 12 meses por ano, deve ser contabilizado como parte integrante da retribuição para efeitos do disposto no artigo 26.º da LAT.
XI - Invocando a autora, viúva do sinistrado, que contraiu “união de facto”, esse elemento que incluiu nos fundamentos da acção não constitui objecto directo da mesma e apresenta-se, não como questão de direito a discutir pelas partes, mas como a enunciação de uma realidade, através da expressão usada pela norma legal de sentido coincidente com a expressão de uso comum ou corrente, por isso que deve tomar-se no próprio sentido conferido pela lei, como juízo de facto, sobre o qual nenhuma valoração virá a recair, quando as partes sobre ele não discordem.
XII - Na perspectiva de confiança na veracidade da situação alegada pela autora em cumprimento do dever de boa fé processual prescrito no artigo 266.º-A do CPC, tornou-se inexigível às partes contra as quais o direito – a receber o triplo da pensão anual – foi invocado, a alegação e prova de outros factos correlacionados com o conceito de “união de facto”.
XIII - A invocação pela autora da referida situação não configura renúncia a um direito indisponível – o direito a uma pensão anual e vitalícia decorrente da sua qualidade de viúva –, uma vez que ela se apresenta como viúva que contraiu “união de facto” e, por isso, pede aquilo que para tal condição está consignado na lei.
Recurso n.º 1957/06 - 4.ª Secção Vasques Dinis (Relator)*Fernandes CadilhaMário Pereira