ACSTJ de 07-05-2009
Caducidade do direito de aplicar sanção Despedimento sem justa causa Indemnização de antiguidade Danos não patrimoniais Quantum indemnizatório
I – No âmbito do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT), não resultava a caducidade do exercício do poder, por parte do empregador, de impor um sancionamento disciplinar quando a decisão punitiva fosse tomada para além do prazo a que se reporta o nº 8 do seu artº 10º. II – Diversamente, no regime jurídico que veio a ser instituído pelo Código do Trabalho (aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto) consagrou-se que, decorrido o prazo referido no nº 3 do anterior artº 414º (apresentação, concluídas as diligências probatórias, do processo disciplinar às comissão de trabalhadores ou associação sindical para, no prazo de cinco dias úteis, poderem juntar o seu parecer fundamentado), o empregador dispõe de trinta dias para proferir decisão, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção (nº 1 do artº 415º). III – Encontrando-se em vigor o regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro, aquando do estabelecimento do clausulado no n.º 8 da cláusula 120ª do acordo colectivo de trabalho entre várias instituições de crédito e o Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários e o Sindicato Independente da Banca (publicado no BTE, 1ª Série, n.º 31, de 22 de Agosto de 1990, com as alterações e ressalvas posteriores, mas antecedentes à redacção emergente da alteração publicada no Boletim, 1ª Série, nº 4, e 29 de Janeiro de 2005) – nos termos do qual, uma vez concluídas as diligências probatórias realizadas no processo disciplinar e de decorrido o prazo de dez dias úteis para a emissão do parecer fundamentado por parte da comissão de trabalhadores (ou da associação sindical, se o trabalhador for representante sindical), a instituição bancária dispõe de trinta dias para proferir a decisão, que deve ser fundamentada e constar de documento escrito –, é de concluir que o referido ACT não estabelecia qualquer regra que dispusesse contrariamente à que se encontrava (ou encontraria), inserta no regime legal comum, não existindo, pois, qualquer específico clausulado atinente à caducidade ou não caducidade do poder punitivo. IV – Com a entrada em vigor do nº 1 do artº 415º do Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 99/2003, sem que tenha havido alterações ao que se consagrou no aludido n.º 8 da cláusula 120ª do ACT, e sem que resulte que a vontade das partes fosse a de introduzir, por via da citada cláusula, uma regulação diversa da constante de legislação comum, tendo esta vindo a prescrever em moldes diversos, não poderá a mesma deixar de ser adquirida como reguladora da situação, não se podendo, por isso, concluir que o silêncio daquele acordo colectivo sobre a caducidade do poder punitivo implica, após a referida entrada em vigor, que se não deva considerar como caduco o exercício de tal poder quando exercido fora do prazo prescrito no aludido nº 1 do artº 415º . V – Nesta conformidade, numa relação de trabalho a que é aplicável o mencionado ACT, ocorre a caducidade do direito de aplicar a sanção por parte da ré (Instituição Bancária) se, tendo concluído as diligências probatórias em 7 de Dezembro de 2005, apenas comunicou a decisão punitiva ao autor (seu trabalhador) por carta registada datada de 8 de Fevereiro de 2006. VI – Mostra-se adequada a fixação do montante indemnizatório ao autor tendo por referência vinte dias de remuneração por cada ano de antiguidade ou fracção, no circunstancialismo em que se constata que a ilicitude do despedimento residiu, simplesmente, na postergação, apenas por cerca de trinta dias, da regra procedimental de não proferimento da decisão no prazo consignado no nº 1 do artº 415º do Código do Trabalho de 2003, o que inculcou a caducidade do exercício do poder punitivo da ré, e, ainda, que o autor tinha de antiguidade na prestação de funções bancárias cerca de vinte e oito anos e que auferia mensalmente, de retribuição base mensal e diuturnidades, € 1.922,85. VII – Os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos cifram-se na violação de um direito ou interesse alheios, na ilicitude ou antijuricidade dessa violação, no vínculo de imputação ao agente do facto lesante desses direitos ou interesses no dano sofrido pela violação e no nexo de causalidade entre o facto lesante e o dano. VIII – Verificam-se os referidos pressupostos, quando se verifique que a ré, ao despedir o autor, afectou o direito deste à manutenção do seu labor para com aquela, que tal actuação da ré só a ela imputável, que, ao proceder à decisão de despedimento numa altura em que o exercício do respectivo poder se encontrava já caduco, actuou ilicitamente, pois postergou normativos legais, que o autor era uma pessoa bastante conhecida nas localidades onde se situavam os quatro balcões que geria e nas regiões limítrofes, que sempre tendo tido reputação de homem honrado, cumpridor, empreendedor e trabalhador, que com a suspensão imediata do autor, foi-lhe retirada, também de imediato, a viatura que utilizava e proibido o acesso ao local de trabalho, que o ordenado do autor era o único sustento do seu agregado familiar, que, para fazer face às despesas do agregado familiar, viu-se obrigado a recorrer ao auxílio de familiares e amigos, que toda a situação lhe tem causado grande sofrimento, caindo numa profunda depressão, e que durante muito tempo, praticamente não saiu de casa, tendo recorrido a acompanhamento psiquiátrico para ultrapassar a “depressão reactiva” de que passou a padecer. IX – Para efeitos de indemnização por danos não patrimoniais, tratando-se de prejuízos não directamente mensuráveis, o respectivo ressarcimento «compensatório» haverá de ser iluminado com o que comanda o nº 3 do artº 496º, o artº 494º, e o nº 1 do artº 570º, todos do Código Civil, este último, como tem sido defendido pelas doutrinas e jurisprudência, aplicável ao regime geral da obrigação de indemnizar, repouse ela na responsabilidade contratual ou na responsabilidade por factos ilícitos. X – Por isso, embora verificados os pressupostos da responsabilidade civil da ré advindos da ilicitude da sua actuação ao promover o despedimento do autor numa ocasião em que o seu poder para tanto se encontrava já caducado, atendendo, também, a que o comportamento do autor para com a ré foi altamente censurável, desrespeitando específicas instruções de serviço – nomeadamente o denominado «Regulamento de Crédito» da ré –, que eram do seu conhecimento, provocando a existência de contas à ordem «a descoberto» com saldos devedores indisponíveis, algumas das quais não vieram a ser regularizadas e que, possivelmente, não teriam ocorrido se o mesmo autor prosseguisse uma actuação de acordo com os procedimentos em vigor na instituição bancária, e que o referido comportamento aponta, num prisma de objectividade, para que, razoavelmente, uma entidade empregadora, postada na situação da ré, ficasse abalada na fides que depositava num seu trabalhador em termos, de, prognosticamente, temer que, de futuro, actuações semelhantes viessem a ocorrer se esse trabalhador continuasse ao serviço, num juízo de equidade justifica-se a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor no montante de € 2.000,00, e não de € 30.000,00 que havia sido fixado pelas instâncias. XI – Para efeitos de abuso de direito, não é de considerar como clamorosamente ofensivo do sentimento jurídico socialmente dominante o pedido, formulado pelo trabalhador despedido em tais condições, de ressarcimento por danos não patrimoniais advindos da actuação da ré que proferiu a decisão de despedimento passados trinta dias após o termo do prazo referido no nº 1 do artº 415º do Código do Trabalho.
Recurso n.º 376/09 -4.ª Secção Bravo Serra (Relator)* Mário Pereira Sousa Peixoto
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