ACSTJ de 03-06-2009
Justa causa de despedimento Dever de obediência Dever de probidade Dirigente sindical
I – A noção de justa causa de despedimento, constante do artigo 396.º do Código do Trabalho de 2003, à semelhança do que se entendia no âmbito do n.º 1, do artigo 9.º da LCCT (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27-02) exige a verificação cumulativa de dois requisitos: (a) um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, grave em si mesmo e nas suas consequências; (b) que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral. II – Existe tal impossibilidade quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador, susceptível de criar no espírito do primeiro a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral. III – No âmbito do Código do Trabalho, à semelhança do que se verificava na LCCT (art. 12.º, n.º 4), deve entender-se que os factos integradores da justa causa são constitutivos do direito do empregador ao despedimento do trabalhador ou, na perspectiva processual da acção de impugnação, impeditivos do direito à reintegração ou ao direito indemnizatório que o trabalhador nela acciona, com base numa alegada ilicitude do despedimento, e como tal a provar por ele, empregador. IV – O dever de obediência abrange não apenas as directrizes do empregador sobre o modo de desenvolvimento da actividade laboral, mas também as directrizes emanadas do poder disciplinar prescritivo, em matéria de organização da empresa, do comportamento no seu seio, de segurança, higiene e saúde no trabalho, ou outras. V – Assim, o facto de a justificação das despesas feitas e a prestação das respectivas contas e regularização de eventual saldo do trabalhador para com o empregador, referentes aos adiantamentos por este feitos àquele, não respeitarem às funções pelo trabalhador exercidas ao serviço do empregador, no quadro do contrato de trabalho que os ligava e da categoria profissional que lhe era própria, mas sim à actividade de dirigente sindical (como representante dos trabalhadores junto do Comité Europeu de trabalhadores da ré), não impede que a conduta do trabalhador, traduzida na não apresentação dessa justificação, prestação e regularização, no prazo marcado pelo empregador, traduza uma violação do apontado dever de obediência. VI – A conclusão pela gravidade da infracção disciplinar não depende, necessariamente, da comprovação de elevados prejuízos materiais para o empregador, nem, sequer, da existência de prejuízos. VII – Verifica-se a violação dos deveres de probidade e de obediência, previstos nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 121.º do Código do Trabalho, por parte do trabalhador/autor, no seguinte circunstancialismo: -a empregadora/ré fez-lhe dois adiantamentos, cada um deles de € 600,00, referentes à sua participação, como representante no referido Comité Europeu de Trabalhadores da ré (em Março de 2004 em Paris e em Abril de 2005 em Cracóvia); -o autor não veio, por sua iniciativa, a prestar contas dessas verbas nem a entregar os documentos de suporte das despesas feitas, bem como a devolver o dinheiro de saldo que houvesse a favor da empregadora; -posteriormente, tendo esta, na sequência da reconciliação financeira das contas de empregados com o objectivo de fecho do exercício de 2005, constatado que o autor tinha saldo devedor ou negativo, em que se incluía verba respeitante aos aludidos adiantamentos, instou-o, sucessivamente, no período de Dezembro de 2005 a Março de 2006, para regularizar as contas, o que este não fez sem dar justificação para o facto; -apenas em 29 de Março de 2006, o autor entregou alguns documentos justificativos das despesas, ficando por pagar à ré a quantia de € 977,21. VIII – O referido comportamento configura justa causa de despedimento, uma vez que reveste a natureza de infracção disciplinar laboral e prolongou-se durante cerca de três meses, a tal não obstando o facto de apenas em Dezembro de 2005 a ré ter instado o autor a justificar as despesas, a prestar contas e a regularizar o saldo – sendo que não vem apurada a data em que os responsáveis da ré com competência disciplinar tiveram conhecimento da não justificação das despesas e que a iniciativa para levar a efeito tais procedimentos cabia ao autor –, deste ter cerca de 24 anos de antiguidade na empresa, nunca anteriormente ter manifestado faltas de respeito no seu posto de trabalho e não ter antecedentes disciplinares registados.
Recurso n.º 3085/08 -4.ª Secção Mário Pereira (Relator)* Sousa Peixoto Sousa Grandão
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