ACSTJ de 03-06-2009
Ampliação da matéria de facto Poderes do Supremo Tribunal de Justiça Despedimento de facto Ónus da prova Abandono do trabalho Indemnização
I – Para que o STJ possa ordenar a ampliação da matéria de facto, nos termos do n.º 3 do art. 729.º, do Código de Processo Civil, é imperioso constatar-se que, aquando da elaboração da base instrutória ou, na sua ausência, da própria fixação dessa matéria, tenha havido preterição da “matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito”, nos precisos termos do art. 511.º, n.º 1, do mesmo diploma legal. II – Essa faculdade de ampliação, relativamente ao tribunal de recurso, só pode ser exercida relativamente a factos que tenham sido articulados pelas partes ou que sejam de conhecimento oficioso, de harmonia com o estatuído no art. 264.º do mesmo Código. III – No domínio do despedimento promovido pelo empregador, a vontade de pôr termo ao contrato há-de ser “inequívoca”, admitindo-se os “despedimentos de facto”, corporizados numa atitude inequívoca daquele, de onde decorre necessariamente a manifestação de uma vontade de fazer cessar a relação laboral. IV – Cabe ao trabalhador, na acção de impugnação de despedimento, alegar e provar a existência de um contrato de trabalho e a sua cessação através do despedimento promovido pelo seu empregador (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil). V – Não configura “despedimento de facto”, a circunstância da ré, no dia 30 de Maio de 2005, ter impedido a autora de trabalhar no seu antigo horário de trabalho, quando se constata que no dia 22, desse mesmo mês e ano, havia comunicado à autora a alteração do horário de trabalho, com efeitos a partir daquele dia 30 -advertindo-a que o não cumprimento do novo horário a fazia incorrer em desobediência -, alteração de horário com a qual a autora não concordou. VI – Relativamente à cessação do vínculo laboral por iniciativa do trabalhador, a lei distingue entre a sua resolução e a sua denúncia (artigos 441.º a 450.º do Código do Trabalho de 2003): no 1.º caso exige-se que a desvinculação seja operada através de documento escrito, com a indicação sucinta dos factos que a justificam e nos 30 dias subsequentes ao conhecimento desses factos; no 2.º caso exige-se, também, uma comunicação ao empregador, que, aqui como ali, constitui uma declaração negocial receptícia. VII – Diferentemente, o “abandono do trabalho” – artigo 450.º –, constituindo uma modalidade de denúncia tácita, pressupõe, ao invés, a omissão daquele acto. VIII – A figura jurídica do abandono do trabalho integra dois elementos: (i) um objectivo, que consiste num incumprimento voluntário do contrato de trabalho que, na generalidade dos casos se traduz na não comparência do trabalhador no local e no tempo de laboração, (ii) um elemento subjectivo, traduzido num “animus” extintivo, que se capta através de algo que o revele ou que exteriorize factos que, de acordo com a lei, “com toda a probabilidade revelem a intenção de não retomar o trabalho”. IX – Para que o facto seja considerado “concludente” da vontade de não retomar o serviço, não se torna necessário que o sentido dele extraível haja sido representado pelo respectivo agente: a concludência de um comportamento determina-se “de fora”, “objectivamente”. X – Não tendo a autora feito qualquer comunicação à ré de tipo resolutivo ou denunciativo – enviou, pelo contrário, uma carta a considerar-se despedida –, o pedido indemnizatório formulado pela ré contra a autora só pode basear-se no abandono do posto de trabalho. XI – Porém, nesta situação, para que pudesse haver lugar a indemnização à ré era necessário que esta tivesse produzido a comunicação enunciada no n.º 5, do artigo 450.º do CT, dando-lhe conta do abandono do trabalho por parte da mesma, comunicação essa através de carta registada com aviso de recepção para a última morada conhecida da autora.
Recurso n.º 3696/08 -4.ª Secção Sousa Grandão (Relator)* Pinto Hespanhol Vasques Dinis
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