Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Laboral
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ACSTJ de 03-06-2009
 Descaracterização de acidente de trabalho Ónus da prova Violação de regras de segurança Culpa do empregador Nexo de causalidade Ampliação do objecto do recurso Questão prejudicial Responsabilidade subsidiária
I -A descaracterização do acidente de trabalho, com fundamento na alínea a) do nº 1 do artº 7º da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, exige, cumulativamente, os requisitos de (i) existência de regras ou condições de segurança estabelecidas pela lei ou pela entidade empregadora, (ii) verificação, por parte do sinistrado, de uma conduta violadora dessas regras ou condições, (iii) voluntariedade na assunção dessa conduta, mesmo que não intencional, sem que, para tanto haja causa justificativa, e (iv) a existência de um nexo causal entre a conduta e a ocorrência do acidente. II – Ao se exigir que a violação careça de “causa justificativa” pretende-se atender à violação das condições de segurança específicas da empresa, bastando que o trabalhador conscientemente viole essas regras. III – As condições de segurança emitidas pela entidade empregadora são, apenas, as estabelecidas por esta em regulamento de empresa, ordem de serviço ou outra forma de transmissão. IV – Estando em causa um acidente de trabalho e sendo suscitada a questão da não reparabilidade do mesmo, o ónus da prova dos factos que conduzam a essa não reparabilidade impende sobre quem dessa circunstância retirar proveito, ou seja, as entidades às quais o nosso sistema jurídico-laboral infortunístico comete o encargo de reparar as consequências do sinistro. V – As prescrições constantes dos artigos 272º a 274º do Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto – que correspondem, na sua essência, àquilo que se encontra normatizado, nomeadamente, nos artigos 4º, 8º, 9º e 12º do Decreto-Lei nº 441/91, de 14 de Novembro –, são aplicáveis às situações ocorridas após a vigência daquele Código, devendo, por isso, terem-se por revogados tacitamente os indicados normativos do Decreto-Lei nº 441/91. VI – Violou as regras de segurança contidas nos artigos 272º a 274º do Código do Trabalho e no Decreto-Lei nº 5072005, de 25 de Fevereiro, a entidade empregadora que dispunha de um equipamento (tapete rolante) em que laborava o sinistrado, dotado das seguintes características: -ao longo do tapete rolante e nas zonas da «cabeça» e alimentação com diversos elementos móveis – motor, roletes, tambores e correias, o primeiro e a última a trabalharem no mesmo sentido para darem movimento ao tambor e aos roletes intermédios -, não existiam elementos ou peças protectoras, como uma rede, que, relativamente aqueles vários elementos, impedissem o acesso aos elementos móveis ou o contacto com partes do corpo dos trabalhadores que manuseiam a máquina; -na máquina não existiam cabos de emergência e o respectivo manual explicitava que se não devia proceder a qualquer trabalho de manutenção nela quando a mesma se encontrasse em funcionamento e que, caso ocorresse uma deficiente aderência do tapete aos roletes que o movem, dever-se-ia imobilizar o tapete, proceder à remoção de parte da carga transportadora, afinar o esticador do «tambor/rolete», esticar as correias do motor do tapete e, só após, reiniciar a marcha do tapete; -era procedimento habitual colocar «cola» no tapete, nos dias húmidos e chuvosos, com o equipamento a funcionar, junto dos roletes intermédios, logo a seguir ao primário, situados a cerca de dois ou três metros do início daquele tapete, mas do lado de fora dos roletes e sem que o trabalhador introduzisse o braço na máquina; -a empregadora tinha informado os seus trabalhadores, incluindo o autor, do perigo de trabalharem na zona da «cabeça» do tapete e para ali não trabalharem com a máquina em funcionamento; -os superiores hierárquicos do sinistrado forneceram indicações no sentido de ser aplicada «cola» quando se verificasse que o tapete não aderia aos roletes, podendo a «cola» ser aplicada em qualquer ponto do tapete, sendo desnecessária a colocação junto do tambor. VII – Não configura a existência de ordens ou instruções proibitivas do acesso dos trabalhadores à zona da «cabeça» da máquina quando esta se encontrava em funcionamento, e a que o sinistrado desobedeceu ao ir apor a «cola» junto dos roletes da zona da cabeça, mas tão só informação dos perigos desse acesso, se apenas ficou apurado que não era habitual os trabalhadores da empregadora colocarem «cola» ou efectuarem qualquer trabalho de manutenção da máquina na zona da «cabeça» do tapete com o equipamento a funcionar, tendo já a empregadora informado os seus trabalhadores, incluindo o autor, do perigo de trabalharem naquela zona e para ali não trabalharem com a máquina em funcionamento, e que os trabalhadores são informados das tarefas que têm de desempenhar, como devem desempenhá-las e dos cuidados que devem ter no desempenho. VIII – Não se tendo provado a existência de ordens ou instruções expressas da empregadora a que o sinistrado desobedeceu, não cobra aplicação o que se consagra na alínea a) do nº 1 do artº 7º da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, e no nº1 do artº 8º do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril, que aquela regulamentou. IX – No circunstancialismo descrito verifica-se nexo de causalidade entre o resultado da actuação da ré empregadora – ao não dotar o equipamento em causa de elementos protectores de acesso às suas partes móveis, ao não ter sinalizado o perigo decorrente da aproximação a elas, ao não ter procedido no sentido de aquele equipamento conter mecanismos apropriados que imobilizassem aquelas partes, designadamente ás zonas de maior perigo, aquando do acesso a elas, e ao ter dado indicações aos seus trabalhadores, aqui se incluindo o autor, de colocarem «cola» entre o tapete e os roletes, quando este «patinasse» – e o acidente, que ocorreu quando o autor, ao verificar que a tela do tapete rolante estava a «patinar», foi colocar «cola» ao longo do tapete, nos roletes, com a finalidade de se obter maior tracção entre estes e a tela e, ao se aproximar da zona da «cabeça», introduziu o braço na máquina junto do rolete dessa «cabeça», sendo agarrado pelo tambor na manga do «macaco» que envergava.. X – O âmbito de aplicação do disposto no nº 1 do artº 684º-A do Código de Processo Civil é diverso do constante do nº 2 do artº 715º do mesmo diploma legal, pois enquanto este último pressupõe que o tribunal a quo nem sequer se chegou a pronunciar sobre a precisa questão de mérito, por a considerar prejudicada pela solução que conferiu ao pleito, naquele artº 684º-A, parece estar subjacente a apreciação, por aquele tribunal, das várias questões co-envolvidas. XI – Tendo-se o acidente de trabalho ficado a dever a falta de observância, por parte da entidade empregadora, das regras de segurança, e resultando para o sinistrado uma incapacidade permanente, as prestações a conferir regem-se nos termos da alínea a) do artº 18º da Lei nº 100/97, devendo tais prestações ser iguais à retribuição. XII – A entidade seguradora é responsável apenas subsidiariamente pelas prestações normais, nos termos do nº 2 do artº 37, pautando-se a obrigação (subsidiária) de pagamento das prestações de harmonia com o artº 17º, ambos daquela Lei nº 100/97.
Processo n.º 1321/05.1 TBAGH.S1 -4.ª Secção Bravo Serra (Relator)* Mário Pereira Sousa Peixoto