ACSTJ de 25-06-2009
Jogador de futebol Jogo de homenagem Caducidade do contrato de trabalho Abuso do direito Poderes do Supremo Tribunal de Justiça Confissão
I -Cabe nos poderes do Supremo Tribunal de Justiça nos termos do n.º 2 do art. 722.º do Código de Processo Civil, o de verificar se, ao dar por demonstrado que determinados documentos denominados “certificados” foram feitos chegar à ré pelo autor “em datas não concretamente apuradas”, o tribunal recorrido não atendeu à confissão do autor quanto às datas em que os referidos documentos teriam sido recebidos pela ré -por não ter este impugnado na resposta à contestação o alegado pela ré quanto às indicadas datas e por ter reconhecido que posteriormente a ela enviou outros “certificados” -, pois o que com isso se quer significar é que aquele segmento fáctico foi apurado com inobservância da força de um determinado meio de prova. II - Da circunstância de o autor, na resposta, não ter impugnado os “certificados” juntos pela ré com a contestação ou referido serem inverídicas as datas dos carimbos da sua entrada nos serviços da ré, não pode afirmar-se a confissão do autor quanto à data da recepção pela ré daqueles documentos em determinada data, se a ré não retirara, em sede de contestação, qualquer argumento concreto daquela junção e dos carimbos apostos em alguns deles. III - Não é sustentável defender-se que a ré, em determinada data, tinha para si que se deparava um caso de forte perturbação do programa contratual que outorgara com o autor, impossibilitador da continuação do vínculo obrigacional que entre ambos fora firmado, se nessa data a mesma ré envia ao autor uma carta em que lhe pede para se apresentar ao trabalho. IV - Os casos redutíveis a um exercício abusivo do direito por supressio, impõem que, patente ou ostensivamente, se crie, no obrigado, a convicção de que a prestação já não virá a ser exigida, sob pena de a posterior exigência representar para ele um incomportável sacrifício. V - Esse incomportável sacrifício resulta, não na mais acentuada difficultas praestandi pelo passar do tempo, mas sim numa consciência que se assumiu de que a prestação não mais viria a ser pedida. VI - A demora na realização da prestação, com acrescidos custos para tanto, não pode, por si só, demandar o apelo à figura do abuso do direito se não vier, ou não puder, ser alcançado que a actuação do credor foi de tal sorte que, num prisma objectivo, havia de criar no devedor a consciência convicta do não exercício do direito. VII - Não integra abuso do direito a conduta do treinador desportivo que exercita o direito conferido por um “aditamento” ao contrato de trabalho desportivo em que a sua entidade empregadora se comprometeu a realizar um jogo de despedida em homenagem ao treinador, revertendo a favor do mesmo a respectiva receita líquida e a favor daquela as receitas da transmissão televisiva até ao limite de Esc. 15.000.000$00, sendo que o excedente, a havê-lo, reverteria em favor do treinador, ainda que este tenha já recebido a quantia de Esc. 30.000.000$00 também acordada naquele aditamento, e apenas quatro anos depois venha exigir o cumprimento da obrigação consistente naquela realização, uma vez que ficou provado pretenderem as partes com o referido “aditamento”, por um lado, proporcionar ao autor o recebimento de uma quantia em dinheiro que compensasse a diminuição da sua retribuição mensal e, por outro, homenagear o autor. VIII - Perante esta dualidade de intenções que presidiu ao estabelecimento do clausulado, e uma vez que a realização do jogo não pode ser desligada daquele intuito de natureza não patrimonial -o de ele vir a representar um preito de homenagem que se quis dirigir ao autor -, não se pode considerar que a recepção pelo autor do valor de Esc. 30.000.000$00 logo no ano subsequente à subscrição do negócio, tenha levado a ré a ficar convicta de que a outra parte se conformaria com a não realização do “jogo de homenagem”e que, por isso, não mais exigiria o cumprimento da obrigação . IX – Não implica igualmente o exercício abusivo, por parte do autor, do direito de exigir a efectivação do jogo, a alegada circunstância de o decorrer do tempo (os referidos quatro anos depois de firmado o “aditamento” ao contrato) implicar um acréscimo dos custos de realização e perdas de receitas da transmissão televisiva, se, por um lado, a ré compara as receitas da transmissão televisiva de um jogo deste tipo com as de jogos de eliminatórias da Taça de Portugal entre equipas da Primeira Liga e jogos das ligas profissionais de futebol de outros países, nada demonstrando quanto a jogos com as mesmas características, no confronto entre aquelas épocas, e se, por outro, nos termos do “aditamento” somente revertiam a favor do autor as receitas líquidas do jogo, não provando a ré que os agravados custos derivados da realização do jogo quatro anos depois seriam sempre superiores às receitas.
Recurso n.º 620/09 -4.ª Secção Bravo Serra (Relator)* Mário Pereira Sousa Peixoto
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