ACSTJ de 25-06-2009
Responsabilidade civil Responsabilidade contratual Nexo de causalidade Danos patrimoniais Danos não patrimoniais Quantum indemnizatório Ilações
I – A responsabilidade civil contratual resulta do não cumprimento, lato sensu, dos deveres relativos próprios das obrigações contratuais, incluindo os deveres acessórios de conduta, ainda que impostos por lei, no seio da complexa relação obrigacional. II – Por sua vez, a responsabilidade civil extracontratual assenta na violação de deveres gerais de abstenção, omissão ou não ingerência, correspondentes aos direitos absolutos. III – Em qualquer dos casos, são os mesmos os pressupostos do dever de indemnizar: violação de um direito ou interesse alheio, o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade. IV – Integra-se no âmbito da responsabilidade contratual a pretensão da autora/trabalhadora em ser indemnizada pelos danos decorrentes da conduta ilícita da ré, que, desrespeitando as regras previstas no acordo de Empresa (AE) aplicável, a não transferiu de uma Estação de Correios (EC) para outra. V – O nosso sistema jurídico consagra no artigo 563.º do Código Civil uma vertente ampla da causalidade adequada, ao não exigir a exclusividade do facto condicionante do dano: assim, poderá configurar-se a concorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não daquele facto condicionante, assim como se admite também a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie um outro que, por sua vez, suscite directamente o dano. VI – Diversamente, o facto condicionante não deve ser havido como causa adequada do efeito danoso, sempre que o mesmo, pela sua natureza, se mostre de todo inadequado para a sua produção: é o que sucede quando o dano só tenha ocorrido por virtude de circunstâncias anómalas ou excepcionais de todo imprevisíveis no contexto do trajecto causal. VII – A Relação, conhecendo de facto, pode extrair dos factos materiais provados as ilações que deles sejam decorrência lógica e pode sindicar as presunções judiciais tiradas pela primeira instância no que respeita a saber se elas alteram ou não a factualidade apurada e, bem assim, se elas constituem, ou não, decorrência lógica de uma concreta factualidade apurada. VIII – Ao STJ cabe apenas indagar se é, ou não, admissível a utilização das referidas presunções, face ao estatuído no artigo 351.º do Código Civil; e se a ilação extraída contraria ou entra em colisão com um facto que foi submetido a concreta discussão probatória e que o tribunal teve como não provado, o STJ pode intervir correctivamente nos termos do artigo 729.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, bastando-se a correcção com a simples eliminação da ilação extraída.IX – Tendo sido extraída pela Relação, como decorrência lógica da matéria de facto, a ilação de que, se a autora tivesse sido transferida, para a EC por ela pretendida e a que tinha direito, tomaria as refeições em casa e que com a não transferência a autora teve acréscimo de custos (com os transportes e refeições), face ao disposto no artigo 566.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, tais acréscimos de custos configuram danos patrimoniais sofridos pela autora decorrentes de um facto ilícito e culposo da ré (não transferência da autora para a referida EC) que justificam a ressarcibilidade por parte desta. X – No circunstancialismo descrito, justifica-se uma indemnização à autora no montante de € 2.500,00, a título de danos não patrimoniais, por se demonstrar que a sua não transferência para a EC em causa, que se prolongou durante cerca de cinco anos e sem que lhe fosse dada qualquer explicação para o facto, lhe causou desgosto e humilhação, constando-se, ainda que a ré é uma empresa de dimensão nacional, que tem o exclusivo da distribuição postal.
Recurso n.º 4117/08 -4.ª Secção Mário Pereira (Relator)* Sousa Peixoto Sousa Grandão
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