Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) -
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ACSTJ de 02-03-2000
 Fraude fiscal Burla Falsificação Concurso de infracções
I - O iter criminis do tipo de ilícito contido no art.º 23, do DL n.º 20-A/90, de 15/01, na redacção do DL n.º 394/93, de 24/11 (fraude fiscal), tal como decorre do dispositivo informador do seu n.º 1, bem como do dispositivo exemplificador do seu n.º 2, identifica-se com toda e qualquer actividade obediente a um dolo específico de obtenção de benefícios fiscais ou de vantagens patrimoniais, actividade essa susceptível de assumir formas diversas e que, sendo porventura atípicas relativamente aos itens mencionados no preceito incriminador (de resto, suficientemente e compreensivelmente amplos para comportarem todos os cambiantes), bastam para preencher a tipicidade do crime, se dirigidas à obtenção ilegítima de benesses fiscais e possibilitadoras de causarem diminuição das receitas tributárias.
II - Se é certo que existem zonas confluentes entre o crime de fraude fiscal e o de burla, a verdade é que este último demanda a verificação de um elemento específico (o erro ou engano sobre factos astuciosamente provocados), exigente de uma relação subjectiva peculiar, determinante a levar o lesado à prática de actos susceptíveis de prejuízos próprios ou alheios, relação essa que não avulta como factor típico decisivo no crime de fraude fiscal, circunstância aliás compreensível, até por a lesada ser aqui a própria Administração, e como tal, a indução em erro ou engano não ser facilmente compatível com o funcionamento burocrático tendente à formação e manifestação da sua vontade.
III - Embora no domínio do concurso entre os crimes de fraude fiscal, falsificação de documentos e burla, se perfilem na Doutrina e na Jurisprudência três teses, porque: - o crime de fraude fiscal integra o direito penal fiscal, que teleologicamente se insere no âmbito do direito fiscal, que tem natureza institucional, e cujas normas não se integram no direito comum;- historicamente as sanções punitivas fiscais têm vindo a ser tratadas num sentido privilegiado e desagravado relativamente ao direito penal geral, mesmo quando as descrições típicas coincidem;- é patente a intenção do legislador no sentido das condutas ofensivas às normas fiscais deverem ter tratamento autónomo em face do direito penal comum;- o RJIFNA é um regime total, fechado orientado para a tutela dos interesses tributários do Estado, e não um mais, ou algo que acresça ao direito penal comum;- o direito penal fiscal, pela sua especialidade, exclui o direito penal comum;- o art.º 5, n.º 1, do RJIFNA, ao prever a revogação da legislação em contrário, sem prejuízo da subsistência dos crimes previstos no Código Penal e legislação complementar, não quer significar que os crimes comuns e fiscais se cumulam quando estiverem apenas em causa interesses fiscais do Estado, mas tão somente deixar claro, que se os factos violarem interesses de terceiros, esses crimes subsistem e se aplicam;- mesmo que a questão devesse ser analisada no âmbito da hierarquia das normas, vistas singularmente e considerando as normas do Código Penal e do RJFINA no mesmo plano, ainda assim, a conclusão dever ser a de que o desvalor da acção e do resultado, encontraria no RJIFNA, dadas as relações de especialidade quanto à burla, o seu sancionamento único;- constituiria violação do princípio da igualdade que o comportamento do arguido a ser tipificado como burla, comportasse as graves consequências penais daí decorrentes, e que o comportamento integrante do crime de abuso de confiança fiscal (art.º 24), a menos que concorresse efectivamente com o de abuso de confiança previsto no Código Penal, em violação flagrante do princípio ne bis in idem, pudesse ficar sujeito a uma pena privilegiada;- a medida da pena de harmonia com o preceituado no art.º 10 do RJIFNA, deve ser feita 'de acordo com as disposições aplicáveis do Código Penal', mas 'considerando sempre que possível o prejuízo sofrido pela Fazenda Nacional';é de perfilhar o entendimento que considera apenas a existência do crime de fraude fiscal, p. e p. no art.º 23 do RJIFNA, verificando-se uma relação de especialidade entre os crimes de fraude fiscal e de falsificação, e um concurso aparente entre o crime de fraude fiscal e o de burla.
IV - Tendo sido declarado extinto, por prescrição, o procedimento criminal movido a todos os arguidos pela prática dos crimes de fraude fiscal e de falsificação de documentos, mas tendo prosseguido para apuramento do crime de burla pelo qual dois deles vieram a ser condenados, entendendo-se neste Supremo Tribunal, que a qualificação jurídico-penal correcta deveria ter sido o de integrarem o crime de fraude fiscal, ficando o crime de burla por ele consumido, ter-se-á de entender também, que tal prescrição abrangerá lógica e curialmente os crimes de burla considerados cometidos, decretando-se a sua absolvição desta infracção.
Proc. n.º 810/99 - 5.ª Secção Oliveira Guimarães (relator) Dinis Alves Costa Pereira Abranches M