Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) -
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ACSTJ de 16-02-2005
 Jovem delinquente Regime penal especial para jovens Abuso sexual de crianças agravado Medida da pena Indemnização civil
I - O DL 401/82, de 23-09, não comporta uma aplicação cega e imediata do regime nele estabelecido só porque se trata de menor de 21 anos, sendo certo que o factor idade não sustenta só por si a aplicação da atenuação especial exigindo-se, ainda, que essa atenuação facilite a reinserção e que o juízo de probabilidade assente, não em mero subjectivismo, mas em elementos factuais provados que conduzam à conclusão de que a moldura penal comum não cumpre, por excessiva, os fins de ressocialização.
II - Resultando da factualidade provada que o arguido, estudante de engenharia, aproveitando-se da confiança que a menor, de 9 anos de idade, nele depositava e, com requintes de ordem sexual já bem determinados, sentou-a no colo e, a dado momento, colocou a menor no chão, baixou-lhe as calças e as cuecas e depois, já com o seu pénis de fora, sentou-a de novo no seu colo e segurando-a com ambas as mãos pela cintura, introduziu-lhe o pénis erecto na vagina, contra a vontade da menor, lacerando-lhe o hímen, que provocou na menor sensação dolorosa que a fez chorar, sangrando para as cuecas e calças, a forma como o arguido perpetrou o crime revela um grau elevado de ilicitude, não só pelo resultado do acto praticado, mas ainda pelas alterações a nível comportamental provocadas na ofendida, que deixou de ser comunicativa e passou a ser uma criança introvertida, triste e reservada, e que tem necessidade de acompanhamento médico-psiquiátrico.
III - E não é a circunstância de o arguido ter assumido a prática do acto nem o facto de possuir uma personalidade com alguma dificuldade em controlar as situações e emoções, que tornou possível que ignorasse todos os constrangimentos, o maior dos quais seria a própria idade da vítima que pode justificar a aplicação do diploma referido e uma atenuação especial da pena.
IV - Dentro da moldura penal de 3 a 10 anos de prisão, correspondente ao crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo art. 172.º, n.º 2, do CP, e considerando o modo de execução do crime, as graves consequências para a vítima, a idade do arguido (19 anos à data da prática do crime) e o tempo já decorrido desde o seu cometimento, a circunstância de o arguido nem sequer ter tentado reparar o mal do crime e, ainda, a circunstância de a grande consternação que sente pelo sucedido e a sua sensação de culpa assentar no impacto que possa ter para a sua própria vida e não pelas consequências que teve para a menor, com quem mantinha um relacionamento quase familiar, e o disposto no art. 71.º do CP, a pena ajustada ao comportamento do arguido será a de 4 anos de prisão, na qual beneficiará do perdão a que se refere o art. 1.º da Lei 29/99, de 12-05.
V - Tendo resultado bem patentes na factualidade provada os traumas que atingiram e ainda atingem a menor, a grande instabilidade emocional que a mesma passou a denotar, e os quadros de angústia e sofrimento que tem vivido ao longo destes anos, ao ponto de terem provocado uma diferente matriz de comportamento, com traços de tristeza e isolamento que substituíram o seu anterior padrão de criança comunicativa, entende-se como ajustada à situação criada pelo arguido em relação à menor e aos resultados de ordem patrimonial (danos apurados no montante de € 1.010,85) e moral por esta sofridos que o valor da global indemnização a pagar pelo arguido seja fixado em € 20.000,00.
Proc. n.º 3663/04 - 3.ª Secção Rua Dias (relator) Pires Salpico Henriques Gaspar (tem voto de vencido