Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) -
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ACSTJ de 17-02-2005
 Competência/Poderes da Relação Matéria de facto Credibilidade de depoimento Pena de multa Pena de prisão Violação de domicílio Detenção Arma de fogo Homicídio qualificado Especial censurabilidade e/ou
I - O recurso em matéria de facto para a Relação não constitui um novo julgamento em que toda a prova documentada é reapreciada pelo Tribunal Superior que, como se não tivesse havido o julgamento em 1.ªnstância, estabeleceria os factos provados e não provados e assim indirectamente validaria ou não a factualidade anteriormente assente, mas é antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados, ou com referência à regra de direito respeitante à prova que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada.
II - Se o recorrente aceita que o teor expresso dos depoimentos prestados permite que a 1.ªnstância tenha estabelecido a factualidade apurada da forma como o fez e questiona tão só a credibilidade que, no seu entender, não deveria ter-lhes sido concedida, sem indicar elementos objectivos que imponham a sua posição, a sua pretensão fracassa pois a credibilidade dos depoimentos, quando estribadas em elementos subjectivos e não objectivos é um sector especialmente dependente da imediação do Tribunal, dado que só o contacto directo com os depoentes situados na audiência de julgamento, perante os outros intervenientes é que permite formar uma convicção que não pode ser reproduzidas na documentação da prova e logo reexaminada em recurso.
III - Se apesar de se esforçar, a 1.ªnstância não consegue estabelecer o motivo que levou o arguido a agir, mas estão presentes todos os elementos do respectivo tipo legal de crime, nenhuma dúvida se pode levantar sobre a culpabilidade do agente.
IV - Não é de optar pela pena de multa nos crimes de violação de domicílio e detenção ilegal de arma, quando o agente entra na casa do ofendido sem autorização, armado e dispara contra aquele, só não o matando por circunstâncias alheias à sua vontade.
V - Deve entender-se que do n.º 1 do art. 132.º do CP, que contém uma cláusula geral, resulta que o homicídio é qualificado, ou agravado, sempre que a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade; é essa a matriz da agravação, por forma a que sem especial censurabilidade ou perversidade, ela não ocorre. Depois, ao lado desse critério aferidor da qualificação assente na culpa e que recorta efectivamente o tipo incriminador, o legislador produz uma enumeração aberta, meramente exemplificativa pois, de indicadores ou sintomas de especial censurabilidade ou perversidade, de funcionamento não automático, como o inculca a expressão usada na lei 'é susceptível' (1.ª parte do corpo do n.º 2).
VI - Mas os indicadores enumerados não esgotam a inventariação e relevância de outros índices de especial censurabilidade ou perversidade que a vida real apresente, como resulta da expressão usada pelo legislador: 'entre outras' no segmento final do corpo do n.º 2. De concluir é, pois, que nem sempre que está presente algum dos indicadores das diversas alíneas do n.º 2 se verifica o crime qualificado, bastando para tanto que, no caso concreto, que esse indicador não consubstancie a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o n.º 1; mas que na presença deste último elemento, está-se perante um crime de homicídio qualificado mesmo que se não se verifique qualquer daqueles indicadores.
VII - Para impugnar a qualificação da conduta como constituindo homicídio qualificado, deve o arguido afirmar e demonstrar que a morte não foi produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, designadamente o índice do n.º 2 do art. 132.º do CP que tiver sido invocado, pois que, independentemente da verificação de qualquer circunstância prevista naquele n.º 2 do art. 132.º, sempre se poderia considerar incluso na previsão do n.º 1 do mesmo artigo.
VIII - Decorre do princípio da proibição da reformatio in pejus que, se em recurso só trazido pelo arguido, for ordenada a devolução do processo, não poderá a instância vir a condenar o recorrente em pena mais grave do que a infligida anteriormente. Mas a compreensão daquele princípio integra o processo justo, o processo equitativo, tributário da estrutura acusatória do processo, consagrada constitucionalmente e do princípio da acusação, que impõe que nos casos em que a acusação se conforma com uma decisão e o recurso é interposto apenas pelo arguido, ou no seu interesse exclusivo, fiquem limitados os parâmetros da decisão e condicionado no processo o poder de decisão à não alteração em desfavor do arguido.
IX - Aceita-se que seja de esperar que o Tribunal Superior, que 'desqualificou' um determinado crime, entendendo que a conduta do arguido corporizava antes o tipo simples correspondente, diminua a pena aplicável, agora numa moldura penal abstracta mais favorável. Mas tal não se impõe inevitavelmente, mesmo que a pena aplicada pelo crime mais grave, se mostre justa e adequada na nova moldura, recorrendo-se então, para baixar a pena a uma 'proporcionalidade formal' com base na diferença das molduras, e uma ficção sobre o que faria o tribunal recorrido, em vez do Tribunal Superior aplicar, como lhe compete, autonomamente a lei.
Proc. n.º 4324/04 - 5.ª Secção Simas Santos (relator) * Santos Carvalho Costa Mortágua Quinta Gomes