Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) -
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ACSTJ de 17-02-2005
 Recorribilidade Aclaração Recurso para o Tribunal Constitucional Convite ao aperfeiçoamento Conclusões da motivação Irregularidade Documentação da prova Transcrição Interesse em agir Fundamentação Ini
I - Não é recorrível a decisão que indeferir o requerimento de rectificações, esclarecimento ou reforma (art. 670.º, n.º 2, do CPC, aplicável por força do art. 4.º do CPP).
II - A decisão sobre a admissão de recurso para o Tribunal Constitucional de acórdão da Relação cabe ao Relator e é tomada por despacho (art. 414.º do CPP e 76.º, n.º 4, da LOFTC) e se o recurso foi interposto condicionalmente, não tem que ser apreciado se não se verificou a respectiva condição.
III - A jurisprudência do Tribunal Constitucional e, mais recentemente, a do STJ vão no sentido de que não pode deixar de ser conhecido um recurso, por deficiência das conclusões da motivação, sem que ao recorrente seja concedida a possibilidade de corrigir tal deficiência; o mesmo não se aplicando, no entanto, ao próprio texto da motivação que é, por um lado, imodificável e, por outro, o limite à correcção das conclusões. Não resulta assim, desta jurisprudência, nem da lei, um 'direito' do recorrente a ser convidado a corrigir as conclusões da motivação.
IV - Estando fixada jurisprudência (Ac. n.º 5/02, DR,S-A, de 17-07-02) no sentido de que 'a não documentação das declarações prestadas oralmente na audiência de julgamento, contra o disposto no art. 363.º do CPP, constitui irregularidade, sujeita ao regime estabelecido no art. 123.º do mesmo diploma legal, pelo que, uma vez sanada, o tribunal já dela não pode conhecer', se as declarações orais em audiência foram gravadas e transcritas mas não inseridas na acta, em nada é afectado o valor da sequência de actos que integram a audiência, nem fica prejudicada a possibilidade de impugnar em recurso a matéria de facto fixada pela 1.ªnstância, pelo que a irregularidade não pode 'afectar o valor do acto praticado' (n.º 2 do art. 123.º).
V - Sendo o interesse em agir a necessidade concreta de recorrer à intervenção judicial, à acção, ao processo, não pode recorrer o arguido da não inclusão na acta das transcrições dos depoimentos, pois sempre poderá recorrer quanto à questão de facto, dada a existência de gravações e subsequente transcrição.
VI - O art. 362.º do CPP não impõe a transcrição na acta de audiência dos depoimentos orais e da conjugação dos arts. 363.º, 364.º e n.º 3 do art. 412.º resulta um sistema de documentação que não exige aquela transcrição. A documentação das declarações orais em audiência é efectuada através da súmula (art. 389.º), ou através da gravação áudio magnética, seguida de transcrição (art. 412.º, n.º 3), transcrição que não faria qualquer sentido na tese contrária.
VII - Só devem ser objecto da discussão os factos da contestação que se relacionem directamente com a conduta em apreciação.
VIII - O dever constitucional de fundamentação da sentença basta-se com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como o exame crítico das provas que serviram para fundar a decisão (n.° 2 do art. 374.º do CPP) e o exame crítico da prova, exige, como o fez o tribunal colectivo, a indicação dos meios de prova que serviram para formar a sua convicção, mas, também, os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.
IX - Têm sido atribuídas à fundamentação da sentença as funções de:- contribuir para a sua eficácia, através da persuasão dos seus destinatários e da comunidade jurídica em geral;- permitir, ainda, às partes e aos tribunais de recurso fazer, no processo, pela via do recurso, o reexame do processo lógico ou racional que lhe subjaz;- constituir um verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto (iuris dicere), e, nessa medida, é garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões.
X - Os recursos são remédios jurídicos que se destinam a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados, ou com referência à regra de direito respeitante à prova que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada.
XI - Assim, o julgamento em 2.ªnstância não o é da causa, mas sim do recurso e tão só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa, em que estão presentes, face ao Código actual, alguns apontamentos da imediação (somente na renovação da prova, quando pedida e admitida) e da oralidade (através de alegações orais, se não forem pedidas e admitidas alegações escritas).
XII - Não é exacto que constitua uma regra de experiência comum inelutável que a depressão e o estado emocional de que sofria o arguido quando disparou contra ex-namorada, importe a sua inimputabilidade ou a sua imputabilidade diminuída.
XIII - O Tribunal começa por decidir qual a medida concreta da pena de prisão que vai aplicar e só se esta não for superior a 3 anos é que tem de encarar a possibilidade de suspender a sua execução e não o contrário. E compreende-se que a lei reserve a aplicabilidade daquela pena de substituição para os casos cuja gravidade não ultrapasse determinado patamar, escolhendo a medida concreta da pena a infligir como índice dessa gravidade. Essa técnica foi usada na substituição da pena curta de prisão por multa, na substituição por prisão por dias livres e na substituição pelo regime de semidetenção.
XIV - Com o crime de sequestro visa-se fundamentalmente proteger a liberdade individual, mais propriamente a liberdade física, o direito de se não ser aprisionado, encarcerado ou de qualquer modo fisicamente confinado por determinado período temporal, que relevantemente afecte a liberdade individual de locomoção a certo e determinado espaço.
XV - A intenção criminosa integra matéria de facto da exclusiva competência dos tribunais de instância.
XVI - Sendo distintos os bens jurídicos tutelados pelos tipos legais de crime de sequestro (liberdade ambulatória das pessoas, a capacidade de cada homem se fixar ou movimentar livremente no espaço físico contra a ilícita restrição, como se viu acima) e de homicídio (a vida humana) e não se verificando, entre eles, qualquer relação de especialidade, subsidiariedade ou consumpção nem se configurando nenhum dos crimes em relação ao outro como facto posterior não punível deve entender-se que a conduta do agente que sequestra uma pessoa e depois a vem a (tentar) matar comete, efectivamente, em concurso real, um crime de sequestro e um crime (tentado) de homicídio.
XVII - A distinção a fazer, e que tem sido feita pelo STJ, reside em determinar se o sequestro se limita ao essencial, ao estritamente necessário para cometer o 'crime fim', caso em que se entende que ocorre a consumpção.
XVIII - Estando provado que, devido à ruptura do namoro com a ofendida o arguido ficou profundamente perturbado psicológica e emocionalmente, com depressão nervosa e que após os factos o arguido foi sujeito a tratamento psiquiátrico, foi medicado e está controlado, mas estando não provado que tenha tido apenas uma conduta negligente, causada pelo estado de doença e de perturbação e que a depressão nervosa porque o arguido passou limitou-lhe a liberdade de agir e a capacidade psicológica, entendida esta no sentido de que não podia avaliar a ilicitude ou as consequências dos seus actos, não está estabelecido que tenha agido em desespero.
XIX - As situações a que se referem as diversas als. do n.° 2 do art. 72.º do C. Penal (atenuação especial da pena) não têm, por si só, na sua existência objectiva, um valor atenuativo especial, tendo de ser relacionados com um determinado efeito que terão de produzir: a diminuição acentuada da ilicitude do facto ou da culpa do agente.
XX - Sendo aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta proteja de forma adequada e suficiente os bens jurídicos e assegure a reintegração do agente na sociedade. Se o arguido se introduziu ilegalmente no domicilio da ofendida detendo ilegalmente uma arma com a qual a veio a tentar matar nesse local, não é adequada a opção pela de multa quanto aos crimes de violação de domicílio e detenção ilegal de arma.
Proc. n.º 58/05 - 5.ª Secção Simas Santos (relator) * Santos Carvalho Costa Mortágua Quinta Gomes