ACSTJ de 24-02-2005
Contrato de empreitada Pagamento Cheque Ónus da prova Documento particular Força probatória Matéria de facto Impugnação Denominação social
I - Os documentos particulares, tal como os cheques, fazem prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor na medida em que forem contrárias aos interesses deste (art.º 376, n.ºs 1 e 2, do CC), desde que satisfaçam os requisitos previstos nos art.ºs 373 e seguintes, estando a sua força probató-ria, fora desses limites, sujeita à livre apreciação do tribunal (art.º 366). II - Controvertendo-se o pagamento do preço de empreitada mediante cheques com base nos quais - além de factos compreendidos nas declarações dos donos da obra sacadores, tais como os nomes do sacado e da empreiteira tomadora, a data da emissão, o montante a pagar, a assinatura dos emiten-tes - foram ainda considerados provados pelas instâncias, em exercício de livre convicção probató-ria e mercê de presunção judicial, a partir de elementos inseridos no verso dos títulos, os factos da apresentação a pagamento e da satisfação deste pelo sacado à empreiteira portadora, improcede a impugnação nesta parte da decisão de facto perante o tribunal de revista, por se tratar de matéria alheia à competência deste, definida nos art.ºs 722, n.º 2, e 729, n.º 2, do CPC. III - Falece inclusivamente a objecção da empreiteira recorrente segundo a qual não pode ser considera-da beneficiária de quatro cheques em que figuram no lugar do tomador, respectivamente, as deno-minações REMCO, RENCO, REMCO e REMKO, Lda., sendo a sua denominação social A, quan-do é notório o uso bancário e comercial de similares abreviaturas de denominações societárias, e qualquer das enunciadas apresenta exactamente a mesma expressão fonética do elemento principal da sua, conquanto não reproduzida através da ortografia devida. IV - Merece igualmente rejeição o argumento subsidiariamente aduzido pela recorrente no sentido de impender sobre os réus o ónus da prova, por eles incumprido, de que o pagamento dos cheques à empreiteira teve lugar a título de pagamento do preço, e não a diverso título, posto que a falta de cumprimento dos donos da obra constituiria então facto constitutivo do direito da autora, à qual competiria por isso o respectivo ónus probatório (art.º 342, n.º 1, do CC), resolvendo-se na prova de que a emissão dos cheques deveria ser imputada numa outra concreta obrigação, o que nem sequer alegou. V - A decisão da Relação emitida ao abrigo do n.º 3 do art.º 659, por remissão do n.º 2 do art.º 713 do CPC, em função de um julgamento de facto a que nesse momento deve haver lugar, cuja natureza se afere pelos termos do primeiro normativo citado, não se encontra estritamente vinculada ao domínio factual definido pela especificação e as respostas ao questionário. VI - É o caso da decisão de aditamento da matéria de facto à sombra do n.º 3 do art.º 659, mediante a qual a Relação considerou provado, por confissão escrita da empreiteira autora na petição inicial, ter esta recebido dos réus donos da obra determinados adiantamentos a título de preço da empreitada. VII - mprocede, por conseguinte, a impugnação desta decisão a pretexto de que tal matéria, além de ter sido vertida num quesito que mereceu a resposta 'não provado', nem sequer constava da alegação da apelação e suas conclusões, sendo consequentemente interdito o seu conhecimento, sob pena da nulidade tipificada na segunda parte da alínea d) do n.º 1 do art.º 668, por haver transitado em julgado. VIII - A declaração 'votei a decisão', emitida pelos juízes adjuntos na assinatura do acórdão sob revista, compreende uma pluralidade indeterminada de significações que inviabiliza, sem mais, apurar a acepção que assume no caso concreto.
Revista n.º 2573/03 - 2.ª Secção Lucas Coelho (Relator) * Bettencourt de Faria Moitinho de Almeida
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