Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) -
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ACSTJ de 02-02-2006
 Medidas de segurança Prevenção geral Medida da pena Princípio da necessidade Princípio da subsidiariedade Princípio da proporcionalidade Cúmulo jurídico Roubo Crimes de perigo Bem jurídico protegido
I - As medidas de segurança têm como finalidade a defesa social, a prevenção da prática de ilícitos-típicos futuros pelo agente perigoso que cometeu já um ilícito típico; estão sujeitas, por isso, aos princípios da necessidade, da subsidiariedade e da proporcionalidade, de harmonia com o estabelecido no art. 18.º, n.º 2, da Constituição.
II - Isso significa que “uma medida de segurança só possa ser aplicada para defesa de um interesse comunitário preponderante, em medida que se não revele desproporcional à gravidade do ilícito-típico cometido e à perigosidade do agente” (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português II, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 429).
III - Tal resulta do disposto nos arts. 91.º e 92.° do CP: o internamento só pode ser decretado quando existir um receio sério de que o inimputável possa cometer outros factos da mesma espécie e deve terminar quando for possível ao tribunal verificar a cessação do estado de perigosidade que deu origem à medida.
IV - Diferentemente das penas, a medida de segurança não se destina a vigorar durante um período pré-fixado. Por isso se afirma, face à essência e natureza político-criminais das medidas de segurança de internamento, que elas não têm máximos de duração legalmente determinados (Figueiredo Dias, op. cit., pág. 472), o que não quer dizer que não deva ser indicado na decisão um máximo da duração da medida, o qual corresponde ao limite máximo da pena abstractamente prevista para o crime objectivamente praticado pelo inimputável.
V - O que acaba de se referir, comporta, porém, excepções. Assim, e no que respeita ao limite mínimo, a lei (art. 91.º, n.° 2, do CP) determina que nos casos de crimes contra as pessoas ou de crimes de perigo comum, quando puníveis com pena de prisão superior a 5 anos, a medida de internamento tenha uma duração mínima de três anos, não por se tratar simplesmente duma presunção de duração da perigosidade, mas porque, conforme elucida o Prof. Figueiredo Dias, “tendo sido cometido um crime grave contra as pessoas ou violento, há razões particulares de tranquilidade social e de tutela da confiança comunitária nas normas a que a política criminal tem de responder, mesmo perante inimputáveis, através da aplicação de uma medida de segurança. ... Em suma, também no âmbito das medidas de segurança ... a finalidade de prevenção geral de integração cumpre a sua função” (op .cit., pág. 428).
VI - Tal permite explicar a opção do legislador no sentido de, mesmo nesse caso, a libertação do inimputável ser possível se se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
VII - Similar excepção se observa quanto à regra de que a medida de segurança não se prolongue para além do máximo da moldura abstracta da pena correspondente ao ilícito-típico praticado pelo inimputável. Se o inimputável tiver praticado factos susceptíveis de integrarem crime punível com pena de prisão superior a 8 anos e se, atingido o tempo máximo da medida, se mantiver o perigo grave da prática de novos factos que desaconselhe a libertação, a medida pode ser prorrogada, por decisão judicial, por períodos sucessivos de 2 anos, até que cesse o estado de perigosidade criminal.
VIII - No caso de o agente ter praticado diversos ilícitos-típicos, não haverá que falar de cúmulo jurídico de medidas de segurança, desde logo, porque “não há, neste caso, a fixação, como nas penas, de um quantum exacto, em que a pena parcelar mais elevada funcionasse como limite mínimo e o somatório delas como limite máximo” (Ac. do STJ, de 23-09-2004, proferido neste processo).
IX - “A medida de segurança de internamento pode ter um limite mínimo de 3 anos, nos termos do art. 91.º, n.º 2, do CP, mas tal mínimo não é seguramente o correspondente da medida de segurança de internamento parcelar mais elevada para efeitos de eventual cúmulo. E, quanto ao limite máximo, não sendo fixada, devido às finalidades prosseguidas, uma medida de internamento exacta, mas só como referência em princípio inultrapassável, o limite máximo correspondente ao tipo de crime cometido (art. 92.º, n.ºs 2 e 3, do CP), também se não pode falar da soma das medidas concretamente aplicadas, para efeitos de estabelecer o limite máximo de um concurso de medidas de segurança” (Ac. do STJ, de 23-09-2004, proferido neste processo).
X - O que se disse não impede, contudo, a fixação de uma medida única para compatibilizar as várias medidas de segurança aplicáveis.
XI - Embora sendo, na sistemática do Código, crime contra o património, o crime de roubo é quanto ao bem jurídico protegido um crime complexo, em que, a par do património, são lesados bens jurídicos pessoais, como a liberdade individual de decisão e de acção, a integridade física e até a vida, embora a ofensa destes bens pessoais surja como o meio de lesão dos bens patrimoniais.
XII - Atendendo à teleologia da norma do n.° 2 do art. 91.º, e uma vez que, conforme acima se referiu, são razões de prevenção geral - tranquilidade social e tutela da confiança comunitária nas normas a que a política criminal tem de responder - que justificam tal preceito legal, forçoso será concluir que a referência a “crimes contra as pessoas” respeita especialmente ao bem jurídico protegido pela norma violada, no seu âmbito cabendo o crime de roubo. Doutro modo, mal se compreenderia que, apesar da gravidade do resultado, nos casos do art. 210.º, n.º 2, al. a) [perigo para a vida da vítima ou ofensa à integridade física grave], ou do n.° 3 [morte de outra pessoa], o arguido inimputável não ficasse sujeito a uma medida de segurança com um mínimo de duração, enquanto o estaria se praticasse um crime de perigo.
Proc. n.º 2429/05 - 5.ª Secção Arménio Sottomayor (relator) Carmona da Mota Pereira Madeira