ACSTJ de 21-10-2009
Poderes do Supremo Tribunal de Justiça Matéria de facto Despedimento Despedimento de facto Declaração negocial Declaração tácita
I -Nos termos do disposto no art.º 664.º do CPC, compete ao Supremo Tribunal de Justiça apreciar, ex officio, a correcção do juízo de qualificação de uma expressão como conclusiva, por envolver a indagação, interpretação e aplicação de regras de direito. II - Só os factos concretos podem ser objecto de prova, pelo que as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas da base instrutória e, quando isso não suceda e o Tribunal sobre elas emita veredicto, deve este ter-se por não escrito. III - A afirmação de que alguém despediu outrem pressupõe o apuramento de factos concretos susceptíveis de integrar o conceito de despedimento, encerrando a mesma um juízo de valor que, apresentando-se como determinante do sentido a dar à solução do litígio, depende, inexoravelmente, do que, conclusivamente, for apurado quanto à verificação, ou não, do alegado despedimento da A, devendo, pois, aquela asserção ser eliminada do elenco dos factos provados. IV - A mera afirmação de que alguém disse algo não comporta, em si, um juízo de valor sobre aquilo que se afirma ter sido dito, representando antes a expressão de uma realidade consubstanciada no teor da declaração, cuja percepção se atinge directamente através dos sentidos, não carecendo, para ser alcançada e afirmada, de suporte elaborativo intelectual no domínio dos conceitos e/ou da subsunção de factos nas categorias que eles traduzem, pelo que os termos da declaração são susceptíveis de prova. V - O despedimento traduz-se na ruptura da relação laboral, por acto unilateral da entidade patronal, consubstanciado em manifestação de vontade de fazer cessar o contrato de trabalho, sendo um acto de carácter receptício, pois, para ser eficaz, implica que o atinente desígnio seja levado ao conhecimento do trabalhador, mediante uma declaração feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio de manifestação da vontade (declaração negocial expressa) ou que possa ser deduzida de actos equivalentes, que, com toda a probabilidade a revelem (declaração negocial tácita). VI - Essa declaração tem sempre de ser dotada do sentido inequívoco de pôr termo ao contrato, que deve ser apurado segundo a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário e que, como tal seja entendida pelo trabalhador. VII - Esta exigência de inequivocidade visa evitar tanto o abuso de despedimentos efectuados com dificuldade de prova para o trabalhador como obstar ao desencadear das suas consequências legais quando não se mostre claramente ter havido ruptura indevida do vínculo laboral por parte da entidade patronal. VIII - Não consubstancia um despedimento, a comunicação verbal feita pela entidade empregadora a uma trabalhadora de que «não a queria lá mais a trabalhar nas condições que tinha e que só continuava a trabalhar para a R. caso aceitasse a redução do salário que auferia e passasse a trabalhar em turnos, devendo nesse mesmo dia começar a trabalhar no turno das 15 às 24 horas», uma vez que o sentido que um declaratário normal poderia retirar dessas palavras, naquele contexto, era o de que a declarante pretendia alterar as condições do contrato. IX - Tendo a empregadora feito depender a manutenção do contrato, das indicadas condições, era à trabalhadora que competia decidir se a relação laboral se deveria manter ou não, no primeiro caso, quer aceitando as condições, quer recorrendo aos meios legalmente disponíveis, em ordem a obter o cumprimento do contrato, tal como fora celebrado e vinha sendo executado, e no segundo caso, resolvendo o contrato, com invocação de justa causa. X - A normalidade do declaratário que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante, pelo que, perante uma eventual dúvida, suscitada pelos termos em que a empregadora se dirigiu à trabalhadora, não estava esta dispensada do cuidado de obter mais elementos a fim de se esclarecer sobre a vontade real daquela. XI - O demonstrado comportamento da empregadora de, durante o período de baixa por doença da trabalhadora, ter retirado do gabinete por esta habitualmente usado todos os ficheiros dos seus clientes e toda a documentação técnica e organizativa de apoio àqueles, livros e documentação científica e técnica da trabalhadora e todos os instrumentos de trabalho e objectos pessoais que ali havia deixado quando iniciou a baixa médica, não permite, por si só, formular um juízo seguro sobre a real intenção da empregadora, tendo em vista o seu despedimento, tanto mais que está demonstrado que a trabalhadora se apresentou ao trabalho oito dias antes da data prevista para o termo final da baixa e nesse dia lhe foi feita a comunicação referida em VIII.
Recurso n.º 272/09.5YFLSB -4.ª Secção Vasques Dinis (Relator) * Bravo Serra Mário Pereira
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