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Processo n.º 483/12
3.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, vieram A. e esposa B. interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, com as alterações posteriores (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante, LTC).
2. Delimitando o objeto do recurso, referem os recorrentes o seguinte:
“(…) a concreta norma jurídica cuja constitucionalidade/inconstitucionalidade deve ser verificada é o artº. 89º-A, n.º 3 da LGT. Melhor e mais exatamente: o entendimento que lhe foi atribuído (…)
(…) será inconstitucional o entendimento da norma em apreço da LGT segundo o qual ele [contribuinte] tenha que provar que, para além de ter património global e conjuntualmente suficiente e completamente capaz de suportar um tal custo, tenha ainda – segundo ónus! – de demonstrar que concreta parcela desse património é que haja afetado ao suprimento que haja sido considerado como manifestação de riqueza não explicitada.”
3. No Tribunal Constitucional, foi proferida Decisão sumária de não conhecimento do recurso.
Na fundamentação de tal decisão, refere-se, nomeadamente, o seguinte:
“(…)A identificação da decisão recorrida constitui um requisito formal do requerimento de interposição de recurso, indispensável para que o Tribunal Constitucional aprecie, desde logo, a presença dos pressupostos de admissibilidade do recurso, que implicam um juízo relacional com tal decisão, nomeadamente a verificação do esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a efetiva aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão; a suscitação da questão de constitucionalidade normativa, prévia à prolação da decisão, de modo processualmente adequado, perante o tribunal a quo (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Na presente situação, não obstante os recorrentes não procederem a tal identificação, logo no início do requerimento de interposição de recurso, resulta da exposição plasmada no referido articulado que a decisão recorrida corresponde à proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo.
De facto, tal identificação resulta expressamente do excerto que, seguidamente, se transcreve:
“Os Recorrentes têm plena legitimidade para a interposição do presente recurso, o que decorre prima facie do disposto no artº. 72º, nº. 1, b) da LTC, sublinhando-se que essa sua legitimidade também emerge claramente verificada da circunstância de terem, ainda agora os Recorrentes, “suscitado a questão da inconstitucionalidade…de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida – esse mesmo Venerando Supremo Tribunal Administrativo (e também aliás o Tribunal Central Administrativo do Norte) – em termos de este estar obrigado a dela conhecer”
Aliás, os recorrentes dirigiram o requerimento de interposição de recurso aos Conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo, tendo sido este Tribunal a proferir o despacho de admissão do recurso (artigo 76.º, n.º 1, da LTC).
(…) Feito este esclarecimento prévio, detenhamo-nos sobre os pressupostos de admissibilidade do presente recurso de constitucionalidade.
O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso, da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa - como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa; artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
(…) Analisado o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 2 de maio de 2012, verifica-se que o mesmo não aplicou a interpretação enunciada, pelos recorrentes, como objeto do recurso.
Na verdade, o referido aresto considerou não estar verificada a invocada oposição de acórdãos, não se tendo, por isso, debruçado substancialmente, sobre o artigo 89.º-A, n.º 3, da Lei Geral Tributária ou aderido a qualquer interpretação normativa do mesmo extraível.
A asserção precedente é facilmente comprovada pela leitura do seguinte excerto:
“Nos autos foi proferido despacho (cfr. fls. 460 e ss) no qual o Exmo. Relator julgou verificada a oposição relativamente a essa questão.
Mas porque tal decisão não faz, nesse âmbito, caso julgado, nem impede ou desobriga o Tribunal de recurso de a apreciar (…) importa, então, averiguar se a alegada oposição de acórdãos se verifica.
(…)
Neste contexto, importa, então, apreciar se se verifica, ou não, a suscitada oposição, no que respeita à questão em apreciação, que, segundo os recorrentes, consiste em determinar qual é a prova legalmente exigida ao contribuinte nos termos do nº 3 do art. 89º-A da LGT, para que não haja lugar à avaliação indireta da matéria coletável (…)
(…)
No acórdão recorrido entendeu-se que a prova efetuada pelos recorrentes, da existência de outras fontes ou meios de rendimento de valor substancialmente superior ao da manifestação de fortuna evidenciada e comprovadamente excluídos de tributação, não era suficiente para dar cumprimento à inversão do ónus da prova estabelecida no nº 3 do art. 89º A da LGT, já que estes, igualmente se encontravam obrigados a provar a concreta afetação daqueles meios à manifestação de fortuna evidenciada.
Por sua vez, no acórdão fundamento (o acórdão deste STA, proferido em 27/5/2009, no processo nº 403/2009) (…) “ (…) não foi expressamente apreciada a questão de saber se basta a prova de meios de rendimento de valor superior ao da manifestação de fortuna ou se o contribuinte está obrigado a provar a concreta afetação desses meios à manifestação de fortuna evidenciada», sendo que (…) «no caso em apreciação naquele recurso, se considerou ter o contribuinte provado a origem dos meios que permitiram as manifestações de fortuna, tendo este justificado integralmente as aquisições com bens próprios e com empréstimos bancários.
Em parte alguma do acórdão foi chamada à discussão a questão de saber se bastava o contribuinte provar abstratamente a posse de bens de valor idêntico ou superior aos das manifestações de fortuna, ou se era exigido a prova da concreta aplicação dos meios.»
E assim sendo, não tendo havido apreciação expressa da referida questão, também não pode afirmar-se ter-se ali decidido de forma contrária à do acórdão recorrido, o que tanto basta para se reconhecer a inexistência de oposição.
Pelo que, perante o exposto, não ocorrendo os pressupostos para a oposição de acórdãos, o recurso tem de ser julgado findo.”
Nestes termos, não correspondendo a ratio decidendi da decisão recorrida à interpretação selecionada, pelos recorrentes, como objeto do recurso, conclui-se, desde já, não ser o mesmo admissível, tornando-se ociosa a discussão sobre a existência dos restantes pressupostos de admissibilidade, atenta a sua necessária verificação cumulativa.”
É esta a Decisão sumária que é alvo da presente reclamação.
4. Os reclamantes referem discordar do entendimento seguido na decisão sumária proferida, alegando que o mesmo colide com o disposto no artigo 6.º da LTC, disposição que, de forma clara, refere ser da competência do Tribunal Constitucional a apreciação da constitucionalidade das normas jurídicas.
Especificam que a questão de constitucionalidade, que constitui objeto do recurso, foi colocada perante o Supremo Tribunal de Administrativo e a falta de pronúncia por esta Instância – com fundamento na inexistência de oposição de acórdãos – não deve prejudicar a possibilidade de a parte obter uma objetiva apreciação da questão suscitada.
Reiteram que pretendem ver apreciada a inconstitucionalidade da “interpretação e integração do artigo 89.º A, n.º 4, da Lei Geral Tributária no sentido que lhe é atribuído pela Administração Fiscal e pelas instâncias recursivas subsequentes que (…) foram unânimes na “criação” de requisitos probatórios que na letra da lei nem no seu espírito têm qualquer suporte, acarretando, consequentemente, a inconstitucionalidade das decisões recorridas.”
Após analisarem as especificidades do caso concreto em discussão, concluem os reclamantes que a manutenção do decidido nas instâncias permite uma tributação ilegal, por não ser incidente sobre o rendimento real dos sujeitos passivos, tal como é imperativo constitucional.
Assim, abstendo-se o Tribunal Constitucional de conhecer efetivamente da questão colocada, estará a sufragar um entendimento inconstitucional da Lei.
Pelo exposto, terminam pugnando pela procedência da reclamação.
5. A Fazenda Pública, em resposta, manifesta a sua concordância com a decisão reclamada, mais referindo que o recurso nunca poderia ser admitido, uma vez que a decisão da questão controvertida assentou na insuficiência de prova, patente através da apreciação da matéria de facto, e não numa especial interpretação do n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT.
Conclui, nestes termos, pelo não provimento da reclamação e pela manutenção da decisão sumária proferida.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentos
6. Analisada a reclamação apresentada, conclui-se que os argumentos aduzidos pelos reclamantes não infirmam a correção do juízo efetuado, na decisão sumária proferida, consubstanciando-se sobretudo numa manifestação de discordância face ao sentido de tal decisão.
Aparentemente, desvalorizam os reclamantes a importância da opção que fizeram quanto à escolha da decisão recorrida e a função instrumental do recurso de constitucionalidade,
A exigência de que o critério normativo, cuja sindicância é pretendida, corresponda à ratio decidendi da decisão recorrida prende-se com o caráter instrumental do recurso de constitucionalidade.
Tal caráter ou função instrumental traduz-se na exigência de suscetibilidade de o julgamento da questão de constitucionalidade se repercutir, de forma útil e eficaz, na solução jurídica do caso concreto, através da alteração da decisão recorrida.
Ora, no presente caso – como se refere na decisão sumária - o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo não se debruçou substancialmente sobre o artigo 89.º-A, n.º 3, da Lei Geral Tributária, não aderindo, em consequência, a qualquer interpretação normativa extraível de tal preceito.
Assim, qualquer eventual juízo de inconstitucionalidade sobre critério normativo fundado no referido artigo 89.º-A, n.º 3 - manifestamente não convocado pela decisão recorrida, como ratio decidendi - não traria qualquer efeito útil, por ser naturalmente insuscetível de alterar o sentido de tal decisão.
Pelo exposto, sem necessidade de ulteriores considerações, face às já expendidas na decisão sumária reclamada, que merece a nossa concordância, damos por reproduzida a sua fundamentação e, em consequência, concluímos pelo indeferimento da reclamação apresentada.
III - Decisão
7. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se confirmar a decisão sumária reclamada, proferida no dia 10 de outubro de 2012, e, em consequência, indeferir a reclamação apresentada.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 21 de novembro de 2012.- Catarina Sarmento e Castro – Vítor Gomes – Maria Lúcia Amaral.