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Processo n.º 510/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
A Ordem dos Advogados, representada pelo seu Bastonário, propôs uma ação, com processo sumaríssimo, contra A., pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 5.000,00, acrescidos de juros de mora (processo n.º 2431/10.9TBPRD, do 2.º juízo cível do Tribunal Judicial de Paredes).
O Réu contestou, invocando, além do mais, a prescrição do direito de crédito invocado pela Autora.
Foi proferida sentença em 9 de janeiro de 2012 que julgou parcialmente procedente a ação, tendo condenado o Réu a pagar à Autora a quantia de € 5.000,00, tendo absolvido o Réu do pedido de pagamento de juros.
O Réu arguiu a existência de nulidades da sentença e pediu a sua aclaração e reforma, o que foi indeferido por despacho proferido em 5 de março de 2012.
O Réu recorreu então da sentença para o Tribunal Constitucional, ao abrigo das alíneas b) e f), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), nos seguintes termos:
“A admissibilidade do presente recurso tem como fundamentos:
A. O disposto no art.º 70.º n.º 1 alínea b) e n.º 2 da Lei 28/82; e
B. O disposto no art.º 70.º n.º 1 alínea f) e n.º 2 da mesma Lei.
C. Trata-se de um processo cível na forma sumaríssima em que o sistema apenas admite ao Réu o articulado de contestação.
As leis e interpretações aplicadas constituíram pois, para o aqui recorrente, um efeito surpresa, pelo que as questões de inconstitucionalidade apenas puderam e poderiam ser discutidas em sede de reforma e aclaração de sentença.
Manteve todavia o Tribunal a quo, não só a mesma decisão, como a integralidade da fundamentação jurídica e logo as inconstitucionalidades.
As questões de inconstitucionalidade e ilegalidade recorridas foram suscitadas no requerimento de arguição de nulidades, aclaração e reforma da sentença.
A. 1. a.) Ao entender aplicável à prescrição de sanções aplicadas no âmbito da alínea c) do n.º1 art.º 101.º da Lei 84/84 na redação da Lei 80/2001 de 20 de julho o art.º 205 da Lei 15/2005, apenas porque o processo disciplinar se iniciou já no momento temporal de vigência da Lei Nova, foi violado o princípio Constitucional da “Igualdade perante a lei” já que para arguidos que tenham praticado a mesma infração, no mesmo momento temporal e punidos com a mesma pena, veriam a prescrição desta pena com estatuição diferente, pelo simples facto, a que são alheios, de o procedimento disciplinar ter ocorrido na véspera ou no dia seguinte à entrada em vigor da Lei nova.
b.) Princípio da Igualdade que volta a ser violado quando se entende aplicável à prescrição das penas disciplinares a alínea d) do n.º1 do art.º 122.º do código Penal. Tal entendimento não só pela unicidade da prescrição face à pluralidade das penas e gravidade das condutas, como pela desproporcionalidade face a outros estatutos paralelos, fere pela desproporcionalidade o art.º 13.º n.º 1 da Constituição
c.) O regime sancionatório é integrado por razões de pacificação e segurança pelo instituto da prescrição de penas. Aplicar um regime prescricional de sanção diverso do que existia à data da consumação da infração é alterar a própria sanção. O entendimento manifestado na sentença e mantido na aclaração violou o princípio da não retroatividade das penas - princípio da legalidade, na sua vertente de princípio “nulla poena sine lege” que o art.º 29.º n.º 3 e n.º 4 da Constituição da República consagra
B. O art.º 150.º n.º1 — ex vi do n.º 6 do art.º 155.º da Lei n.º 15/2005, de 26 de janeiro na redação do DL n.º 226/2008, de 20 de novembro estatuem a notificação pessoal ou por via postal para o acórdão disciplinar. Quando pela via postal a notificação é efetuada “através de carta registada com aviso de receção.”
Na douta sentença entendeu-se aplicável o art.º 64.º/3 do Regulamento Disciplinar n.º 42/2002 que ao remeter para o art.º 15 do mesmo regulamento estabelece, no seu n.º 2, que a notificação se considera efetuada desde que seja enviada para o escritório que constitua domicílio necessário, “independentemente de receção”.
A interpretação de que o art.º 64.º/3 se reporta ao 15.º/2 do mesmo constitui uma violação aos princípios da Lei habilitante que excecionando a abolição dos avisos de receção nas notificações a repristinou como garantia de efetiva receção.
Esta interpretação torna ilegal a referida norma do art.º 64.º/3 ex vi do art.º 112.º n.º 5 da Constituição…”
Foi proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso com a seguinte fundamentação:
“Os recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (n.º 2 do artigo 72.º da LTC).
No caso, o próprio recorrente afirma que apenas suscitou as questões referidas no requerimento de interposição do recurso no requerimento de reforma e aclaração da sentença. Acontece que o pedido de reforma e de arguição de nulidades da sentença já não é o momento atempado para suscitar, pela primeira vez, uma questão de constitucionalidade ou de ilegalidade. No caso, não se verifica qualquer circunstância excecional que possa justificar uma suscitação tardia, designadamente, porque as alegadas questões de inconstitucionalidade ou ilegalidade estão relacionadas com matérias que o próprio recorrente discutiu na sua contestação, pelo que não estava dispensado do ónus de prevenir a suscitação de tais questões no âmbito dessa mesma contestação.
Assim, independentemente da eventual falta de normatividade das questões em causa, sempre se mostra inadmissível o recurso por falta de suscitação atempada daquelas questões.”
O Recorrente reclamou desta decisão com a seguinte argumentação:
“Desatentou-se na decisão, a natureza sumaríssima do procedimento judicial em que o aqui reclamante se viu envolvido, para além de se estender o “ónus de prevenção” à insólita situação de o transformar em dever de profecia ou adivinha!
O processo sumaríssimo como é sabido comporta apenas dois articulados; a petição – artº 793º do C.P.C.- e a contestação – artº 794º! Ambas as peças devem ser apresentadas de forma simples, não articulada e logo integradas com a indicação das provas.
A sentença não admite recurso, mas não esgota de imediato o poder jurisdicional! A decisão que corrija nulidades, a aclare ou a reforme considera-se como seu “complemento e parte integrante” da sentença – ut artº 670º nº 1 do C.P.C.
E é um facto que o Juiz, a pedida da parte, pode alterar o sentido da sua decisão e reformar a sentença quando:
a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;
b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.
Anota-se, que esta extensão do poder judicial apenas ocorre, quando não couber recurso da decisão!
É, entre outros, o caso do Processo Sumaríssimo!
O nº 2 do artº 72º da LTC impõe ao recorrente o ónus de suscitar a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer.
No requerimento de interposição do recurso, o aqui recorrente deixou firmado, que
“As questões de inconstitucionalidade e ilegalidade recorridas foram suscitadas no requerimento de arguição de nulidades, aclaração e reforma da sentença.”
Mas não sem que antes tenha esclarecido que
“As leis e interpretações aplicadas constituíram pois, para o aqui recorrente, um efeito surpresa, pelo que as questões de inconstitucionalidade apenas puderam e poderiam ser discutidas em sede de reforma e aclaração de sentença.
Manteve todavia o Tribunal a quo, não só a mesma decisão, como a integralidade da fundamentação jurídica e logo as inconstitucionalidades.
Diga-se que o requerimento de arguição de nulidades, aclaração e reforma era plausível já que, o que ali foi colocado em termos de pedido mediato era a questão do erro manifesto na determinação da norma aplicável!
E isto, acrescente-se, em ambas as questões, a da constitucionalidade e a da ilegalidade, que se prendem com a pretensão que se espera seja apreciada neste Colendo Tribunal.
Questão da Constitucionalidade:
Qual a norma que se aplica para a apreciação do prazo prescricional de uma pena de multa aplicada nos termos da alínea c) do nº1 do artº 101º do EAO (Estatuto da Ordem dos Advogados), na redação que lhe foi dada pela Lei nº 80/2001?
Para o réu é aplicável o artº 110º da dita Lei 80/2001! – 6 meses
A Mma Juiz encontrou aplicável o artº 205º da Lei 15/2005 e por via deste o artº 122º nº1 alínea d) do Código Penal! – 4 anos
Questão da ilegalidade:
Em processo disciplinar com tramitação da Lei n.º 15/2005, de 26 de janeiro na redação do DL n.º 226/2008, de 20 de novembro, aonde a notificação da decisão tem de ser pessoal ou por via postal, impondo-se, nesta última o aviso de recepção, quando se considera efetuada a notificação?
Para o Réu, apenas quando e na data em que o visado assinou o aviso de receção – artº 150º nº1 - ex vi do nº6 do artº 155º
Para a Mma Juiz a notificação feita pelo correio com aviso de receção tem-se por efetuada independentemente de receção ex vi dos artºs 64º nº 3 e 15º do Regulamento Disciplinar n.º 42/2002
Isto é. Ambas as questões apresentadas a este Colendo Tribunal integraram na 1ª instância fundamento para apreciação de erro na determinação da norma aplicável!
Teve pois o juiz a possibilidade de se pronunciar sobre as questões ora recorridas, antes da sua decisão final. Aquela em que indeferiu a reforma da sentença!
E poderia tê-las apreciado, deferindo ou indeferindo a reforma da sentença em termos de tempestiva eficácia.
PELO SUPRA EXPOSTO ENTENDE O RECLAMANTE, AO CONTRÁRIO DO CONSIGNADO PELO EXMO RELATOR QUE EM PROCESSO SUMARÍSSIMO SE A QUESTÃO DA CONSTITUCIONALIDADE OU DA ILEGALIDADE SE PRENDER COM A DETERMINAÇÃO DA NORMA APLICADA, A ARGUIÇÃO DE NULIDADES E REFORMA DA SENTENÇA, AINDA É MOMENTO PARA SE SUSCITAR QUESTÕES DE CONSTITUCIONALIDADE OU DE ILEGALIDADE, UMA VEZ QUE NÃO ESTÁ ESGOTADO O PODER JURISDICIONAL DO JUIZ E ESTE PODE ALTERAR O SENTIDO DA SUA DECISÃO
Questão do ónus de prevenir a suscitação das questões de constitucionalidade:
Recordemos que a ação foi intentada pela Ordem dos advogados pedindo que o Réu fosse condenado a pagar-lhe a si Ordem, o montante de uma multa disciplinar que tinha aplicado ao Réu.
É assim Verdade que foi o Réu que no seu único e possível articulado, levantou como facto impeditivo à pretensão da autora, a questão da irregularidade da notificação da decisão disciplinar e como facto extintivo, a prescrição da multa!
E é verdade que estas duas questões se relacionam com as questões de legalidade e inconstitucionalidade.
Poderia todavia o réu, logo na contestação, prevenir-se e suscitar essas questões?
Claro que não! Só se pode prevenir o que é previsível!
Em resumo de síntese:
Diz o Réu; - a Lei de 2005 exige que a notificação do acórdão seja pessoal ou, se pelo correio, com aviso de receção – artº 125º nº 2 ex vi 130º nº 5
- Não foi notificado pessoalmente
- Cabe ao autor o ónus de provar essa notificação
- O aviso de receção não está assinado pelo Réu
Deveria em cumprimento do ónus da LTC ter ainda alegado:
- A Lei 15/2005 revogou o Decreto-Lei n.º 84/84
- Mantém todavia idêntica regulamentação quanto à forma da notificação do acórdão – artº 150º nº ex vi artº 155º nº 6
- À data da decisão disciplinar a Lei 15/2005 ainda não dispunha de Regulamento Disciplinar específico
- O qual só apareceu em dezembro de 2010 - Regulamento n.º 873/2010
- O regulamento 42/2002, apesar de revogado, é aplicável até ser substituído por outro mas apenas “quanto ao que fôr necessário para a execução da nova lei”
- os artigos 64º e 15º nº2 do Regulamento, face ao primado da Lei sobre o Regulamento, não se afigurem como aplicáveis ao caso dos autos, por estar em causa a NOTIFICAÇÃO DO ACÓRDÃO
O artigo 15º nº 2 reporta-se a regra geral das notificações
O artº 64º nº 3 reporta-se à forma da notificação e não há sua eficácia; deve entender-se como referindo-se ao nº1 e não ao nº 2 do artº 15
- Se colher o entendimento de que a notificação por carta registada com aviso de receção se tem por efetuada independentemente da receção pratica-se uma ilegalidade.
Tal alegação seria quanto muito insólita, se é que não seria mesmo vista como elemento perturbador do processo e de chicana processual
Disse também o Réu – Fui condenado em multa ao abrigo do artº 101º da Lei 80/2001.
- De harmonia com o artº 101º dessa Lei a pena prescreve em seis meses, já decorridos desde a data da sentença que a aplicou
Deveria em cumprimento do ónus da LTC ter ainda alegado:
- Há data do acórdão disciplinar já se encontrava em vigor a Lei 15/2005
- Essa Lei só é aplicável se mais favorável.
- O que se traduz em ato inútil porquanto o prazo já está precludido face à Lei da data da infração
Mas se, por mera hipótese, se entender que é aplicável:
- A nova Lei é omissa quanto ao regime de prescrição de penas
- Para a integração da lacuna deverá recorrer-se ao artº 26º da Lei 58/2008, cujo prazo é menor, mostrando-se também já prescrita a pena
E se, por sub-hipótese, se entender que a Lei nova é aplicável e à omissão se aplica a regra nela estabelecida e que remete para o Código Penal
Dever-se-á atentar que o Código Penal não prevê multas disciplinares e como tal é também omisso quanto ao regime prescricional destas penas
E se, por sub-sub-hipótese, se entender que a Lei nova é aplicável e à omissão se aplica a regra nela estabelecida e que remete para o Código Penal, e que neste se aplica a regra dos quatro anos do artº 122º nº 1 alínea c)
- Dever-se-á atentar no reenvio para a Lei vigente à data dos factos estabelecido no artº 2º deste Código, o que se traduz no reconhecimento da prescrição
E se, por sub-sub-sub-hipótese, se entender que a Lei nova é aplicável, à omissão se aplica a regra nela estabelecida e que remete para o Código Penal, que se não aplica a regra do artº 2, e que neste se aplica a regra dos quatro anos do artº 122, então haverá que conferir a constitucionalidade dessa interpretação
Tal alegação seria mais do que insólita, seria uma completa manipulação dos direitos e obrigações a que a parte envolvida no processo está sujeita!
A inconstitucionalidade operou-se na ocasião em que o Juiz lavrou a sua sentença. Verificou-se de uma forma absolutamente inesperada. Não era minimamente previsível à data da contestação
Tem vindo esse Colendo Tribunal a doutrinar que em circunstâncias excecionais, anómalas (cfr., v.g., os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 94/88, 51/90, e 61/92, publicados no Diário da República, II Série, de 22 de agosto de 1988, 12 de julho de 1990 e 18 de agosto de 1992, respetivamente) o nº 2 do artº 72 da LOTC conhece restrições, admitindo-se diferir para o momento da interposição do recurso de constitucionalidade a definição da questão de constitucionalidade que se quer ver apreciada, dada a inexigibilidade da suscitação, em momento anterior, da questão de constitucionalidade, nomeadamente considerando o caráter insólito ou absolutamente inesperado da aplicação da norma impugnada, ou de uma sua dada interpretação.[1]
Foi face a esta jurisprudência que no recorrente se gerou séria espectativa de que o dizer o Direito na primeira instância, mesmo que em processo sumaríssimo, não seria a última palavra na construção da JUSTIÇA e realização do ESTADO DE DIREITO
CONCLUSÕES:
Em processo sumaríssimo se a questão da constitucionalidade ou da ilegalidade se prender com a determinação da norma aplicada, a arguição de nulidades e reforma da sentença, ainda é momento para se suscitar questões de constitucionalidade ou de ilegalidade, uma vez que não está esgotado o poder jurisdicional do juiz e este pode alterar o sentido da sua decisão
A situação concreta dos presentes autos, comporta uma situação em que quer a ilegalidade, quer a inconstitucionalidade eram imprevisíveis no momento da contestação, pelo que a aplicação das normas impugnadas e a interpretação que lhes foi dada devem ser consideradas com caracter insólito e absolutamente inesperado, configurando exceção “ao ónus de prevenir a suscitação das questões no âmbito da contestação”
Ao não o entender assim o Colendo Conselheiro Relator errou na integração da situação dos autos ao nº 2 do artº 72 da LTC, pelo que a sua decisão deve, na procedência desta reclamação, ser substituída por outra que admita o recurso e fixe prazo para alegações.”
A Ordem dos Advogados apresentou contra-alegações onde se pronunciou pelo indeferimento da reclamação.
Notificado para se pronunciar sobre a eventualidade da questão de legalidade não ser conhecida por não se enquadrar nas competências do Tribunal Constitucional, o Recorrente declarou desistir do recurso quanto a essa questão.
Fundamentação
O Recorrente solicitou ao Tribunal Constitucional a fiscalização da constitucionalidade, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, dos critérios normativos adotados pela decisão recorrida, no sentido de serem aplicáveis à prescrição de sanções previstas na alínea c), do n.º 1, do artigo 101.º, da Lei n.º 84/84, de 16 de março, na redação da Lei n.º 80/2001, de 6 de março, o artigo 205.º, da Lei n.º 15/2005, de 26 de janeiro, apenas porque o respetivo processo disciplinar se iniciou após a entrada em vigor desta lei, e o artigo 122.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal; e a legalidade, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, f), da LTC, do critério normativo segundo o qual o artigo 64.º, n.º 3, do Regulamento Disciplinar n.º 42/2002, remete para o disposto no artigo 15.º, n.º 2, do mesmo Regulamento, quanto à desnecessidade da prova da receção da notificação postal.
Foi proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso, com fundamento na falta de suscitação adequada perante o tribunal recorrido das questões de constitucionalidade e ilegalidade colocadas ao Tribunal Constitucional.
Relativamente, à questão de ilegalidade, após ter reclamado da decisão sumária que dela não conheceu, o Recorrente veio declarar que desistia do recurso quanto a essa questão, reduzindo assim o objecto do recurso e consequentemente o objecto da reclamação.
Quanto às restantes questões de constitucionalidade, o Recorrente alega, como primeiro argumento, que as suscitou no requerimento em que, posteriormente a ter sido proferida a decisão recorrida, requereu a sua aclaração e reforma e arguiu a sua nulidade.
No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alíneas b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade depende da verificação do requisito de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC).
Constitui jurisprudência consolidada deste Tribunal Constitucional que este requisito só se pode considerar preenchido se a questão de constitucionalidade tiver sido suscitada antes de o tribunal recorrido ter proferido a decisão final, pois com a prolação desta decisão se esgota, em princípio, o seu poder jurisdicional. Por isso, tem sido uniformemente entendido que, proferida a decisão final, a arguição da sua nulidade ou o pedido da sua aclaração, rectificação ou reforma não constituem já meio adequado de suscitar a questão de constitucionalidade, pois a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial, não a torna obscura ou ambígua, nem envolve «lapso manifesto» do juiz quer na determinação da norma aplicável, quer na qualificação jurídica dos factos, nem desconsideração de elementos constantes do processo que implicassem necessariamente, só por si, decisão diversa da proferida.
Mas, o Recorrente também invoca que não lhe era exigível que suscitasse previamente essas questões ao tribunal recorrido, atento o caráter insólito das soluções por ele perfilhadas.
Na verdade, o cumprimento do requisito da suscitação prévia considera-se dispensável nas situações especiais em que, por força de uma norma legal específica, o poder jurisdicional se não esgota com a prolação da decisão recorrida, ou naquelas situações, de todo excecionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida ou em que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse então a questão de constitucionalidade.
Esta exigibilidade reside na previsibilidade da adoção do critério normativo impugnado pelo tribunal recorrido no momento em que o Recorrente teve oportunidade de lhe suscitar a questão de constitucionalidade.
Os critérios normativos impugnados neste recurso são os da aplicabilidade à prescrição das sanções previstas na alínea c), do n.º 1, do artigo 101.º, da Lei n.º 84/84, de 16 de março, na redação da Lei n.º 80/2001, de 6 de março, do artigo 205.º, da Lei n.º 15/2005, de 26 de janeiro, apenas porque o respetivo processo disciplinar se iniciou após a entrada em vigor desta lei, e do artigo 122.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal.
Ora, atenta a redação dos artigos 205.º e 121.º, alínea a), do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de janeiro de 2005, a aplicabilidade dos referidos preceitos à prescrição das sanções previstas na alínea c), do n.º 1, do artigo 101.º, da Lei n.º 84/84, de 16 de março, decididas em processos disciplinares instaurados após a entrada em vigor da referida Lei n.º 15/2005, era uma solução que resultava com flagrante evidência da letra da lei, pelo que era previsível a sua adoção.
Assim, era exigível que o Recorrente, quando alegou a prescrição da dívida cujo pagamento era reclamado nesta ação, tivesse previsto a adoção de tal solução e suscitado as questões de constitucionalidade que posteriormente veio colocar ao Tribunal Constitucional.
Não o tendo feito, não se mostra cumprido o requisito da suscitação adequada perante o tribunal recorrido das questões posteriormente colocadas ao Tribunal Constitucional, pelo que a reclamação apresentada deve ser indeferida.
Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A..
Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 5 de dezembro de 2012.- João Cura Mariano – Ana Maria Guerra Martins – Joaquim de Sousa Ribeiro.
[1] Seguindo de perto teor idêntico na decisão no Acórdão 24/99 da 2ª secção