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Processo n.º 749/12
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. reclama, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), do despacho, que não lhe admitiu recurso do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 7 de março de 2012, do seguinte teor:
“Fls. 268-269 – recurso para o Tribunal Constitucional
Não admito o recurso interposto, uma vez que, além de interposto fora de prazo (vide o indeferimento do pedido de substituição da defensora, a fls. 252), não foi suscitada a inconstitucionalidade de qualquer norma legal (fls. 171-179) – artigos 76.º, n.º 2, 75.º, n.º 1 e 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro [lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional).”
2. Quanto ao primeiro fundamento, o reclamante argumenta que, por virtude dos pedidos de escusa e substituição dos seus defensores oficiosos, o prazo de interposição do recurso esteve suspenso desde 19 de março de 2012 até 20 de junho de 2012, pelo que o recurso apresentado em 25 de junho é tempestivo. Quanto ao segundo fundamento diz, somente, que “conforme se pode ver do requerimento de recurso apresentado em 25 de junho de 2012, foi suscitada a inconstitucionalidade de normas legais”.
O Ministério Publico responde que o recurso é inadmissível, por ambos os fundamentos do despacho reclamado. Quanto à intempestividade, porque os sucessivos pedidos de escusa dos defensores oficiosos nomeados ao arguido, ora reclamante, apenas produzem efeito desde a data em que foram aceites e não da data em que foram apresentados, pelo que não é exato que o prazo tenha ficado suspenso pelo tempo que o recorrente refere. Quanto a não ter sido suscitada a inconstitucionalidade de qualquer norma legal, por não oferecer dúvidas, à luz da jurisprudência do Tribunal Constitucional, que a alusão à “inconstitucionalidade dos artigos 40.º e 70.º do Código Penal” é de todo inidónea para que se considere suscitada uma questão de constitucionalidade normativa.
3. A não admissão do recurso de constitucionalidade assenta num duplo fundamento: a extemporaneidade da sua interposição e a falta de suscitação da inconstitucionalidade de qualquer norma legal. A confirmação de qualquer deles torna desnecessários maiores desenvolvimentos.
Comecemos pelo segundo deles.
Na motivação do recurso que levou a prolação da decisão recorrida – e nada há no corpo das alegações que possa configurar-se como questão de constitucionalidade - o ora reclamante concluiu como segue:
«(…)
I- Vem o presente recurso interposto douta sentença, quanto à medida concreta da pena aplicada ao arguido pelo crime de desobediência na pena de seis meses de prisão por dias livres efetiva e ao facto da execução da pena aplicada ao arguido não ter sido suspensa, nos termos do art. 50º do Código Penal.
II- Quanto à medida concreta da pena aplicada ao arguido pela prática do crime de desobediência entendermos ter o douto tribunal “ad quo” violado o disposto nos art.s 70º, 40º e 71º, todos do CP, não tendo em conta os critérios que presidem à determinação da medida da pena.
III- As finalidades das penas estão expressas no art. 40º do CP, assumindo a prevenção geral o primeiro lugar como finalidade da pena, não como prevenção negativa de intimidação, mas como prevenção positiva de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma, visando a prevenção especial satisfazer as exigências de ressocialização do arguido, com vista à sua recuperação e integração na comunidade, tendo sempre por limite inultrapassável a medida da culpa do agente do facto.
IV- O crime de desobediência pelo qual o arguido foi condenado, permite em alternativa a aplicação de uma pena privativa da liberdade e uma pena não privativa da liberdade.
V- Determina o art. 70º do CP, referente ao critério a utilizar na escolha da pena, que o tribunal deve dar preferência à medida não privativa da liberdade sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
VI- Ao determinar a pena a aplicar tem-se ainda que ter em conta o contexto concreto da ocorrência que surgiam apenas durante um período de vida difícil do arguido, nomeadamente processo de divórcio, na sequência de insolvência da sua empresa, cancro de um filho tudo referido pelo arguido em audiência de julgamento. Não podemos esquecer que o arguido nunca se mostrou indiferente às condenações anteriores, sempre assumiu e tal como fez confessou sempre integralmente e sem reservas os factos pelo crime pelo qual o arguido foi condenado, todos os crimes de desobediência se referem a um período de forte instabilidade pessoal, familiar e profissional do arguido, que com vergonha deixou o seu ambiente familiar e social, ou seja, saiu de Esposende, local onde nasceu, e onde sempre esteve integrado socialmente.
VII- Mais, se deve ter em conta que o arguido apesar de ter várias condenaç6es pelo mesmo tipo de crime, este foi o ultimo que o arguido praticou, não se encontrando em qualquer outro tribunal qualquer outro processo pendente da mesma natureza ou qualquer outra o que demonstra que o arguido não necessita de qualquer prevenção especial, porque neste momento já não é oportuno antes pelo contrario,
Já que,
VIII- O arguido se encontra inserido socialmente, tem o apoio da sua prima que lhe facultou uma casa de favor, apesar de desempregado, nunca deixou de procurar emprego, sujeitando-se à prestação de serviços ocasionais mesmo fora da sua área de formação nomeadamente como já aconteceu distribuindo panfletos ao fim de semana, e que desde a data dos factos consubstanciados (25/04/2009) nunca mais tais situações não mais se repetiram.
IX- Atendendo aos fatores da prevenção especial, que visam a ressocialização e a recuperação do delinquente para a sociedade, visando a sua integração na sociedade, entende-mos que uma pena privativa da liberdade, no caso a pena de prisão de seis meses mas suspensa pelo período que V. Exas. considerarem, se mostrará adequada e proporcional às exigências do caso concreto.
X- Quanto à suspensão da execução da pena de prisão, estipula o art. 50º, nº 1 do CP que o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
XI- No caso sub judice, os fatores que são favoráveis ao arguido, como o facto de ter antecedentes criminais por este tipo de crime, só durante período de vida difícil, este ser o ultimo crime que o arguido praticou, se encontrar socialmente inserido, apesar de desempregado sempre ter trabalhado na sua arte fazendo biscates, e o facto de ter conseguido uma habitação ainda que de favor, fazem diminuir as exigências de prevenção, principalmente a especial, e sugerem que se faça um juízo de prognose favorável acerca do ameaça que a pena de prisão terá no comportamento futuro do arguido.
XII- Apesar de esta sempre ter sido a forma como o arguido pautou a sua vida durante um período de tempo difícil, dentro do seu quadro mental instável e de sofrimento devido a tudo o que o rodeava, certo é que se denota uma alteração de comportamento do arguido ao procurar desde a data deste ultimo facto pautar a sua vida dentro da legalidade, começando a tomar consciência do seu comportamento.
XIII- Tendo em conta que o arguido nunca cumpriu pena efetiva de prisão, entendemos que a ameaça daquela será suficiente para o fazer mudar de atitude e repensar o seu comportamento, aliás atitude que já tem vindo a ser a sua forma de conduta, desde o último facto ilícito praticado 25/04/2009.
XIV- Ainda, e porque à suspensão da execução da pena é passível a aplicação de regras de conduta ao arguido, nos termos do art. 52º e Seg. (s) do CP, entendemos que aplicação ao arguido que V. Exas. considerarem adequada e proporcional serão suficientes para acautelar as exigências de prevenção geral quanto a este crime.
XV- Sendo certo que com a suspensão da execução da pena de prisão, sempre se dará a oportunidade ao arguido de tentar refazer a sua vida, arranjando emprego ou biscatos de fim de semana, nova habitação e forma de se sustentar sem estar de favor em casa que não lhe pertence, bem como o seu comportamento sempre ficará sob vigilância do tribunal, sendo que a prática de um novo crime poderá determinar a revogação da suspensão, com a consequente efetivação da prisão.
XVI- Pelo que e face ao exposto, entendemos que optando pela suspensão da pena de prisão efetiva pelo prazo, que V: Exa. achar adequado e proporcional, mediante a sujeição do arguido de qualquer uma das regras de conduta, nos termos do art. 52º e Seg.(s) do CP, se cumprirá o objetivo final da pena, fazendo-se justiça no caso concreto, que é a finalidade última dos tribunais.»
Analisada a motivação do recurso perante o Tribunal da Relação, é absolutamente certo que o recorrente não suscitou perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida qualquer questão de inconstitucionalidade dos artigos 40.º e 70.º do Código Penal (CP). A referência do requerimento de interposição do recurso a que o recorrente suscitou essa questão naquela peça processual não tem qualquer correspondência com a realidade processual. Aí, perante o Tribunal da Relação, o recorrente limitou-se a sustentar ter havido erro na aplicação das referidas disposições legais pela sentença de 1ª instância, por lhe ter sido aplicada a pena efetiva de prisão por dias livres, quando, em seu entender a execução de qualquer pena privativa da liberdade que lhe fosse aplicada deveria ficar suspensa.
Ora, a suscitação da questão de constitucionalidade perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer - o que, como mínimo, significa anteriormente a que o tribunal profira a decisão em que faça aplicação da norma em causa - é pressuposto de admissibilidade do recurso interposto, como decorre da alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição e é exigido pelas disposições conjugadas da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º e do n.º 2 do artigo 72.º da LTC.
Assim, confirmando-se este fundamento do despacho reclamado, torna-se desnecessário examinar a questão da tempestividade do recurso.
4. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o recorrente nas custas, com 20 UCs de taxa de justiça.
Lisboa, 21 de novembro de 2012.- Vítor Gomes – Catarina Sarmento e Castro – Maria Lúcia Amaral.