Imprimir acórdão
Processo n.º 651/12
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. A. e B. inconformados com a decisão sumária que, em 26 de outubro de 2012, não conheceu do objeto do recurso de inconstitucionalidade por eles interposto, vêm da mesma reclamar ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3 da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante LTC.
2. A decisão reclamada, no que ora releva, tem o seguinte teor:
«O presente recurso suscita questões relativamente a dois requisitos de admissibilidade. A saber:
Ausência de suscitação processualmente adequada da inconstitucionalidade;
Não aplicação da norma pelo Tribunal recorrido.
No caso sob apreciação os Recorrentes formulam do seguinte modo a pretensão que apresentam ao recurso (cfr. fls. 1605 e 1607 dos autos):
«(…) a interpretação dada às disposições conjugadas no artigo 425.º, n.º 4, artigo 379.º, n.º 1, alínea a) e artigo 374.º, n.º 2, todos do Código de Processo Penal no sentido de ser suficiente a fundamentação de facto e de direito com considerações genéricas ou meras conclusões de indeferimento é inconstitucional, violando os imperativos constitucionais plasmados nos artigos 205.º, n.º 1 e artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa»
Para que ocorra uma suscitação da processualmente adequada da questão da inconstitucionalidade é necessária a sua enunciação, de forma clara, expressa, direta e percetível, bem como a sua fundamentação, em termos minimamente concludentes, com a indicação das razões porque se considera ser inconstitucional determinada norma. O objetivo é permitir que o Tribunal recorrido se pronuncie sobre a questão de inconstitucionalidade levantada.
Não basta a mera invocação de normas constitucionais que, no entender dos Recorrentes, reclamam solução diferente da adotada pelo Tribunal recorrido, para fundar um recurso de inconstitucionalidade. Não basta enunciar a possibilidade de inconstitucionalidade de uma norma, chamando à atenção do Tribunal recorrido para tal facto. Os Recorrentes devem, para cumprir este desiderato, desenvolver uma fundamentação, minimamente concludente, dos motivos porque consideram ser inconstitucional a “norma” (cfr. Acórdãos n.º 618/98 e n.º 269/94, disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt).
Ao invocar a aplicabilidade direta de determinadas normas ou princípios constitucionais, através da referência à violação dos «artigos 205.º, n.º 1 e artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa» no requerimento de arguição da nulidade do acórdão de fls. 1514 a 1573 e de pedido de aclaração do mesmo (cfr. fls. 1087-1088 dos autos), os Recorrentes limitaram-se a listar preceitos constitucionais sem identificar os segmentos normativos que estão em causa – e em que medida é que estes são violados pelas normas aplicadas pela decisão judicial. Torna-se assim evidente que os Recorrentes não especificaram de forma adequada perante o Tribunal recorrido qual a interpretação normativa dos preceitos em causa que seria inconstitucional, ou relativamente a que normas constitucionais é que formulam esse juízo, tendo-se limitado a, de modo genérico e vago, imputar inconstitucionalidades à suposta «interpretação» efetuada.
Ao não cumprir este seu ónus, os Recorrentes não concederam ao Tribunal perante o qual a questão foi colocada a possibilidade de decidir sobre a inconstitucionalidade da norma supostamente em questão. Por força deste fundamento, é legalmente inadmissível conhecer do objeto do presente recurso.
Analisa-se, de seguida, a aplicação da alegada norma pelo Tribunal recorrido.
O objeto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, apenas pode traduzir-se numa questão de (in)constitucionalidade da(s) norma(s) de que a decisão recorrida haja feito efetiva aplicação ou que tenha constituído o fundamento normativo do aí decidido.
Trata-se de um pressuposto específico do recurso de constitucionalidade cuja exigência resulta da natureza instrumental (e incidental) deste recurso, tal como o mesmo se encontra recortado no nosso sistema constitucional, de controlo difuso da constitucionalidade de normas jurídicas pelos vários tribunais, bem como da natureza da própria função jurisdicional constitucional (cf. J. M. M. Cardoso da Costa, A jurisdição constitucional em Portugal, 3.ª edição revista e atualizada, 2007, pp. 31 e ss.).
Na verdade, a resolução da questão de constitucionalidade deverá, efetivamente, refletir-se na decisão recorrida, implicando a sua reforma, no caso de o recurso obter provimento, o que apenas sucede quando a norma cuja constitucionalidade o Tribunal Constitucional aprecie haja constituído a ratio decidendi da decisão recorrida, ou seja, o fundamento normativo do aí decidido.
Ora, no caso dos autos, o Recorrente alegou que o Tribunal da Relação do Porto teria interpretado as «disposições conjugadas no artigo 425.º, n.º 4, artigo 379.º, n.º 1, alínea a) e artigo 374.º, n.º 2, todos do Código de Processo Penal no sentido de ser suficiente a fundamentação de facto e de direito com considerações genéricas ou meras conclusões de indeferimento» (cfr. fls. 1605 e 1607 dos autos).
Acontece, porém, que esta interpretação nunca existiu. Como afirma o douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto «o requerente qualifica-as [as fundamentações] de insuficientes, por genéricas e tabelares. Não as temos como tal e sim como respeitadoras dos comandos legais que as determinam e regulam. O grau de concretização que o requerente parece exigir saldar-se-ia, a ser concretizável, na realização de um novo julgamento e (…) não é essa a função dos recursos (…). A decisão demandada trata individualmente cada uma das questões propostas no recurso (…). Todos os passos das decisões proferidas no acórdão reclamado estão fundamentados, a nosso ver, de forma bastante».
Assim, importa notar que, conforme resulta do acórdão recorrido supra transcrito, o Tribunal recorrido não aplicou, efetivamente, os preceitos referidos na interpretação reputada de inconstitucional pelo Recorrente. Em passo algum defende o Tribunal da Relação do Porto «ser suficiente a fundamentação de facto e de direito com considerações genéricas ou meras conclusões de indeferimento» - antes considerando que a fundamentação por si expendida cumpre os requisitos legais de concretização.
A interpretação invocada pelo Recorrente não teve, pois, lugar. Quanto a este aspeto, recorde-se que não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar a conformidade constitucional das decisões concretas proferidas por outros tribunais mas apenas “interpretações” ou “critérios normativos” identificados com caráter de generalidade, e nessa medida suscetíveis de aplicação a outras situações, independentemente, pois, das particularidades do caso concreto. De facto, no sistema português de fiscalização de constitucionalidade, o controlo exercido pelo Tribunal Constitucional tem natureza estritamente normativa, não contemplando a apreciação da conformidade constitucional da decisão judicialmente proferida. O recurso de constitucionalidade delineado pela Constituição não prevê o «recurso de amparo» ou «queixa constitucional».
Não se cumpre, portanto, este requisito legal para a admissão do recurso.
Conclui-se, assim, que os Recorrentes não suscitaram de forma processualmente adequada a questão da conformidade constitucional da norma, sendo que a norma em causa não foi aplicada na decisão.
Termos em que, na falta do preenchimento dos requisitos processuais em causa, não é possível conhecer do recurso».
3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Nos presentes autos foi proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso, por falta de suscitação adequada durante o processo da questão de inconstitucionalidade colocada e não aplicação pelo tribunal recorrido da norma, ou interpretação normativa, que os recorrentes pretendem ver apreciada.
Na reclamação ora apresentada os recorrentes, discordando da decisão proferida de não conhecimento do recurso, não indicam, todavia, qualquer fundamento em sustentação da sua discordância. Limitando-se a assinalar que suscitaram adequadamente a questão e a insistir que o acórdão recorrido violou o disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, entendem que o recurso não deveria ter sido rejeitado.
Na decisão reclamada são desenvolvidamente explanados os fundamentos da rejeição do recurso. Ali se indicam as razões pelas quais se concluiu não apenas que os Recorrentes não suscitaram de forma processualmente adequada a questão da inconformidade constitucional da norma, como a norma formulada não constituiu a razão de ser do decidido.
Analisados os autos confirma-se a falta de verificação do requisito de admissibilidade do recurso de inconstitucionalidade consistente na não aplicação como ratio decidendi da norma impugnada.
Em face de tudo o que ficou dito impõe-se indeferir a reclamação apresentada.
III – Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 21 de novembro de 2012.- Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria João Antunes – Maria Lúcia Amaral.