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Processo n.º 577/12
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e são recorridos o Ministério Público e B., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho daquele Tribunal de 3 de julho de 2012.
2. Pela Decisão Sumária n.º 447/2012, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«De acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Nos presentes autos, não se pode dar como verificado o requisito da suscitação prévia e de forma processualmente adequada, perante o tribunal recorrido, de uma questão de inconstitucionalidade normativa reportada ao «artigo 28º da Lei 112/2009, de 16 de setembro».
Na reclamação que apresentou contra o despacho que não admitiu o recurso da sentença proferida em 1.ª instância, o recorrente questionou antes a constitucionalidade da decisão de não admissão do recurso interposto. É o que decorre de forma clara dos pontos 59., 90. e 91. daquela peça processual.
É certo que, no ponto 69. da reclamação, o recorrente sustenta que «caso venha a ser entendido que a lei aplicável ao presente caso é a nova lei, então, essa interpretação viola o citado artigo 103º, os arts. 5º, nº 2, alínea a), 61º, nº 1, alínea i), ambos do CPP e os art. 29º e 32º, nº 1 da C.R.P.» (itálico aditado). Todavia, não identifica a interpretação normativa que reputa inconstitucional. Tão-pouco a reporta a um preceito legal, designadamente ao artigo 28.º da Lei n.º 112/2009, sendo certo que requer agora a apreciação deste preceito e não de uma dimensão interpretativa a ele reportada. Além de que reitera a violação simultânea de disposições legais e de normas constitucionais, o que indicia que o que verdadeiramente pretende questionar é afinal a constitucionalidade de uma decisão judicial.
A não verificação daquele requisito do recurso de constitucionalidade obsta ao conhecimento do seu objeto, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC)».
3. Da decisão sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, com os seguintes fundamentos:
«5. No Despacho ora reclamado, o Tribunal a quo entendeu que o regime da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, é aplicável aos presentes autos.
6. Pelo que, nos termos do artigo 28º da Lei 112/2009, os presentes autos assumiriam natureza de processo urgente originando a aplicação do regime previsto no artigo 103º n.º2 do C.P.C.
7. Desta forma, foi entendido pelo Tribunal a quo que o prazo de recurso que assiste ao arguido correra em férias judiciais.
8. Por conseguinte, o termo do prazo de recurso ao dispor do arguido findaria, no entender do Despacho reclamado, em 16 de agosto de 2009, em vez de terminar no dia 29 de setembro de 2009.
9. Ora, o Reclamante não pode concordar com este entendimento, o qual agrava o seu estatuto processual e o seu direito de defesa consagrado constitucionalmente.
(…)
15. Porquanto, no entendimento do Tribunal a quo, o regime da Lei 112/2009, de 16 de setembro é aplicável aos presentes autos;
(…)
35. O presente processo iniciou-se em 14 de julho de 2009, em data anterior à da vigência da Lei 112/2009, a qual entrou em vigor em 15 de outubro de 2009
36. Pelo que, a nova lei não se aplica ao caso em apreço, uma vez que a aplicação da lei nova limita os direitos de defesa do Arguido, aqui Reclamante, os quais estão expressamente salvaguardados no artigo 5º n.º 2 alínea a) do C.P.P. para os casos de aplicação da lei processual penal no tempo.
(…)
56. Por conseguinte, o Despacho que rejeitou o recurso violou os artigos 399º, 401º alínea b), 408º n.º1 alínea a), todos do C.P.P., artigo 2º n.º 4 do C.P. e artigo 32º n.º 1 da C.R.P..
(…)
66. Contudo, caso venha a ser entendido que a lei aplicável ao presente caso é a nova lei, então, essa interpretação viola o citado artigo 103º, os arts. 5º, nº 2, alínea a), 61º, nº 1, alínea i), ambos do CPP e os art. 29º e 32º, nº 1 da C.R.P., inconstitucionalidades essas que se alegam e que aqui se deixam arguidas para todos os efeitos legais.
(…)
87. Por conseguinte, o Despacho que não admitiu o recurso violou os artigos 103º na redação anterior à vigência da Lei 112/2009, artigo 5º n.º 2 alínea a), artigo 61º n.º 1 alínea i), todos do CPP, e artigo 2º n.º 4 do CP e artigos 29º n.º 4 e 32º n.º 1 da CRP, inconstitucionalidades essas que se invocam para todos os efeitos legais.
88. Desse modo, o Despacho reclamado, ao defender a intempestividade do recurso com base no artigo 28º da Lei 112/2009, 414º, n.º 2, 411 º, n.º 1, alínea b) e n.º 4, todos do C.P.P. é ilegal e inconstitucional por violação do disposto nos artigos 9º n.º 2 do Código Civil, artigos nºs. 5º n.º 2 alínea a), 61º n.º 1 alínea i), 399º e 401º n.º 1 alínea b), todos do CPP e 29º n.º 4 e 32º n.º 1, 2 e 5 da CRP».
4. Notificados os recorridos, respondeu apenas o Ministério Público, o que fez nos seguintes termos:
«1º
Pela douta Decisão Sumária n.º 447/2012, não se conheceu do objeto do recurso, porque, durante o processo, o recorrente não suscitara adequadamente uma questão de inconstitucionalidade normativa, faltando, pois, esse requisito de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.ª da LTC.
2º
Sendo a decisão recorrida a proferida pelo Senhor Vice-Presidente da Relação de Lisboa que indeferiu a reclamação do despacho que, na 1.ª instância, não admitira, por intempestivo, o recurso para aquele Relação, o momento próprio para suscitar a questão era precisamente aquela reclamação.
3º
Nessa peça, o recorrente sustenta que o regime devia ser aplicado ao recurso era o que vigorava antes da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, e não o estabelecido por esta – que veio atribuir caráter urgente aos processos por crime de violência doméstica –, uma vez que o processo se tinha iniciado antes da sua entrada em vigor.
4º
Invoca para sustentar um tal entendimento pertinentes normas de direito ordinário e constitucionais.
5º
Contudo, como muito bem se demonstra, na douta Decisão Sumária, nunca enuncia de forma minimamente clara qual a exata dimensão normativa e em que preceito da lei ordinária ela ancora.
6º
A longa reclamação agora apresentada é de conteúdo idêntico à reclamação para o Senhor Presidente da Relação, nada de concreto se dizendo sobre o fundamento que levou ao não conhecimento do recurso.
7º
Aliás, mesmo nesta fase processual, continua a desconhecer-se qual a interpretação normativa que o recorrente pretende ver apreciada.
8º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Nos presentes autos foi proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso por não se poder dar como verificado o requisito da suscitação prévia e processualmente adequada, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, de uma questão de inconstitucionalidade normativa reportada ao artigo 28.º da Lei 112/2009, de 16 de setembro. Com efeito, quando reclamou contra o despacho que não admitiu o recurso da sentença proferida em 1.ª instância, o recorrente questionou a constitucionalidade da decisão de não admissão do recurso interposto (cf. pontos 59., 90. e 91. da reclamação a fl. 3 e ss.) e não de uma norma que a decisão recorrida tenha aplicado como razão de decidir. Não cumprindo o ónus da suscitação prévia e de forma adequada o que alega no ponto 69. da reclamação, por não identificar aí qual a interpretação do preceito da lei nova que afinal reputava inconstitucional.
A presente reclamação em nada contraria os fundamentos da decisão sumária. Limita-se a sustentar que a lei nova não é aplicável ao caso e que, por isso, o despacho que não admitiu o recurso, com fundamento em intempestividade, é «ilegal e inconstitucional por violação do disposto nos artigos 9.º n.º 2 do Código Civil, artigos nºs. 5.º n.º 2 alínea a), 61.º n.º 1 alínea i), 399.º e 401.º n.º 1 alínea b), todos do CPP e 29.º n.º 4 e 32.º n.º 1, 2 e 5 da CRP». O que mostra, mais uma vez, na medida em que sustenta a violação simultânea de disposições legais e de normas constitucionais, que o que verdadeiramente pretendia questionar era afinal a constitucionalidade da decisão judicial que não admitiu o recurso interposto.
Há que indeferir, pois, a presente reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 21 de novembro de 2012.- Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria Lúcia Amaral.