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Processo n.º 522/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, com o n.º 522/12, veio o oponente Cooperativa de Habitação Económica A. CRL, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), interpor recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 31 de maio de 2012.
2. Neste Tribunal, o relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do recurso, com o seguinte teor:
«(...)
1. Nos presentes autos, com o NUIPC 1953/03.2 TBGDM, a Cooperativa de Habitação Económica “A.” C.R.L., deduziu oposição à execução que lhe foi instaurada por B. e C..
Por sentença proferida em 18 de outubro de 2010, foi julgada totalmente improcedente à oposição à execução.
Inconformada, a oponente recorreu para o Tribunal da Relação do Porto que, por despacho do Relator de 21 de agosto de 2011, julgou deserto e decidiu não conhecer do recurso.
A oponente reclamou desse despacho para a conferência, sem êxito, pois, por acórdão de 24 de outubro de 2011, foi decidido indeferir a reclamação e manter a decisão sumária que não conheceu do recurso.
Veio, então, a Cooperativa de Habitação Económica “A.” C.R.L., interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, no qual, por acórdão de 31 de maio de 2012, foi negada a revista e mantida a decisão recorrida.
2. Veio o arguido D. interpor recurso desse aresto para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
«COOPERATIVA DE HABITAÇÃO ECONÓMICA A., CRL, R. e recorrente nestes autos, em que são AA. e recorridos B. e outros, inconformada com o douto Acórdão de fls, que nega a revista, vem dele interpor recurso para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, ao abrigo dos arts 69.º e segs do referido Tribunal, em virtude de considerar que o douto Acórdão recorrido, violou o disposto nos arts. 20.º, n.ºs 4 e 5 e 204.º da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, nomeadamente o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva e respetivo exercício, consagrado nos aludidos preceitos.
1.º
Direito fundamental consignado na alínea b do n.º1 do art.º 70.º do TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
2.º
Questão já suscitada pela recorrente nas alegações deduzidas no recurso de revista, juntas aos autos em 25.11.11 (art.º 75-A, n.º2 do TRIBUNAL CONSTITUCIONAL)».
3. O recurso foi subsequentemente admitido.
4. Neste Tribunal Constitucional, foi o recorrente convidado, nos termos e ao abrigo do n.º 6 do artigo 75.ºA da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), a indicar a norma – ou dimensão interpretativa normativa – cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada por este Tribunal, sob pena de não conhecimento do recurso.
5. Em resposta, apresentou o recorrente o seguinte articulado:
«COOPERATIVA DE HABITAÇÃO ECONÓMICA A., CRL, R. e recorrente nestes autos, em que são AA. e recorridos B. e outros, notificada nos termos e para os efeitos do n.º6 do art.º 75.ºA da Lei do Tribunal Constitucional, vem alegar e dizer como segue:
1.º
No requerimento junto aos autos em 18.06.12, conjugado com o teor das alegações de inconstitucionalidade, expensas pela recorrente nas alegações também em sede de inconstitucionalidade, deduzidas nas alegações da recorrente no recurso de revista, para consideração das quais a recorrente remete no referido requerimento.
2.º
Resulta evidente da simples leitura das doutas decisões proferidas ao longo desta extensa maratona judicial o seguinte:
3.º
À exceção do despacho de admissão do recurso no Tribunal de 1ª instância, concordando com a recorrente em relação à forma aplicável à tramitação do recurso.
4.º
Quer o Tribunal da Relação do Porto, em 2ª instância, por douto acórdão de fls. 285 e segs, entendeu não conhecer do objeto do recurso de apelação.
5.º
Quer o STJ, em douto acórdão de fls., com registo de 04.06.12.
6.º
Entendeu confirmar a decisão de 2ª instância.
7.º
Ou seja, não conhecer do recurso por razões meramente formais.
8.º
Tudo considerado, sucede que,
9.º
Não obstante a coberto do aval do Tribunal de 1ª instância à interpretação da recorrente em relação ao regime aplicável e à validade da mesma.
10.º
Desde 2010 e ao longo do exame e análise de duas instâncias superiores.
11.º
Jamais foi apreciada e decidida a questão de fundo que constitui o objeto do recurso.
13.º
Sempre tendo sido o mesmo julgado por questões de forma.
14.º
Donde a violação do disposto nas normas constitucionais, previstas nos arts. 20.º, n.ºs 4 e 5 e 204 da CRP.
15.º
Já que, foi cerceado à ora recorrente, por razões de mera forma, discutíveis e contraditórias, a possibilidade da recorrente ver apreciado o mérito do respetivo recurso nas instâncias superiores.
16.º
Sendo denegado à recorrente, de forma sumária e simplista, o acesso justiça.
17.º
Nomeadamente, após lhe ter sido criada pelo tribunal de 1ª instância, legítima expectativa, no que concerne ao regime processual aplicável.
18.º
Em clara violação da apreciação das questões e mérito em favor do mero formalismo, como já anteriormente dito de discutível aplicabilidade.
Conclusões
A circunstância das instâncias superiores tenham limitado as suas doutas decisões a simples questões da forma da tramitação processual, por sinal, não pacíficas e discutíveis, violaram o direito da recorrente ver apreciado de mérito o respetivo recurso, em denegação dos princípios constantes do art. 20.º da CRP, tanto mais que a expectativa da correta opção do regime processual aplicável, foi-lhe asseverada em 1ª instância.
Por força do alegado em anterior alínea destas conclusões, regista-se consequente violação do disposto no art. 202.º da CRP, com todas as legais consequências».
(...)
3. O recorrente dirige-se a este Tribunal ao abrigo da al. b) do nº1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Essa modalidade de recurso de constitucionalidade, como tem sido amiúde salientado, pese embora incida sobre decisões dos tribunais, conforma-se como recurso normativo, ou seja, visa a apreciação da conformidade constitucional de normas, e não das decisões judiciais, em si mesmas consideradas. O seu conhecimento depende da verificação cumulativa de vários pressupostos, de índole formal, entre os quais a suscitação pelo recorrente, em termos tempestivos e adequados, de uma questão de inconstitucionalidade normativa e a efetiva aplicação, expressa ou implícita, dessa mesma norma ou interpretação normativa, como ratio decidendi ou fundamento jurídico da concreta decisão impugnada.
4. Ora, perante os termos do requerimento inicial, como da peça processual apresentada na sequência do convite formulado nos termos no n.º6 do artigo 75-A da LTC, avulta, com total nitidez, a ausência de colocação de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
Com efeito, denota-se da peça processual ora apresentada – que o recorrente conformou como alegações, quando a notificação que lhe foi dirigida não revestiu esse sentido – que o recorrente pretende impugnar a decisão recorrida, em si mesma considerada, à qual imputa, no seu concreto conteúdo decisório, a violação de normas constitucionais. A enunciação mais acabada desse propósito encontra-se na conclusão com a alínea a), quando se procura estribar a inconstitucionalidade na violação de uma «expectativa da correta opção do regime processual aplicável», menção desacompanhada de alusão a qualquer normativo infraconstitucional.
Ora, a correção do juízo constante da decisão recorrida escapa aos poderes de cognição deste Tribunal, circunscritos, repete-se, à apreciação da constitucionalidade de normas.
5. Nessa medida, e de forma manifesta, porque não se encontra colocada questão normativa, o recurso não pode ser conhecido, o que determina, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 78ºA da Lei do Tribunal Constitucional, a prolação de decisão sumária.
(...)
Pelo exposto, ao abrigo do disposto no artigo nº1 do 78ºA da Lei do Tribunal Constitucional, decide-se:
Não conhecer do recurso interposto para este Tribunal Constitucional pela Cooperativa de Habitação Económica “A.”, C.R.L.;
Condenar a recorrente nas custas, que se fixam, de acordo com o critério seguido por este Tribunal, atendendo à dimensão e complexidade do objeto do recurso, em 7 (sete) Ucs».
3. Inconformada, a recorrente Cooperativa de Habitação Económica A., CRL, reclamou para a conferência, nos seguintes termos:
« (...)
1º
No requerimento junto aos autos em 18.06.12, conjugado com o teor das alegações de inconstitucionalidade, expensas pela recorrente, ora reclamante nas alegações também em sede de inconstitucionalidade no recurso de revista, para consideração das quais a recorrente remete no referido requerimento,
2º
Resulta evidente da simples leitura das doutas decisões proferidas ao longo desta extensa maratona judicial o seguinte:
3º
À exceção do despacho de admissão do recurso no Tribunal de 1ª Instância, concordando com a recorrente em relação à forma aplicável à tramitação do recurso.
4º
Quer o Tribunal da Relação do Porto, em 2ª instância, por douto acórdão de fls. 285 e segs, entendeu não conhecer do objeto do recurso de apelação,
5º
Quer o STJ, em douto acórdão de fls., com registo de 04.06.12,
6º
Entendeu confirmar a decisão de 2ª instância,
7º
Ou seja não conhecer do recurso por razões meramente formais
8º
Tudo considerado, sucede que,
9º
Não obstante a coberto do aval do Tribunal de 1ª instância à interpretação da recorrente em relação ao regime aplicável e à validade da mesma
10º
Desde 2010 e ao longo do exame e análise de duas instâncias superiores,
11º
Jamais foi apreciada e decidida a questão de fundo que constitui o objeto do recurso,
12º
Sempre tendo sido o mesmo julgado por questões de forma,
13º
Em oposição e confronto ao decidido em 1ª instância, nesta sede (de forma)
14º
Donde a violação do disposto nas normas constitucionais, previstas nos arts. 20º, nºs 4 e 5 e 204 da CRP,
15º
Já que, foi cerceado à ora recorrente, por meras razões de forma, discutíveis e contraditórias, a possibilidade da recorrente ver apreciado o mérito do respetivo recurso nas instâncias superiores,
16º
Sendo denegado à recorrente, de forma sumária e simplista, o acesso justiça,
17º
Nomeadamente, após lhe ter sido criada pelo tribunal de 1ª Instância, legítima expectativa, no que concerne ao regime processual aplicável
18º
Em clara violação da apreciação das questões e mérito em favor do mero formalismo, como já anteriormente dito de discutível aplicabilidade
CONCLUSÕES
a) A circunstância das instâncias superiores tenham limitado as suas doutas decisões a simples questões da forma da tramitação processual, por sinal, não pacíficas e discutíveis, violaram o direito da recorrente ver apreciado de mérito o respetivo recurso, em denegação dos princípios constantes do art. 20º da CRP, tanto mais que a expectativa da correta opção do regime processual aplicável, foi-lhe asseverada em 1ª instância;
b) Por força do alegado em anterior alínea destas conclusões, regista-se consequente violação do disposto no art. 202º da CRP, com todas as legais consequências
c) Fundamentos em que a ora reclamante insiste e entende por razões de justiça, deverem ser objeto de douto acórdão desse alto».
II. Fundamentação
4. Como decorre do que supra se transcreveu, o recorrente vem reclamar da decisão sumária proferida através de requerimento que retoma ipsis verbis o teor do requerimento que apresentou na sequência do convite que lhe foi dirigido, nos termos do n.º 6 do artigo 75-A da LTC. Apenas o aditamento da alínea c) do segmento conclusivo distingue os impulsos processuais.
Assim sendo, temos que o recorrente procura apenas a reapreciação da sua pretensão, agora pela conferência, sem o menor acrescento ou esforço argumentativo, capaz de postergar o fundamento em que assentou a decisão singular: ausência de colocação de questão normativa.
Então, e por tudo o que se referiu na decisão sumária, porque não foi colocada à apreciação deste Tribunal Constitucional questão de constitucionalidade normativa, mantém-se a decisão de não conhecimento do recurso.
III. Decisão
5. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, tendo em atenção os critérios seguidos por este Tribunal e a dimensão do impulso desenvolvido.
Notifique.
Lisboa, 20 de novembro de 2012.- Fernando Vaz Ventura – Pedro Machete – Joaquim de Sousa Ribeiro.