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Processo n.º 599/12
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).
2. Pela Decisão Sumária n.º 472/2012, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«Segundo o artigo 75.º-A da LTC, o recurso para o Tribunal Constitucional interpõe-se por meio de requerimento no qual se indique a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie (n.º 1). Sendo interposto ao abrigo da alínea g), deve identificar-se também a decisão do Tribunal Constitucional ou da Comissão Constitucional que, com anterioridade, julgou inconstitucional ou ilegal a norma aplicada pela decisão recorrida (n.º 3).
Não obstante o convite que lhe foi feito para aperfeiçoar o requerimento de interposição do recurso interposto (ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC), o recorrente continua a não satisfazer aqueles dois requisitos: não indica a norma cuja apreciação pretende; e não indica a decisão do Tribunal Constitucional ou da Comissão Constitucional que, com anterioridade, a julgou inconstitucional ou ilegal. Tal obsta ao conhecimento do objeto do recurso interposto, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 2, da LTC)».
3. Da decisão sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, com os seguintes fundamentos:
«1) É de admitir que o preceituado no artigo 75.ºA da LCT visou garantir que o Tribunal constitucional chamado a pronunciar-se sobre dada questão o pudesse fazer na posse dos elementos essenciais sua tomada de posição;
2) O sistema jurídico-penal e processual penal, inversamente ao que acontece na área civilista é de cariz vincadamente material, sendo que será sempre de preterir a forma quando razões de substância se levantam, sendo corolário de tal princípio, desde logo, a possibilidade dada pelo Código de Processo Penal de a prova ser carreada para os autos até ao encerramento da discussão e até em tese de recurso, assim como a possibilidade de ser o próprio Juiz a determinar a produção de prova, com vista à descoberta da verdade. Temos, então, em direito penal e processual penal um direto de verdades, por contraposição ao litígio de partes em processo civil.
3) Assim, será necessário saber quais as consequências jurídico- processuais para o Reclamante que, não cumprindo toda a formalidade processual, ainda assim leva ao conhecimento do tribunal toda a matéria que se torna essencial e útil à desejada boa decisão da causa.
4) E, nesta senda, sempre se terá de dizer que o Tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 644.º do Código de Processo Civil aplicável ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal).
5) Logo, o entendimento vertente na douta decisão sumária ora posta em crise, é – em si mesmo violador da Lei fundamental, porquanto está em causa uma desconsideração dos direitos processuais do Arguido que, in extremis, vê por razões meramente formais serem coartados meios de defesa.
6) Na linha de raciocínio ora defendida, os próprios n.º 2 e n.º 5 do artigo 75.º A da LTC são inconstitucionais por colidirem com o preceituado no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, o que ora se argui.
Assim,
E nos melhores de Direito aplicável, e dado que seja por V.Exas. – Venerandos Desembargadores – o v. douto suprimento, deve essa conferência dar provimento à presente reclamação, revogando a decisão sumária proferida nos autos, declarando inconstitucional o disposto na artigo 75.ºA da LTC quando interpretado no sentido que a omissão de resposta ao aperfeiçoamento poder motivar a deserção do recurso interposto».
4. Notificado da reclamação, o Ministério Público veio dizer o seguinte:
«1º
Parece-nos óbvio que, apesar do convite que lhe foi formulado nos termos do n.º 6 do artigo 75.º-A, da LTC, o recorrente não indicou dois elementos indispensáveis que devem constar do requerimento pelo qual interpôs recurso ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC: a norma ou interpretação normativa cuja questão de inconstitucionalidade pretende ver apreciada; a identificação da decisão do Tribunal Constitucional que, “com anterioridade, julgou inconstitucional ou ilegal a norma aplicada pela decisão recorrida “ (artigo 75.º-A, n.º 3, da LTC).
2º
Na reclamação agora apresentada, o recorrente não impugna os fundamentos que constam da Decisão Sumária, antes, no fundo, entende que é inconstitucional a exigência de que os elementos essenciais para se poder conhecer do recurso tenham de constar do respetivo requerimento.
3º
Ora, diferentemente do que entende o recorrente, não se trata de um qualquer rigor formal, pois, na verdade, se se desconhecer qual a norma que deve constituir objeto do recurso, não poderá o Tribunal conhecer da questão da sua inconstitucionalidade.
4º
Por outro lado, os n.ºs 5 e 6 do artigo 75.º-A, da LTC, visam dar a possibilidade aos recorrentes de suprirem deficiências formais do requerimento de interposição do recurso.
5º
É uma segunda oportunidade que a lei confere, precisamente para que deficiências formais não levem, desde logo, à rejeição do recurso, o que poderia constituir, isso sim, um excesso de formalismo.
6º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
O recorrente recorreu para este Tribunal ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Através da decisão reclamada não foi conhecido o objeto do recurso por não se poderem dar como verificados os requisitos do respetivo requerimento de interposição (artigo 75.º-A, n.ºs 1 e 3, da LTC). Apesar de ter sido convidado para aperfeiçoar o requerimento, ao abrigo do n.º 6 do artigo 75.º-A da LTC, o recorrente continuou a não indicar a norma cuja apreciação pretendia, bem como a decisão do Tribunal Constitucional ou da Comissão Constitucional que, com anterioridade, a julgou inconstitucional ou ilegal.
O reclamante em nada contraria a fundamentação da decisão sumária. Sustenta apenas que o entendimento desta é «em si mesmo violador da Lei fundamental, porquanto está em causa uma desconsideração dos direitos processuais do Arguido que, in extremis, vê por razões meramente formais serem coartados meios de defesa». Entende mesmo que este Tribunal deve declarar inconstitucional o disposto no artigo 75.º-A da LTC, quando interpretado no sentido de que a omissão de resposta ao aperfeiçoamento pode motivar a deserção do recurso interposto, por violação do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
Importa esclarecer, desde logo, que o recurso só é julgado deserto se o requerente não responder ao convite efetuado pelo relator no Tribunal Constitucional, segundo o estatuído no n.º 7 do artigo 75.º-A. Nos presentes autos, o que sucedeu foi que, convidado para o efeito, o recorrente continuou a não satisfazer os requisitos do requerimento.
Com efeito, o ora reclamante não indicou a norma cuja apreciação pretendia, bem como a decisão do Tribunal Constitucional ou da Comissão Constitucional que, com anterioridade, a julgou inconstitucional ou ilegal (cf. fl. 2476 e s.), quando era a ele que cabia tal indicação. E tal ditou o não conhecimento do objeto do recurso interposto, sem que isso signifique uma decisão fundada em «razões meramente formais». Este Tribunal vem entendendo que o cumprimento daqueles ónus «não representa simples observância do dever de colaboração das partes com o Tribunal; constitui, antes, o preenchimento de requisitos formais essenciais ao conhecimento do objeto do recurso», uma vez que este objeto é definido no requerimento de interposição (cf., entre muitos outros, os Acórdãos n.º 200/97 e 293/2007, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). E, por isso, a LTC faz corresponder à não satisfação dos requisitos do artigo 75.º-A a consequência do não conhecimento do objeto do recurso (artigo 78.º-A, n.º 2, da LTC). Não o faz, porém, sem antes ser dada ao recorrente a oportunidade de indicar os elementos em falta (artigo 75.º-A, n.ºs 5 e 6, da LTC), o que afasta qualquer censura do ponto de vista jurídico-constitucional.
É de indeferir, pois, a presente reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 21 de novembro de 2012.- Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria Lúcia Amaral.