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Processo n.º 369/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. A. e B., melhor identificados nos autos, reclamaram para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do preceituado no n.º 4, do artigo 76.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do despacho de fls. 47/48 dos presentes autos, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto.
Através do Acórdão n.º 308/2012, proferido em 20 de junho de 2012, o Tribunal decidiu indeferir a reclamação apresentada, fundamentando tal decisão no facto de os reclamantes não terem suscitado qualquer questão de constitucionalidade normativa perante o tribunal recorrido.
Notificados deste Acórdão, os reclamantes vêm requerer, nos termos do artigo 669.º, n.º 2, alínea a), do CPC, a reforma da decisão sumária proferida, com fundamento em manifesto erro normativo de decisão. Apresentam, para o efeito, os seguintes argumentos:
«(...)
1 – Dizem V. Ex.ªs que não foi arguida pelo modo processualmente conveniente a inconstitucionalidade normativa, que, no fim de contas, aceitam ter sido intenção dos recorrente suscitar e apresentar a juízo do Tribunal Constitucional.
2 – E afirma, limitando-se à análise dos textos e a uma leitura profundamente primária dos textos jurídicos que as peças processuais são, quando todo o progresso do Direito ao longo dos séculos, teve por base, precisamente, desamarrar o intérprete dos textos e fazê-lo alcançar o verdadeiro sentido da vida.
3- Esta nota estrutural do que é o Direito, uma ciência jurídica e habilidade antropológica da paz cívica, exige que os artigos dedicados no Código Civil à interpretação da lei sejam tidos como diretivas para todos os juristas em quaisquer circunstâncias que se destinam, pois, a conseguir uma vida pacífica e gratificante, daqueles a quem o direito protege e ampara.
4 – Então, que dizer neste caso do amparo, da proteção, da paz jurídica, se a crise provocada pelos poderes públicos contra os particulares, se esculpem na sentença recorrida: o pai que aceita a paternidade do filho é excluído dessa paternidade, expulso da família, e para que o filho deixe de ter pai.
5 – O Direito há muito que dava solução a estes casos, aceitando a perfilhação como prova plena da paternidade, apenas podendo ser arguida de falsa por quem tivesse um interesse familiar direto na destruição do vínculo familiar.
6 – Porém, que interesse direto tem o Estado, o MP, em recusar a paternidade da criança ao pai, alegando que não é pai natural, quando o ter assumido a paternidade, no limite, corresponderia sempre a uma perfilhação.
7 – Isto é, a um vínculo de família fixado por prova bastante nas relações sociais, e só impugnável no particularismo da rede da família.
8 – Ora, neste caso, nem sequer se põe qualquer dúvida, que o requerente é o pai entre todos os outros membros da família.
9 – O que o MP e o Estado pretende, neste caso concreto, é alimentar a carne de canhão das adoções.
10 – Não será este o cenário de uma inconstitucionalidade normativa, muito embora a prosódia das peças forenses não tenha exatamente sabido desenhar e enunciar, com extrema propriedade, este problema?
11 – Claro que é, e que é justamente num problema que foi depois perfeitamente posto a claro, quando o recorrente afirma tratar-se de questionar a inconstitucionalidade da norma, com base na qual o Tribunal valorou negativamente a assunção da paternidade por parte do recorrente, com base em este se ter recusado ao exame genético.
12 – Não será mesmo uma questão de inconstitucionalidade normativa?
13 – Terá de estar ancorada na formalidade de se enunciarem os números dos artigos da lei que estão em contradição com o ordenamento fundamental?
14 – É claro que a decisão do Tribunal Constitucional, infelizmente uma linha que persiste e tende a agravar-se ancora num formalismo que destrói a própria Constituição, por se demitirem de a fazer cumprir os seus próprios guardiões.
15 – E é também aqui neste plano que reside o grosseiro erro de interpretação da lei, assim identificado no acórdão de que se pede esta reforma.
16 – Com efeito, não será erro palmar aceitar-se, pela anestesia, que a presunção judicial de que alguém não é pai, a mero impulso do MP, apenas porque se recusou a um exame genético?
17 – Anestesia, claro, dada por um acórdão do Tribunal Constitucional, que se recusa a conhecer desta questão, porque os números dos artigos da lei não foram citados “ex-abundante”.
18 – Em suma, parece evidente, mas a evidência é o que é mais difícil de demonstrar, que este “non liquet” do Tribunal Constitucional, corresponde a uma desamparo da Constituição a um matéria das mais sensíveis da vida social: a relação pai-filho.
19 – Mas que é que o Estado e o MP têm a ver com isso, se alguém se assume como pai, e para si próprio não tem dúvidas de que é pai biológico?
20 – E que é que o Estado tem a ver com uma eventual circunstância de esse pai estar enganado, se ninguém mais do círculo íntimo da criança questiona a verdade deste pai?
21 – E o Tribunal Constitucional não terá nada a ver com esta problemática? Poderá recusá-la e afastá-la da sua apreciação competente, como forma de sanção da incompetência forense?
22- Enfim, a circunstância de as partes não falarem diretamente mas por interposta pessoa, o Advogado, embora profissional, não exigirá ductilidade, amparo, proteção na verdade e no direito, das decisões do Tribunal Constitucional?
(...)»
2. O Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento do pedido formulado.
II. Fundamentação
3. Consideram os reclamantes, portanto, ter havido, no Acórdão cuja reforma se pretende, “erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos.” Tal erro, na apreciação dos reclamantes, traduziu-se num “formalismo que destrói a própria Constituição”, anestesiando a proteção e o amparo que esta deve fornecer aos cidadãos.
Não se deteta, porém, no caso vertente, qualquer erro normativo manifesto. Com efeito, nas reclamações apresentadas ao abrigo do n.º 4, do artigo 76.º, da LTC, é o Tribunal Constitucional chamado a apreciar do acerto do juízo de não admissão do recurso de constitucionalidade interposto pelo recorrente, proferido pelo tribunal recorrido, analisando os fundamentos em que tal juízo se louvou. In casu, esse fundamento foi a falta de suscitação da questão de constitucionalidade, pressuposto dos recursos de constitucionalidade interpostos ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC, talqualmente preceituado no n.º 2, do artigo 72.º, do mesmo diploma.
Ora, o Tribunal Constitucional, no acórdão agora objeto de pedido de reforma, limitou-se a reiterar o acerto desse fundamento, considerando que, no momento processualmente adequado para o levantamento da questão de constitucionalidade, os reclamantes invocaram apenas “que a sentença recorrida violou normas legais e preceitos constitucionais (cfr. a respetiva transcrição no acórdão recorrido, a fls. 10 e 11)”, não tendo em momento algum procedido à enunciação de uma “norma ou interpretação normativa, para depois lhe imputar o vício de inconstitucionalidade.”
Alicerçando a sua decisão naqueles fundamentos, o Tribunal Constitucional não só não incorreu em qualquer erro suscetível de ser sindicado ao abrigo da alínea a), do n.º 2, do artigo 669.º, do CPC, limitando-se a concretizar o que consta da CRP e da LTC, como tampouco enveredou por qualquer tipo de “formalismo”. Os pressupostos processuais em que se baseou o indeferimento da reclamação prendem-se, na verdade, com opções estruturantes do nosso modelo de justiça constitucional – o qual, recorde-se, não admite as figuras da queixa constitucional ou do recurso de amparo – procurando a exigência de suscitação tempestiva da questão de constitucionalidade obstar a que os recorrentes se sirvam do recurso de constitucionalidade como expediente dilatório.
III. Decisão
4. Pelos fundamentos supra expostos, decide-se indeferir o presente pedido de reforma do acórdão proferido.
Custas pelos reclamantes, com taxa de justiça que se fixa em 15 (quinze) UCs.
Lisboa, 21 de novembro de 2012.- J. Cunha Barbosa – Catarina Sarmento e Castro – Joaquim de Sousa Ribeiro.