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Processo n.º 421/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., demandado no processo com o NUIPC 476/09.0PBBGC, reclama, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 76.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), do despacho de 26 de abril de 2012, proferido pelo Juiz Conselheiro Relator no Supremo Tribunal de Justiça, que não lhe admitiu recurso que interpôs para o Tribunal Constitucional.
Sustenta que o recurso deve ser admitido, com os seguintes fundamentos:
«I- Enquadramento
1.° O Recorrente, ora Reclamante, interpôs recurso constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.°, n.º 1, alínea b) da LOFPTC, do acórdão, datado de 29,03,2012, proferido pela conferência do STJ, pelo qual foi indeferida a invocação de nulidades e a reforma do acórdão daquele Supremo Tribunal, de 15.02.2012, que deu provimento ao recurso jurisdicional condenando o arguido/demandado a pagar à demandante, por danos não patrimoniais, a quantia de €100.000,00 (cem mil euros).
2.° Pretendia o Recorrente a apreciação da inconstitucionalidade da interpretação conjugada dos artigos 483.° e 487.º, ambos do Código Civil, do art.º 377.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e do art.º 39.° do Código Deontológico dos Médicos, adotada pelo STJ no acórdão de 15.02.2012.
3.º A interpretação extensiva adotada pelo STJ foi no sentido de os artigos 483.° e 487.° do Código Civil e o artigo 377.°, n.°1 do Código de Processo Penal abrangerem também o ilícito disciplinar.
4.º Nessa sequência, conclui pela verificação de responsabilidade civil do demandado/arguido, por ter este cometido alegadamente um ilícito disciplinar à luz do art.º 39.° do Código Deontológico dos Médicos, o que viola clamorosamente os mais elementares princípios e regras constitucionais de separação de poderes (nomeadamente de separação entre o poder executivo e o poder judicial) e de delimitação das competências de cada uma das ordens jurisdicionais (dos tribunais comuns e dos tribunais administrativos e fiscais).
5°. Ou seja, o entendimento do STJ afronta, de forma premente, não só o preceituado nos artigos 211.°, n.º 1 e 212,° da CRP, mas também no artigo 2.° da Lei Fundamental.
6.º Sucede, porém, que o Juiz Relator dos presentes Autos não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional por entender que o problema da inconstitucionalidade não foi suscitado 'de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida' (cfr. artigo 72.º, n.º 2 da LOFPTC),
7°. Refere ainda o doutro Supremo Tribunal que a interpretação das normas que o ora Reclamante reputa de inconstitucional 'não foi, de modo algum, imprevisível e inesperada para o demandado, pois a demandante, no seu recurso para o STJ, havia convocado expressamente tal interpretação da lei como um dos fundamentos possíveis para a condenação cível do demandado, em discordância com a decisão da Relação'.
8°. Mas, salvo o devido respeito por melhor opinião, não pode o aqui Reclamante assentir com o supra referenciado, conforme se explicará de seguida.
II – Do pressuposto da aplicação das normas reputadas inconstitucionais na interpretação que lhes foi dada pelo Tribunal a quo
9°. Salvo melhor opinião, o ónus prescrito no segmento final da al. b) do n.º 1 do art.° 70.° da Lei do Tribunal Constitucional que impende sobre a parte recorrente, no sentido de esta ter de suscitar a questão da inconstitucionalidade durante o processo, pressupõe a prévia aplicação da norma reputada inconstitucional (ou como tal reputada na interpretação que lhe foi dada).
10°. Aliás, nem de outra forma se compreenderia a imposição de um tal ónus na al. b) do n.° 1 do art.° 70.°, quando o tribunal a quo aplica uma norma inconstitucional (ou cuja inconstitucionalidade resulte da interpretação que lhe é dada)...
11°. ... e a sua dispensa na al. a) do mesmo artigo - quando o tribunal de que se recorre recusa a aplicação de uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade (ou quando recusa uma determinada interpretação da mesma norma por considerar tal entendimento inconstitucional)!
12.º É que neste segundo caso já se não verifica, por definição, o pressuposto da aplicação da norma!
13.º Muito simplesmente, estes normativos limitam-se a consagrar também em matéria de recursos para o Tribunal Constitucional a regra da fixação do objeto da causa na 1.ª instância, por força do princípio da estabilidade da instância.
14°. Regra essa que, todavia, conhece exceções, nomeadamente os casos em que pela primeira vez um tribunal de apelação ou um tribunal de revista alarga ele próprio o objeto anteriormente fixado - no caso, aplicando pela primeira vez a norma reputada inconstitucional.
15°. Pois bem, nem o tribunal de instância, nem o Tribunal da Relação do Porto, aplicaram in casu as normas que foram objeto da contestada interpretação inconstitucional!
16°. Diferentemente, foi o Supremo Tribunal de Justiça a primeira e única autoridade judicial a perfilhar tal interpretação das ditas normas.
17°. Na situação sub judicio não é pois sequer necessário que a sentença constitua uma surpresa (que de todo o modo constituiu, como se demonstrará infra): não tendo havido anteriormente aplicação da norma inconstitucional (inequívoco pressuposto do estatuído na parte final da al. b) do n.° 1 do art.° 70 LTC), só a partir dessa aplicação (pelo tribunal) é que passa a impender sobre o interessado o ónus de suscitar a sua inconstitucionalidade.
18°. Outro entendimento corresponderia a levar longe de mais o princípio do dispositivo, numa matéria tão sensível como esta, de defesa da ordem constitucional, em que os tribunais (todos eles) figuram como guardiões da Lei Fundamental.
III – Da Inexistência do ónus da invocação da inconstitucionalidade “durante o processo”
19°. O presente recurso assenta na alínea b) do n.° 1 do artigo 70.° da LOFPTC, nos termos da qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma ou interpretação normativa inconstitucional.
20°. No caso vertente, a interpretação normativa que se reputa inconstitucional foi aplicada, em concreto e pela primeira vez, pelo STJ por acórdão de 15.02.2012.
21°. Recordando o sucedido, o arguido A., médico, foi condenado, por acórdão de 01.07.2010, proferido pela 1.ª Vara Criminal do Porto, como autor material de um crime de violação p. e p. no artigo 164,°, n,° 1 do Código Penal e ainda a pagar à assistente/demandante a quantia de € 30.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
22°. Em sede de recurso, o Tribunal da Relação do Porto absolveu o arguido do crime e também do pedido cível, por acórdão proferido a 13.04.2011.
23°. Desta decisão recorreu a demandada, quanto à matéria cível para o STJ, que julgou procedente o recurso, condenando o demandado a indemnizá-la no valor de €100.000,00 por danos não patrimoniais.
24°. Para tanto, o douto Supremo Tribunal assacou ao demandado responsabilidade civil a título de danos não patrimoniais em virtude da prática de um 'ilícito' de natureza deontológica, ou seja, de um ilícito disciplinar.
25°. Como é sabido, a Ordem dos Médicos goza de competência exclusiva para reconhecer a responsabilidade dos médicos emergente de infração à Deontologia Médica (cfr. artigo 4.° do Código Deontológico dos Médicos).
26°. Por conseguinte, a ação disciplinar, decorrente da violação de deveres deontológicos do exercício da atividade médica, só pode ser exercida pela Ordem dos Médicos, pelo que se exclui a apreciação da prática profissional dos médicos por qualquer outro poder tutelar, designadamente pelo poder judicial.
27°. Sendo, outrossim, da exclusiva competência dos tribunais judiciais o apuramento das infrações de natureza cível e penal, bem como a determinação das consequências da prática de tais infrações, o mesmo é dizer, a aplicação (ou não) das sanções a que houver lugar (multa ou pena privativa de liberdade, no caso da sanção penal, e ressarcimento dos prejuízos causados ao lesado, no caso da sanção cível).
28°. A conclusão a que chegou o Supremo Tribunal de Justiça, ou seja, a condenação do demandado no pagamento de €100.000,00 a título de danos não patrimoniais decorrentes da violação de deveres deontológicos, resulta de uma interpretação inconstitucional dos artigos 483.° e 487.° do Código Civil, do artigo 377.°, n.º 1 do Código de Processo Penal e do artigo 39.° do Código Deontológico dos Médicos.
29°. Ora, até à referida decisão final do Supremo Tribunal de Justiça, datada de 15.02.2012, o problema da aplicação de uma eventual interpretação normativa inconstitucional, que serviu de base à condenação do demandado no pedido de indemnização cível, não se havida colocado.
30.º Ocorre, que nos presentes autos, as instâncias inferiores não adoptaram o entendimento que aqui se reputa inconstitucional, pelo que a questão da inconstitucionalidade foi oportunamente levantada pelo Reclamante.
31.º Mesmo que assim não se entenda - o que não se concede - sempre se dirá que o caso vertente se enquadra, precisamente, no leque de exceções em relação às quais o Tribunal Constitucional tem vindo a admitir que a questão da inconstitucionalidade seja suscitada depois de proferida a decisão sobre o mérito da causa.
IV – Da imprevisibilidade da interpretação normativa adoptada pelo STJ
32.º O caso presente constitui, portanto, um dos «casos 'anómalos' ou 'excecionais' em que o recorrente é confrontado com uma situação de aplicação ou interpretação normativa de todo imprevista e inesperada, feita pela decisão» (cfr. GUILHERME DA FONSECA e INÉS DOMINGOS, Breviário de Direito Processual Constitucional, Recurso de Constitucionalidade, Jurisprudência, Doutrina, Formulário, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2002, p. 54, sublinhado e negrito nossos).
33.º Ao contrário do que pretende fazer crer o STJ, aqui o interessado não dispôs «de 'oportunidade processual' para suscitar a questão antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo, por não poder antever a possibilidade dessa aplicação (acs. 61/92, 188193, 569/95, 596/96, 499/97, 642/99, 674199, 124/00, 155/00, 192/00, 79/02, 120/02)» (cfr. GUILHERME DA FONSECA e INÊS DOMINGOS, Breviário de Direito Processual Constitucional, Recurso de Constitucionalidade, Jurisprudência, Doutrina, Formulário, 2ª edição, Coimbra Editora, 2002, p. 54).
34.º Como já foi referido, o tribunal de 1.ª instância limitou-se a qualificar os factos controvertidos como ilícitos criminal e cível (não como ilícito disciplinar), determinando respetivamente uma sanção penal e uma sanção cível como consequência dos mesmos factos. E o Tribunal da Relação, na revisão da qualificação desses factos que levou, por sua vez, a cabo, entendeu, ao invés, que os mesmos não constituíam nem um ilícito criminal, nem um ilícito cível, absolvendo o arguido/demandado quer na parte criminal, quer na parte cível.
35.º. Nem se diga, como vem referido no douto despacho de que ora se reclama, que o arguido/demandado deveria ter colocado o problema da inconstitucionalidade na resposta às alegações de recurso apresentadas pela demandante, nas quais esta propugnou pela atribuição de uma indemnização cível em virtude de 'uma grave violação de deveres deontológicos e disciplinares'.
36°. Jamais poderia o aqui Reclamante imaginar que o STJ desse seguimento aos fundamentos (manifestamente inconstitucionais!) inovados pela demandante nas suas alegações.
37.º Mas, a verdade é que o fez, de forma livre e consciente, em homenagem aos postulados da Escola Livre do Direito!
38°. O STJ serviu-se deliberadamente dos absurdos alicerces em que a então Recorrente apoiou as suas alegações de recurso (esta seguramente por menor conhecimento das coisa jurídicas, e não usando o erro de forma intencional, ressalve-se), fazendo aquele alto tribunal um uso intencional de um erro alheio,
39.º No fundo, e em abono da verdade, aproveitou o STJ o ensejo de fazer justiça material 'pelas próprias mãos', num momento em que o arguido/demandado havia já sido absolvido cível e criminalmente pelo Tribunal da Relação.
40°. Para tanto, o STJ aplicou ao caso sub judicio as normas do Código Deontológico, para (e no sentido de) daí extrair efeitos sancionatórios em matéria de responsabilidade civil por danos morais, os quais de outra forma não seriam extraíveis da matéria dada como provada - aplicando em consequência dessa qualificação uma (pesadíssima) sanção cível em virtude da ocorrência de uma suposta infração disciplinar.
41°. É certo que a assistente sustentou nas suas alegações de recurso a tese que viria a vingar, da aplicabilidade dessas normas.(assim interpretadas) ao caso sub judicio; mas essa alegação (da contraparte) não equivale, obviamente, à aplicação (com a contestada interpretação) das mesmas normas.
42°. Tanto mais que o Tribunal apenas se encontra vinculado aos factos (artigo 264.°, n.° 2 do CPC), mas não ao direito, em consonância com o velho brocardo latino 'iura novi curia',
43.º Por outro lado, não é exigível às partes, até por razões de economia processual, rebaterem «taco a taco» todas as alegações da contraparte, mesmo as mais absurdas, como é o caso desta que acabou por vingar,
44°. A esta luz, era neste processo alta a improbabilidade de o STJ, atendendo ao direito positivo (e não à particular conceção de justiça material dos juízes conselheiros que lavraram o acórdão, por definição imperscrutável antes de se manifestar!) vir a perfilhar um entendimento tecnicamente tão deficiente, à luz, nomeadamente, do disposto nesta matéria na Lei Fundamental.
45°. A vingar esta jurisprudência, o contraditório nas alegações de recurso será, por basilar cautela das partes, explorado até à exaustão, com os graves inconvenientes dai decorrentes para a administração da justiça.
46°. Em suma, a interpretação normativa acolhida pelo STJ revelou-se uma surpresa para o arguido/demandado, cuja eventual responsabilidade disciplinar nunca tinha (e bem!) sido apreciada nas instâncias inferiores.
47.º Deste modo, foi, de todo, impossível antever que o STJ pudesse adotar uma tal
interpretação (inconstitucional) dos referidos normativos, mais concretamente que fizesse assentar a responsabilidade civil do arguido/demandado no cometimento de uma infração disciplinar.
48° Tanto mais que tal interpretação não foi, nem de longe, nem de perto perfilhada por nenhuma das anteriores decisões judiciais proferidas no processo.
Isto posto,
49.º. O arguido/demandado suscitou a questão da inconstitucionalidade no momento próprio para o efeito, isto é, no momento em que os tribunais (leia-se, o STJ) aplicaram pela primeira vez as normas em causa de acordo com a interpretação reputada inconstitucional.
50°. Já que antes da sobredita decisão, a decisão do Tribuna! da Relação do Porto que absolvera o arguido/demandado do pedido cível não padecia da sobredita inconstitucionalidade (nem tão pouco a decisão de 1.ª instância, que apesar de o ter condenado no pedido cível em €30.000 não fundou essa condenação no cometimento de uma infração disciplinar).
51°. Sendo que a decisão recorrida não é passível de recurso ordinário nos termos do artigo 670.°, n.° 2 do Código de Processo Civil ex vi artigo 4.° do Código de Processo Penal (cfr. artigo 70.°, n.° 2 da LOFPTC).
52° O que legitima a interposição do presente recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do n.° 1 do artigo 280.° da CRP e da alínea b) do n.° 1 do artigo 70.° da LOFPTC.
53° Ainda que se entenda não ser a aplicação da norma inconstitucional pressuposto do ónus de suscitar a questão da inconstitucionalidade, a verdade é que, de acordo com um juízo de experiência comum, não era exigível ao demandado antever a adoção por tão ilustre Tribunal de uma interpretação normativa tão extravagantemente inconstitucional.
Nestes termos, requer a Vossas Exas. que se dignem julgar procedente o recurso para o Tribunal Constitucional da decisão proferida pelo STJ a 29.03.2012 e feito o mesmo subir, com efeito suspensivo, seguindo-se os demais termos legais».
2. Em resposta, o Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação, com o seguinte remate:
«(...)
24. Ora, como bem referido pelo despacho do Ilustre Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, ora reclamado, não é, de todo, este o caso dos autos.
Com efeito, a demandante, oportuna e desenvolvidamente, como se deu conta supra, requereu a condenação do arguido no pagamento de uma indemnização civil, ao abrigo dos arts. 70.º e 483.º do Código Civil e 377.º do Código de Processo Penal.
Explicitou, para o efeito, toda a sua argumentação, muita da qual foi posteriormente sufragada pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos dois Acórdão relativos ao arguido.
Não pode, pois, vir, agora, invocar ter sido apanhado de surpresa por uma argumentação que amplamente conhecia, e à qual teve, em devido tempo, ensejo de responder, antes de o Supremo Tribunal de Justiça a ter apreciado e, finalmente, aceite.
Por outro lado, é elucidativa a jurisprudência, citada pelo mesmo Supremo Tribunal de Justiça, em abono da sua posição, que denota tratar-se de jurisprudência consolidada.
Por último, é clara, consistente e uniforme, a jurisprudência deste Tribunal Constitucional, sufragando o entendimento adoptado pelo despacho recorrido.
25. Terá, assim, de concluir-se, que a presente reclamação não merece deferimento, confirmando-se, pois, o despacho reclamado, de 26 de Abril de 2012, do Ilustre Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça».
3. Notificado da resposta, do Ministério Público, veio o reclamante responder.[1]
4. O processo foi redistribuído, após a cessação de funções do anterior relator.
Cumpre decidir.
II. Fundamentação
5. Para a apreciação da presente reclamação, releva a seguinte evolução processual:
5.1. Por acórdão proferido em 1 de junho de 2010 na 1ª Vara Criminal do Porto, foi o arguido e demandado civil A. condenado pela prática de um crime de violação, p. e p. pelo artigo 164.º, n.º1 do Código Penal, na pena de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, e no pagamento à demandante B. de indemnização, por danos não patrimoniais, no montante de €30.000,00 (trinta mil euros);
5.2. Inconformados, Ministério Público e assistente/demandante B. recorreram daquela decisão. Enquanto o primeiro pugnou pela imposição ao arguido de pena de prisão efetiva, a segunda peticionou o acréscimo do montante indemnizatório fixado. Por seu turno, também o arguido/demando interpôs recurso, no sentido da sua absolvição.
5.3. Por acórdão proferido no Tribunal da Relação do Porto em 13 de abril de 2011, foi concedido provimento ao recurso do arguido A. e absolvido o mesmo do crime por que fora acusado e condenado em 1ª instância, bem como do pedido de indemnização civil deduzido pela assistente/demandante B.. Em sentido divergente da posição que fez vencimento, o Juiz Desembargador, Presidente da Secção Criminal, exarou voto de vencido, tanto na vertente criminal, como na vertente indemnizatória. Sobre esta dimensão do objeto do processo, exarou o seguinte:
«Finalmente, perante a decretada absolvição penal e face ao preceituado nos artigos 377.º, n.º1 do CPP e 483.º do Código Civil, considerando que a conduta do arguido envolve uma grave violação dos deveres deontológicos e disciplinares e que a mesma foi causal de danos morais relevantes para a assistente/demandante, creio que se justificaria analisar a responsabilidade civil no plano da culpa e, com isso, o mérito do recurso da demandante».
5.3. O Ministério Público e a assistente/demandante civil interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. No que toca à absolvição do demandado do pedido cível, inscreveu a assistente/demandante nas conclusões da motivação apresentada, o seguinte:
«(...)
28.ª O douto Acórdão recorrido absolveu o arguido do pedido civil formulado pela ofendida, considerando todavia que – cfr. fls. 67: «Tudo o que foi dito não exclui, naturalmente, a censurabilidade da conduta do arguido em termos deontológicos, éticos e até sociais».
29.ª Salvo o reiterado devido respeito, entende-se, que mesmo na situação de absolvição do arguido, ainda assim, impunha-se o conhecimento do mérito do recurso da demandante e a condenação do arguido demandado no pedido de indemnização civil formulado, nos termos dos arts. 377.º, n.º1, CPP e 483.º, Código Civil.
30ª Considerando que a conduta do arguido envolve uma grave violação de deveres deontológicos e disciplinares e que a mesma foi causal de danos morais relevantes para a assistente/demandante, o douto Tribunal recorrido deveria ter analisado a responsabilidade civil no plano da culpa e, com isso, o mérito do recurso da demandante.
31ª O qual deveria ter sido julgado procedente, atribuindo a devida indemnização pela dor da vítima/demandante, no valor de 1000.000€, por se ter também em conta que:
32ª Na determinação da gravidade e da extensão dos danos para efeitos de compensação, ao abrigo das normas de responsabilidade civil (arts. 483.º, n.º1, 70.º, n.º1 e 2 do Código Civil), tem que se considerar o carácter individual da pessoa lesada, a especificidade da sua situação, bem como a sua especial sensibilidade, e não um arquétipo de personalidade normal e abstracta, física e culturalmente dominante.
33ª A vítima é do sexo feminino, estava emocionalmente debilitada e grávida em fim de tempo, e os factos foram praticados por alguém em quem a vítima confiava. Em virtude desta situação específica, o impacto psicológico dos factos e os danos causados são superiores, incluindo o dano da traição por uma pessoa em quem confiava e que violou o seu corpo e integridade física, psíquica e sexual, o dano da perda da qualidade emocional da vida, retirando-lhe o gosto pela vida e o desejo de viver, bem como o dano existencial da angústia em relação ao bem-estar psíquico da criança».
5.4. Os recursos do Ministério Público e da assistente/demandante na vertente criminal não foram admitidos. Reclamou dessa decisão a assistente/demandante, a qual veio a ser indeferida, por despacho do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, de 30 de novembro de 2011.
5.5. O arguido, na condição de recorrido, apresentou resposta aos recursos;
5.6. Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 15 de fevereiro de 2012, foi dado provimento ao recurso da demandante e condenado o ora reclamante no pagamento àquela da quantia de €100.000,00 (cem mil euros), a título de danos não patrimoniais;
5.7. A demandante requereu a reforma do acórdão. O demandado, ora reclamado, para além de arguir a nulidade do acórdão e requerer a sua reforma, no mesmo requerimento sustentou que a «decisão condenatória, na interpretação que faz dos artigos 483.º e 487.º ambos, do Código Civil, 377.º, n.º1, do Código de Processo Penal e 39.º do Código Deontológico dos Médicos e do Estatuto da Ordem dos Médicos padece de inconstitucionalidade material, que aqui se invoca para todos os efeitos legais, pelo que a decisão condenatória deve ser alterada nessa conformidade».
5.8. Por acórdão proferido em 29 de março de 2012, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu aclarar o acórdão de 15 de fevereiro de 2012, no sentido da contagem de juros só de contar a partir da mesma, e em indeferir totalmente o requerimento do demandado;
5.9. Veio, então, o demandado interpor recurso desses dois acórdãos para o Tribunal Constitucional;
5.10. Sobre esse requerimento incidiu a decisão reclamada, de não admissão do recurso, proferida em 26 de abril de 2012, com o seguinte teor:
«O demandado vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão de 15 de fevereiro de 2012 (e também do acórdão de 29-03-2012 que o completou), alegando, em resumo, que aí se interpretou «extensivamente os artigos 483.º e 487.º do Código Civil [e também o art.º 377.º, n.º1 do CPP], no sentido de estes abrangerem também o ilícito disciplinar e, nessa sequência, ao concluir pela verificação de responsabilidade civil do demandado/arguido, por este ter cometido alegadamente um ilícito disciplinar à luz do art.º 39.º do Código Deontológico dos Médicos», «torna tais normas violadoras não apenas dos art.ºs. 211.º, n.º1 e 212, ambos da CRP, mas também do próprio princípio da separação de poderes consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa» «Acresce que o mesmo entendimento perfilhado pela decisão condenatória viola também o art.º 32.º, n.º 10, da Lei Fundamental, porquanto acarreta a antecipada condenação do arguido/demandado no pagamento de uma indemnização cível por uma infracção específica do foro deontológico/disciplinar, sem que ele tenha a oportunidade de nesse foro ou nessa matéria nesse processo sancionatório (ou seja, na qualidade de médico, e face aos seus pares), se defender, no sentido de evitar uma consequência sancionatória que repute ilegal».
Estas questões de inconstitucionalidade, como bem reconhece o recorrente, só foram suscitadas no requerimento de reforma/nulidade apresentado depois de proferido o acórdão recorrido de 15-02-2012, como é evidente, nem no acórdão que posteriormente decidiu o incidente (de 29-03-2012), aqui por então já se ter esgotado o poder jurisdicional do tribunal.
Diz agora o recorrente que não seria “expectável que o Supremo adotasse uma tal interpretação” (no acórdão de 15-02-2012), “pelo que «ao interessado não foi exigível que antevisse a possibilidade de aplicação da norma ao caso concreto, de modo a impor-se-lhe o ónus de suscitar a questão antes da decisão”».
O recurso que agora se entrepõe é o previsto na al. b) do n.º1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional que pressupõe, além do mais, que:
O recorrente tenha suscitado, durante o processo e de forma processualmente adequada, a inconstitucionalidade de determinada norma jurídica – ou de uma sua interpretação normativa – e que;
Não obstante, a decisão recorrida a tenha efetivamente aplicado, como ratio decidendi, no julgamento do caso.
Interpretando esta última norma legal, tem o Tribunal Constitucional adotado uma jurisprudência uniforme e constante, que se pode ler, por exemplo no recente Ac. do TC n.º 165/12, de 28 de março, onde se diz o seguinte:
«De acordo com um princípio sempre reiterado pela jurisprudência do Tribunal, os incidentes pós decisórios não devem ser configurados como momento processual oportuno para que seja discutido, pela primeira vez, qualquer questão de inconstitucionalidade. Assim é pelo facto destes incidentes servirem, por regra, para conhecer da aplicação das normas reguladoras da admissibilidade e do próprio âmbito dos pedidos de reforma ou nulidade, que não têm qualquer influência na formação da decisão, e não para conhecer de questões de mérito.
Este princípio associa-se logicamente a um outro que é, nos termos da alínea b) do n.º1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, pressuposto insuprível da admissibilidade dos recurso de constitucionalidade, e que se traduz na necessária suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo, ou seja, antes que seja proferida a decisão [de mérito] de que se pretende recorrer.
O Tribunal tem admitido exceções a esta exigência geral de suscitação prévia da questão de constitucionalidade nos casos em que o tribunal a quo profira uma decisão de tal modo imprevisível e inesperada que torne desrazoável o impor-se ao recorrente a antecipação da mesma».
Ora, no caso presente, a decisão recorrida, com os fundamentos que adotou, nomeadamente, com a interpretação das normas que agora o recorrente considera ferida de inconstitucionalidade, não foi, de modo algum, imprevisível e inesperada para o demandado, pois a demandante, no seu recurso para o STJ, havia convocado expressamente tal interpretação da lei como um dos fundamentos possíveis para a condenação cível do demandado, em discordância com a decisão da Relação.
Na verdade, disse a demandante o seguinte, nas suas conclusões para o STJ:
«30ª Considerando que a conduta do arguido envolve uma grave violação de deveres deontológicos e disciplinares e que a mesma foi causal de danos morais relevantes para a assistente/demandante, o douto Tribunal recorrido deveria ter analisado a responsabilidade civil no plano da culpa e, com isso, o mérito do recurso da demandante.
31ª O qual deveria ter sido julgado procedente, atribuindo a devida indemnização pela dor da vítima/demandante, no valor de 1000.000€ (...)».
Como se vê, portanto, o demandado podia ter invocado, durante o processo e de forma processualmente adequada, a inconstitucionalidade das ditas normas jurídicas, ou de uma sua interpretação normativa, pois teve oportunidade de o fazer na resposta que apresentou ao recurso da demandante para o STJ. Mas não o fez, o que impossibilitou o Tribunal de recurso de se pronunciar sobre o assunto no momento oportuno.
Por isso, não tendo sido suscitada adequadamente durante o processo, até ao momento da decisão final, a inconstitucionalidade de uma certa interpretação das normas legais ora referida pelo recorrente, tendo o mesmo tido oportunidade de o fazer na altura própria, pois que tal interpretação fora adotada pela demandante no seu recurso para o STJ, não cabe agora recurso para o TC, pois não se verifica a hipótese configurada no art.º 70.º, n.º1, al. b), da Lei do TC [ “Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais: b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”].
Termos em que não se admite o recurso para o Tribunal Constitucional».
6. Como se vê, a decisão reclamada suporta a não admissão do recurso de constitucionalidade, em primeira linha, na inidoneidade da formulação da questão normativa em incidente pós decisório – no caso, arguição de nulidade – para satisfazer o ónus de suscitação prévia e, em segunda linha, na ausência de interpretação normativa imprevisível e inesperada.
7. O reclamante contrapõe que o ónus contido no segmento final do artigo 70.º, n.º1, alínea b) da LTC pressupõe a prévia aplicação da norma reputada inconstitucional, o que só aconteceu com o aresto proferido em 15 de fevereiro de 2012, e que, em todo o caso, a interpretação normativa adotada pelo Supremo Tribunal de Justiça, era imprevisível.
Não lhe assiste razão, em qualquer dos planos argumentativos.
7.1. O reclamante evidencia o tempo verbal do verbo aplicar constante do artigo 70.º, n.º1, al. b) da LTC para convencer que não lhe era imposto o ónus de suscitar a questão antes da efetiva aplicação da interpretação normativa que considera violadora de preceitos e princípios constitucionais. Confunde, porém, o pressuposto de efetiva aplicação da norma, ou interpretação normativa, como ratio decidendi, e o requisito de suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade colocada à apreciação do Tribunal Constitucional, atinente a outro pressuposto.
Com efeito, o requisito de suscitação prévia prende-se com o pressuposto legitimidade e a sua conformação encontra-se explicitada no artigo 72.º, n.º2 da LTC, onde se prescreve que: «Os recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º1 do artigo 70.º só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão de inconstitucionalidade ou da ilegalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer».
A clara anterioridade da suscitação da questão de inconstitucionalidade relativamente à decisão recorrida imposta por esse preceito afasta claramente a posição sustentada na reclamação. Para que lhe assista legitimidade para o recurso, a parte ou sujeito processual não pode esperar que o tribunal conheça oficiosamente ou por impulso de outra parte da questão de constitucionalidade, pois incumbe-lhe colocá-la, ele próprio, clara e especificamente, em tempo e modo adequados, perante o Tribunal recorrido, neste caso, o Supremo Tribunal de Justiça (cfr. Acórdão n.º 401/97).
Ora, o recorrente colocou a questão de constitucionalidade apenas em incidente pós decisório – arguição de nulidade – o que, conforme jurisprudência consolidada deste Tribunal, não constitui meio idóneo e atempado para respeitar a exigência legal constante do artigo 72.º, n.º2 da LTC, porque esgotado o poder jurisdicional do Tribunal a quo. Isso mesmo vem afirmado na decisão reclamada, sem contestação por parte do reclamante.
7.2. A título subsidiário, diz o reclamante que foi confrontado com interpretação normativa de todo imprevista e inesperada e que, assim sendo, não lhe pode ser exigido que suscitasse a sua inconstitucionalidade.
Este Tribunal vem reconhecendo, em termos exigentes quanto à sua verificação, a existência de exceções à regra da suscitação prévia da questão de constitucionalidade. Assim sucede, designadamente, quando o recorrente é efetivamente confrontado com aplicação ou interpretação da norma em causa por parte da decisão recorrida objetivamente imprevisível, insuscetível de ser ponderada e acautelada por aplicador prudente e diligente. Nesses casos, admite-se que, de acordo com critérios de exigibilidade e de razoabilidade, não se pode impor à parte, ou sujeito processual, que anteveja a possibilidade de aplicação daquela norma ou interpretação normativa como fundamento jurídico da decisão.
Porém, esse quadro situacional não se confunde com aquele em que a aplicação da norma, ou a sua interpretação, na dimensão que entende desprovida de legitimidade constitucional, foi ponderada mas descartada pela parte ou sujeito processual, em execução de opções de gestão estratégica da sua conduta processual. Como escreve Lopes do Rego, em síntese da jurisprudência deste Tribunal, « (...) recai sobre as partes o ónus de analisarem as diversas possibilidades interpretativas, susceptíveis de virem a ser seguidas e utilizadas na decisão, cumprindo-lhes adoptar as necessárias e indispensáveis precauções, em conformidade com um dever de litigância diligente e de prudência técnica, ponderando a estratégia e orientação processuais mais adequadas à salvaguarda dos seus direitos e interesses. Cabe, pois, às partes a formulação de um juízo de prognose, analisando e ponderando antecipadamente as várias hipóteses de enquadramento normativo do pleito e de interpretação razoável das normas convocadas para a sua dirimição, de modo a confrontarem atempadamente o tribunal com as inconstitucionalidade que – na sua óptica – poderão inquinar tais normas ou interpretações normativas – não bastando obviamente a invocação de mera “surpresa subjectiva” da parte com a aplicação normativa realizada nos autos» (in, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, 2010, págs. 81 e 82; cfr. os Acórdãos n.º 400/05, 421/10, 320/11 e 509/11, entre muitos).
Tomando os termos da reclamação, verificamos que o reclamante começa por sustentar a imprevisibilidade objetiva da interpretação normativa que pretende impugnar, que qualifica de inimaginável e absurda. Porém, mais adiante, e quando aborda o argumento principal da decisão reclamada – inscrição dessa mesma interpretação na pretensão recursória da demandante –, coloca a imprevisibilidade apenas no plano subjetivo e também, em antinomia, no domínio da improbabilidade (cfr. artigos 44.º a 46.º da reclamação).
Ora, e como bem se refere na decisão não admissão reclamada, o arguido não pode validamente sustentar que lhe faltou oportunidade para se pronunciar sobre a questão que agora pretende colocar à apreciação deste Tribunal pois a mesma, como o reclamante reconhece, encontra-se contida nos fundamentos do recurso interposto pela demandante para o Supremo Tribunal de Justiça e em relação ao qual apresentou resposta. Incumbia-lhe, então, nessa peça processual, colocar a questão de constitucionalidade à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito da cognição do recurso dirigido à absolvição do pedido de indemnização civil.
Não colhe, por outro lado, a indicação de que o entendimento pugnado pela demandante no recurso estava de tal modo afastado da jurisprudência conhecida em casos similares que não lhe era exigível que o confrontasse. Basta, para infirmar essa conclusão, a circunstância de ter constituído fundamento para o voto de vencido exarado no acórdão absolutório proferido pelo Tribunal da Relação do Porto (cfr. 5.3, supra).
Encontramo-nos, então, perante exemplo de mera surpresa subjetiva, referida ao êxito de recurso dirigido contra a decisão de absolvição do pedido de indemnização civil, e que estava plenamente ao seu alcance antecipar, inidónea para excecionar o requisito imposto pelo artigo 72.º, n.º2 da LTC.
8. Assim, porque ao recorrente não assiste legitimidade para a questão normativa inscrita no recurso de constitucionalidade, cumpre confirmar a decisão de não admissão do recurso para o Tribunal Constitucional.
III. Decisão
9. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, tendo em atenção os critérios seguidos por este Tribunal e a dimensão do impulso desenvolvido.
Notifique.
Lisboa, 24 de outubro de 2012.- Fernando Vaz Ventura – Pedro Machete – Joaquim de Sousa Ribeiro.
[1] Retificado conforme Acórdão nº 542/2012, de 15 de novembro de 2012